O EVANGELHO de hoje mostra o episódio da multiplicação dos pães e dos peixes narrado por São João (cf. Jo 6, 1-15). Ao contrário dos outros relatos, este evangelista observa que é o Senhor quem nota a falta de alimento. “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?” (Jo 6, 5), pergunta a Filipe depois de contemplar a grande multidão que o rodeava. São João então acrescenta que “disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer” (Jo 6, 6). “Porque Cristo vê as nossas necessidades com uma sabedoria divina, e com a sua omnipotência pode e chega mais longe que os nossos desejos. Nosso Senhor vê mais para mais além da nossa pobre lógica e é infinitamente generoso!”[1]. Isto pode explicar em parte porque às vezes quando nos dirigimos a Ele com um pedido, não o concede. Deus sabe melhor do que ninguém o que nos convém. Se lhe pedimos algo e parece não haver resultado, pode haver várias razões para isso. Talvez Ele queira que insistamos mais, para fortalecer em nós o desejo pelo que estamos pedindo; ou pode ser porque, na realidade, o Senhor reservou para nós um bem muito maior do que podemos imaginar à primeira vista.
Ao mesmo tempo, o Senhor convida-nos, como a Filipe, a desenvolver um olhar atento às necessidades dos outros. Ou seja, a assumir os problemas das pessoas que nos rodeiam como se fossem nossos. Embora soubesse o que ia fazer, “deseja tornar cada um de nós concretamente partícipe da sua compaixão”[2]; uma compaixão que não é apenas um sentimento, mas que se manifesta em obras, em multiplicar os pães e os peixes para que os ali presentes possam comer. Porém, a sua ação não se reduz a isso. Jesus sabe que o alimento que a multidão está procurando vai além do pão físico; estão famintos da palavra de Deus, de amor e de esperança, algo que só Ele pode dar. Por isso, depois deste episódio vai falar de um pão que abrirá as portas da vida eterna. Podemos pedir “ao Senhor que nos faça redescobrir a importância de nos alimentarmos não só de pão, mas de verdade, de amor, de Cristo, do corpo de Cristo, participando fielmente e com grande consciência na Eucaristia, para estarmos cada vez mais intimamente unidos a Ele”[3].
FILIPE responde com realismo à pergunta de Jesus: “Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um” (Jo 6, 7). Depois aparece André, e conta o que conseguiram encontrar: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?” (Jo 6, 9). É uma frase muito semelhante àquela proferida pelo servo do profeta Eliseu na primeira leitura da missa de hoje, quando estavam em uma situação parecida, só com vinte pães: “Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?” (2Re 4, 43). Os dois episódios acabarão da mesma maneira. São João indica que todos “ficaram satisfeitos” e que os discípulos “encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães” (Jo 6, 13). E o servo de Eliseu comprovou que todos comeram e “sobrou, conforme a palavra do Senhor” (2Re 4, 44).
Às vezes, a realidade se apresenta a nós como um muro intransponível. Sentimos que as nossas forças não são suficientes para resolver um problema que consideramos tão complexo como alimentar uma multidão com cinco pães e dois peixes. E uma primeira reação pode ser desistir, como Filipe, ou desanimar com o pouco que temos, como André. Nesses momentos, pode ser útil observar a história do cristianismo, que é a história do impossível. Humanamente, não faz sentido que doze homens sem qualidades especiais tenham conseguido levar o Evangelho até os confins do mundo então conhecido. Mas o que ainda é mais impossível é o que acontece todos os dias na santa Missa: um pedaço de pão e um pouco de vinho que se transformam em Deus.
“O milagre não se realiza a partir do nada, mas de uma primeira partilha modesta daquilo que um jovem simples possuía. Jesus não nos pede aquilo de que não dispomos, mas faz-nos ver que se cada um oferecer o pouco que tiver, pode realizar-se sempre de novo o milagre: Deus é capaz de multiplicar o nosso pequeno gesto de amor e tornar-nos partícipes do seu dom”[4]. Na multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus quer ensinar aos seus discípulos que a eficácia das suas obras não dependerá tanto da boa vontade ou do empenho posto, mas sim de deixar atuar Deus com a sua graça. Ele quer que lhe demos, como o rapaz, os cinco pães e os dois peixes que tivermos. E Ele fará o resto.
PROVAVELMENTE os apóstolos não esqueceram o milagre da multiplicação. Quando, anos mais tarde, tiveram que lidar com problemas mais graves (perseguições, perigos de morte, abandonos…), talvez se lembrassem daquela cena com Jesus: a ansiedade de não saber como cuidar da multidão, a frustração de ter pouca comida, o medo de que as pessoas desmaiassem… Mas, acima de tudo, a alegria de ver que, no final, todos ficaram saciados e até sobraram doze cestos cheios. Nunca tinham pensado que cinco pães e dois peixes seriam suficientes para tanto.
“A nossa vida, se pensarmos bem, está cheia de milagres: está cheia de gestos de amor, de sinais da bondade de Deus. Perante eles, contudo, também o nosso coração pode ficar indiferente e habituar-se, curioso, mas incapaz de se deixar ‘impressionar’. Um coração fechado, um coração blindado, não tem capacidade para se admirar. Impressionar é um bonito verbo que faz lembrar o filme de um fotógrafo. Esta é a atitude correta perante as obras de Deus: fotografar as suas obras na mente, para que fiquem impressas no coração, e depois revelá-las na vida, através de muitos gestos de bem”[5]. Foi isto que os apóstolos fizeram. Souberam recordar a fotografia daquele milagre quando surgiram desafios futuros: aprenderam a abandonar tudo aos pés de Jesus, sem se deixar abater pela falta de meios ou de circunstâncias favoráveis. E era isso que lhes dava tanta segurança. Não tanto o fato de as coisas terem dado mais ou menos certo, mas saber que Deus estava perto deles e que estavam fazendo o que podiam.
Neste tempo de oração, podemos recordar com o Senhor os milagres que Ele realizou na nossa vida. Situações em que, tal como os apóstolos, sentimos a desproporção entre o desafio e as nossas qualidades, mas em que percebemos como Deus nos ajudou. Pessoas a quem o Senhor fez chegar a sua graça através da nossa amizade. Sofrimentos que pudemos suportar com paz e serenidade porque sabíamos que Jesus estava conosco. A Virgem Maria pode nos ajudar a não perder a alegria quando nos sentirmos sobrecarregados e a nos maravilharmos com as maravilhas que o Seu Filho realiza em nós.
[1] São Josemaria, Forja, n. 341.
[2] Francisco, Audiência, 17/08/2016.
[3] Bento XVI, Ângelus, 29/07/2012.
[4] Ibid.
[5] Francisco, Ângelus, 09/07/2023.