COM CERTEZA alguma palavra de Jesus tocou o seu coração. Ele vinha se esforçando para ter uma vida boa há tempo. Mas nunca tinha ouvido alguém falar tão vividamente sobre a sua relação com Deus. O olhar do mestre de Nazaré fez-lhe intuir que nEle estava escondido aquilo que desejava: um sentido transcendente e mais profundo da vida. Por isso, apesar da multidão que sempre rodeava o mestre e da vergonha de cair de joelhos perante o olhar curioso de outras pessoas, correu em direção a Jesus, ajoelhou-se e perguntou-Lhe: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (Mc 10, 17).
O seu gesto e a sua pergunta revelam admiração pela autoridade de Jesus. No entanto, o Senhor parece responder de forma um tanto dura. “Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém” (Mc 10, 18). Não há uma pergunta fundamental oculta nessas palavras para discernir o porquê mais profundo de tudo o que fazemos? Cristo conhece a bondade deste jovem e quer redirecionar o seu entusiasmo juvenil para uma motivação mais profunda. Embora não conheçamos o pensamento daquele rapaz, podemos considerar que Jesus não quer que O sigamos por um culto superficial à sua pessoa ou como mero remédio para certas inseguranças existenciais. Certamente, seguir os passos de Cristo dá-nos uma força interior que irradia luz para todas as dimensões da nossa vida. Mas o Senhor não é apenas um conforto psicológico. Jesus é a encarnação de um Deus pessoal, que nos convida ao diálogo e propõe caminhos que talvez não esperássemos.
A razão mais profunda para seguir Jesus é o desejo de partilhar o seu amor e renovar as nossas vidas com Ele. Esta é uma boa chave para saber se seguimos Cristo com uma motivação verdadeira e livre e não tanto para sentir que cumprimos o dever de honrar alguém bom, mas distante. Por isso, São Josemaria sugeriu-nos, por experiência própria: “Vive a fé, alegre, colado a Jesus Cristo. Ama-O de verdade – de verdade, de verdade! –, e serás protagonista da grande Aventura do Amor, porque estarás cada dia mais apaixonado”[1].
“TU CONHECES os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!” (Mc 10, 19). Jesus, seguindo a tradição judaica, convida o jovem rico a cumprir o decálogo. Quer fazer-lhe ver que o primeiro passo para não se deixar levar por um sentimentalismo passageiro é basear a própria vida em determinados valores que lhe dão sentido e beleza. É certo que só Deus é bom, mas nós somos chamados a participar na bondade de Deus, e conseguimos isso na medida em que transformamos os desejos de Deus em motor das nossas obras.
O jovem rico, com autêntica segurança sobre a sua conduta e desejo de dar um novo passo na sua relação com Deus, responde sem qualquer hesitação a Jesus: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude” (Mc 10, 20). A intuição do jovem é muito verdadeira: não basta cumprir uma lista de mandamentos para que o nosso coração se sinta cheio de sentido. Mas não apenas pela importância das motivações nas nossas ações, mas também porque, como a vida é tão rica em circunstâncias e pessoas, devemos sempre discernir – no nosso diálogo pessoal com o Senhor – o que é bom em cada momento. O jovem rico tinha consciência de que estava se esforçando para viver cada um dos mandamentos, mas também sentia, com razão, que lhe faltava algo mais. Nunca poderemos estar satisfeitos no nosso caminho para o bem.
Precisamente para podermos adaptar o cumprimento dos mandamentos às nossas circunstâncias específicas, e assim orientar as nossas obras para o amor, temos uma virtude sobre a qual se apoiam todas as outras: a prudência. Na primeira leitura da Missa de hoje ouvimos algumas palavras cheias de beleza para louvar esta virtude: “Orei e foi-me dada a prudência; supliquei, e veio a mim o espírito da sabedoria (…) Amei-a mais do que a saúde e a beleza e quis possuí-la mais que a luz, pois o esplendor que dela irradia não se apaga. Todos os bens me vieram com ela, pois uma riqueza incalculável está em suas mãos” (Sb 7, 7.10-11). Alcançar um coração prudente é o resultado de um diálogo franco e aberto com o Senhor, que nos torna capazes de nos interrogarmos a cada momento sobre como amar mais e melhor, e leva a dar um sentido mais profundo e estável à própria vida. “Conceder o primado à prudência significa que a ação do homem está nas mãos da suainteligência e liberdade. A pessoa prudente é criativa: raciocina, avalia, procura compreender a complexidade da realidade, sem se deixar vencer pelas emoções, pela preguiça, pelas pressões das ilusões”[2].
JESUS quer que o jovem rico faça parte do seu grupo mais próximo. Sabe que o rapaz anseia no fundo do coração por uma centelha interior que lhe escapa, que é o fogo que brota do olhar de Cristo e viver perto dele. É por isso que Jesus lhe diz: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu” (Mc 10, 21) Então a história dá uma volta abrupta e surpreendente. O jovem, que pouco antes tinha caído de joelhos cheio de entusiasmo diante do Senhor, levanta-se e vai-se embora. Com a mesma força com que talvez tenha ousado vencer a vergonha de falar em público diante de Jesus, mergulhou no anonimato das páginas do Evangelho.
O evangelista especifica que o rapaz era rico e que não estava disposto a abandonar os seus bens para seguir Jesus. Mas mais do que esta situação específica, talvez o que surpreendeu a sua vontade boazinha, mas não suficientemente forte, foi a radicalidade daquilo que Cristo lhe propôs. O amor de Jesus, que recentemente o acolhera com o olhar, quis atraí-lo para um caminho insuspeitado. Escondida nesse convite a segui-lo estava a possibilidade de reestruturar radicalmente a hierarquia do seu coração. Mas o jovem preferiu não complicar a vida e regressar à segurança oferecida pela sua riqueza e pela forma de viver e de obedecer à lei. “Toda a alma que quer seguir de perto Jesus, descobre logo que não é possível andar com passo ronceiro, que não pode viver da rotina. Porque Deus não se conforma com a estabilidade num nível conseguido, com o descanso no que já se tem. Deus exige continuamente mais e os seus caminhos não são os nossos caminhos humanos”[3].
Jesus exige sempre mais: convida-nos a uma missão maior. Em si, não é uma exigência arrasadora que nos leve a perder o fôlego perante a impossibilidade de desfrutar de outras realidades nobres, como se corrêssemos atrás de uma miragem de água num deserto. A exigência de Jesus é sempre uma aproximação às fontes de vida que brotam da sua cruz. Aproximando-nos d’Ele, descobrimos os tesouros infinitos da salvação do mundo. É certo que quando percebemos, na nossa oração, que se abre um novo caminho, talvez pensemos no sofrimento ou na dificuldade de enfrenta-lo. Somos tentados a virar as costas a Jesus e a não complicar as nossas vidas. É por isso que precisamos de uma presença especial de Maria nestes momentos. Ela mostra-nos com o seu exemplo, cheio de heroísmo e de normalidade, por que vale a pena deixar tudo para seguir o seu Filho.
[1] São Josemaria, Forja, n. 448.
[2] Francisco, Audiência, 20/03/2024.
[3] São Josemaria, ÉCristo que passa, n. 54.