UM HOMEM, antes de empreender uma viagem, decidiu chamar os seus servos e entregou-lhes os seus bens: “A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro um; a cada qual de acordo com a sua capacidade” (Mt 25, 15). Quando partiu, os dois primeiros puseram-se a negociar o que tinham recebido e conseguiram obter o dobro do que tinham. Em contrapartida, o que tinha recebido só um decidiu fazer “ um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão” (Mt 25, 17).
Com esta parábola, Jesus quis ensinar aos seus discípulos a usarem bem os seus dons. “Deus chama cada homem à vida e dá-lhe talentos, confiando-lhe, ao mesmo tempo, uma missão a cumprir”[1]. Todos nós temos qualidades que, de alguma maneira, nos tornam únicos. Às vezes, porém, podemos ter inveja dos talentos de outra pessoa e lamentar porque pensamos que não somos tão valiosos como ela. Cristo, contudo, abençoou-nos de muitas maneiras e uma delas foi conceder-nos faculdades específicas para desempenharmos a missão que nos confiou. Descobrir o modo específico pelo qual cada um de nós pode servir a Deus e aos outros nos permite olhar para os nossos talentos com os olhos do Senhor. “Assim amadurecerá mais e mais em nós uma atitude interior de abertura às necessidades dos outros, saberemos estar a serviço de todos e veremos com mais clareza qual é o lugar que Deus nos confiou neste mundo”[2].
“A tua vida para ti? – escrevia São Josemaria –. A tua vida para Deus, para o bem de todos os homens, por amor ao Senhor. Desenterra esse talento! Torna-o produtivo, e saborearás a alegria de saber que, neste negócio sobrenatural, não interessa que o resultado não seja, na terra, uma maravilha que os homens possam admirar”[3]. O importante é que contribuamos para tornar o nosso próprio ambiente – a casa, o local de trabalho, o grupo de amigos – um lugar melhor, onde possamos transmitir aos outros, com os nossos talentos, a alegria de viver junto de Jesus.
ENQUANTO os que receberam vários talentos negociaram com eles, o que recebeu um escondeu-o debaixo da terra. Quando, depois de muito tempo, chegou o senhor, aquele servo apresentou-se diante dele dizendo: “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo e escondi teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence” (Mt 25, 24-25). Preferiu a segurança que lhe dava o buraco no solo, à aventura de fazer render o talento que o seu senhor lhe tinha dado.
O medo é uma reação natural que temos perante o desconhecido ou os problemas da vida. No entanto, quando lhe damos demasiada importância, “é uma atitude que nos faz mal, que nos debilita, que nos torna encolhidos, que nos paralisa. Tanto é assim que, uma pessoa escravizada pelo medo não se mexe, não sabe o que fazer: fica com medo, centrada sobre si mesma, à espera de que aconteça algum mal”[4]. O medo, em vez de nos permitir desfrutar do talento que Deus nos deu, leva-nos a concentrar a nossa atenção em tudo aquilo que pode correr mal.
A proposta cristã não consiste em ignorar ingenuamente as dificuldades possíveis. Em vez disso, é um convite para depositarmos a nossa confiança no amor incondicional do Senhor, e recordar que estamos nas suas mãos que nos protegem e nos guardam. Como escreve o prelado do Opus Dei: “Num momento da vida em que talvez a segurança da infância cambaleie e também a luz da fé possa se debilitar, é preciso recordar a nossa verdade mais profunda: somos filhos de Deus e fomos criados por amor”[5]. Deste modo, o que talvez tivéssemos medo de perder – a saúde, certos bens, a estima dos outros –, terá adquirido uma importância relativa, pois sabemos que Cristo vela por nós e nunca deixará de nos amar. Esta certeza nos permitirá acolher as contrariedades com valentia e fortaleza, pois “se Deus está por nós, quem pode estar contra nós?” (Rm 8, 31). Neste tempo de oração podemos identificar quais são os nossos medos e deixá-los nas mãos do Senhor, para assim podermos desfrutar da vida que nos confiou.
O MEDO pode manifestar-se quando temos que tomar uma decisão que pressupõe uma mudança importante na nossa vida. Talvez não saibamos como enfrentar os obstáculos que irão surgir pelo caminho e, por isso, tenhamos medo do fracasso. Isso pode nos levar a adiar essa escolha o máximo possível, ou a ficar mais atentos às dificuldades que possam surgir do que às alegrias que iremos encontrar. Assim, o medo nos leva a fazer da segurança a meta da própria vida, evitando riscos e procurando seguranças contínuas a que nos agarrar. De certa forma, vivemos como escravos do futuro sem viver o presente junto de Deus que é senhor da História.
“A nossa procura pessoal pode gerar certo desassossego, porque experimentamos a vertigem da liberdade. Serei feliz? Terei forças? Valerá a pena comprometer-se? Também nesses momentos Deus não nos abandona”[6]. Qualquer aventura que valha a pena comporta um certo risco. Querer ter tudo sob controle, além de ser impossível – porque sempre surgirão circunstâncias imprevistas –, leva a colocar o medo no centro da vida, e não tanto o desejo de realizar algo que valha a pena. Por isso, o Senhor quer nos libertar dos nossos temores, que em muitas ocasiões se alimentam da nossa imaginação e não correspondem à realidade. Quando nos decidimos, com entusiasmo e empenho, a enveredar por um caminho, obtemos a estabilidade e a certeza que não tínhamos antes, pois sabemos que a nossa vida tem um sentido claro. E sabemos que, em cada momento, teremos o Senhor a nosso lado, confiando em nós e estando de algum modo presente, com delicadeza e ternura.
A Virgem Maria também sentiu um certo medo quando ouviu a saudação do anjo. Por isso, Gabriel lhe disse: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus” (Lc 1, 30). Aquele temor inicial não a impediu de se lançar à aventura de ser Mãe de Deus. Embora desconhecesse as dificuldades que iriam surgir, sabia que poderia contar a todo o momento com o Senhor, para quem “nada é impossível” (Lc 1, 37). O anúncio do anjo rapidamente a encheria de alegria e de firmeza. Assim, colocando a sua segurança na força divina, sem fazer cálculos, decidiu empreender com alegria esse caminho: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38).
[1] Bento XVI, Ângelus, 13/11/2011.
[2] Fernando Ocáriz, “Luz para ver, força para querer”,Texto publicado no jornal “O São Paulo”, página 16, edição 3218.
[3] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 47.
[4] Francisco, cit. em S. Noé, El miedo como don, Ediciones San Pablo, 2023.
[5] Fernando Ocáriz, “Luz para ver, força para querer”, Texto publicado no jornal “O São Paulo”, página 16, edição 3218.
[6] Ibid.