- Saber distinguir o importante do urgente
- Reconhecer as necessidades dos outros
- Saciar a fome de felicidade
OS APÓSTOLOS acabam de regressar da sua missão. Percorreram as aldeias vizinhas, dois a dois, pregando a conversão, expulsando demônios e curando enfermidades. Estão maravilhados perante o que viveram durante esses dias. Por isso, sentem a necessidade de partilhar com Jesus “tudo o que haviam feito e ensinado” (Mc 6, 30). E o Senhor, depois de os ouvir atentamente, disse-lhes: “Vinde sozinhos para um lugar deserto, e descansai um pouco” (Mc 6, 31). Embora entenda certamente a emoção e a alegria dos discípulos, Cristo preocupa-se com o seu cansaço. “E por que faz isto? Porque quer alertá-los para um perigo, que está sempre à espreita também para nós: o perigo de nos deixarmos enredar pela agitação do fazer, de cairmos na armadilha do ativismo, onde o mais importante são os resultados que alcançamos, e de nos sentirmos protagonistas absolutos”[1].
Nos dias de hoje, a vida de um apóstolo continua repleta de intensidade. Às vezes, até gostaríamos que os dias tivessem mais de vinte e quatro horas, pois, com frequência, sentimos que não conseguimos fazer tudo o que nos propomos. O tempo que dedicamos à família, ao trabalho, às amizades ou aos compromissos sociais ocupam uma parte importante dos nossos afazeres. Por isso, talvez o convite de Jesus para descansar e afastar-se poderia ser considerado como alguma coisa que gostaríamos de fazer, mas que na realidade resulta impossível por termos uma agenda carregada demais. Sabemos que precisamos parar, ir mais além do curto prazo, mas pensamos que isso pressupõe um risco que implicaria deixar de lado as nossas responsabilidades.
Nesse sentido, São Josemaria encorajava a distinguir o importante do urgente[2]. Às vezes, dedicamos ao urgente uma parte substancial do nosso tempo e das nossas energias: queremos fazer tudo quanto antes e da melhor maneira. Talvez essa atitude seja necessária para alguns assuntos, mas, muitas vezes, percebemos que essa urgência poderia ser programada de maneira diferente. Em qualquer caso, com mais ou menos descanso na vida, sabemos que o importante é o que dá sentido às atividades do dia a dia e saber que Deus Pai olha para nós com bondade e benevolência. Os momentos de repouso, como quando o Senhor convida os apóstolos para descansar, permitem-nos redescobrir essa realidade. Saber retirar-se um pouco nos ajuda a estabelecer a relação com o mais importante: reforçar a intimidade com Cristo e recordar que Ele nos acompanha em tudo o que fazemos. Os discípulos podem fazer milagres, não pelas suas próprias capacidades, mas porque receberam esse poder de Jesus. Por isso, cuidar da relação com Ele é a coisa mais importante que podemos fazer. “É preciso que sejas “homem de Deus”, homem de vida interior, homem de oração e de sacrifício. – O teu apostolado deve ser uma superabundância da tua vida “para dentro”[3].
A PRESENÇA de Jesus e dos apóstolos não passou despercebida. Apesar de terem partido “sozinhos, de barco, para um lugar deserto e afastado” (Mc 6, 32), muitos dos habitantes das cidades vizinhas reconheceram-nos e aproximaram-se. Cristo, ao desembarcar, “viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6, 34). “Jesus não nega a ninguém a sua palavra – comentava São Josemaria –, e é uma palavra que sara, que consola, que ilumina. – Recordemo-lo sempre, tu e eu, também quando nos encontrarmos fatigados pelo peso do trabalho ou da contradição”[4].
O ativismo dificulta reconhecer as necessidades dos outros: aquilo que uma pessoa acredita que tem que fazer torna-se prioritário. E, ainda que essas tarefas possam ser boas, impedem-nos, às vezes, de dar atenção ao que as outras pessoas realmente querem. Por exemplo, um pai ou uma mãe de família pode dedicar mais tempo do que o previsto ao trabalho para que os filhos possam ter uma vida confortável. Contudo, talvez o que eles realmente precisam, não seja tanto dispor de meios econômicos: desejam simplesmente que os seus pais passem mais tempo em casa para desfrutar da sua companhia.
Jesus, depois de ter passado um tempo na barca descansando com os seus discípulos, prestou um olhar atento às preocupações reais daquela gente. “Só o coração que não se deixa levar pela pressa é capaz de se comover, ou seja, de não se deixar arrebatar por si mesmo e pelas coisas a fazer, e de se dar conta dos outros, das suas feridas, das suas necessidades. A compaixão nasce da contemplação. Se aprendermos a descansar verdadeiramente, seremos capazes de autêntica compaixão; se cultivarmos um olhar contemplativo, levaremos a cabo as nossas atividades sem a atitude voraz de quem quer possuir e consumir tudo; se permanecermos em contato com o Senhor e não anestesiarmos a parte mais profunda de nós mesmos, as coisas a fazer não terão o poder de nos tirar o fôlego nem de nos devorar”[5].
CRISTO reconheceu a fome de plenitude daquelas pessoas. Mais tarde saciaria também a sua fome física, multiplicando os pães e os peixes, mas primeiro quis nutrir a alma dos ali presentes. “Isto significa que Deus quer para nós a vida, quer guiar-nos para pastagens boas, onde podemos alimentar-nos e repousar; não quer que nos percamos e que morramos, mas que cheguemos à meta do nosso caminho que é precisamente a plenitude da vida. É quanto deseja cada pai e mãe para os próprios filhos: o bem, a felicidade, a realização”[6].
Muitas pessoas à nossa volta esperam que Jesus seja revelado a elas. Expressam isso de uma ou outra forma, habitualmente como uma sede de felicidade que – por experiência própria – sabemos que só o Senhor pode saciar. Por isso, São Josemaria definia o apostolado cristão como “uma grande catequese, em que, através de uma amizade leal e autêntica, se desperta nos outros a fome de Deus, ajudando-os a descobrir novos horizontes – com naturalidade, com simplicidade, como já disse, com o exemplo de uma fé bem vivida, com a palavra amável, mas cheia da força da verdade divina”[7].
Um dos melhores alimentos, que podemos partilhar com os outros, é transmitir a alegria de viver junto ao Senhor. Não há nada que tenha mais força do que o testemunho pessoal. “Precisamos de conduzir-nos de tal maneira, que os outros ao ver-nos possam dizer: este é cristão, porque não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático, porque está acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz, porque ama”[8]. Podemos pedir à Virgem Maria que nos ajude a ter um olhar, como o do seu Filho, sempre atento a saciar a fome de Deus das pessoas à nossa volta.
[1] Francisco, Ângelus, 18/07/2021.
[2] cf. Salvador Bernal, Mons. Josemaria Escrivá de Balaguer. Perfil do Fundador do Opus Dei.
[3] São Josemaria, Caminho, n. 961.
[4] Ibid.,Forja, n. 254.
[5] Francisco, Ângelus, 18/07/2021.
[6] Bento XVI, Ângelus, 22/07/2012.
[7] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 149.
[8] Ibid., n. 122.