CAI a noite. O céu começa a escurecer após um dia intenso em que Jesus, com as suas parábolas, ensinou a multidão. Como deveriam continuar a pregar o Reino de Deus a outros povos, o Senhor disse aos seus discípulos: “Vamos para a outra margem” (Mc 4, 35). Logo se despedem dos que estão ali presentes e sobem para uma barca, que para muitos dos Apóstolos era uma espécie de segunda casa.
Poderíamos dizer que Jesus também nos convida a ir para a margem, a mudar alguns aspectos da nossa vida para nos tornarmos mais semelhantes a Ele. E isto, logicamente, implica um certo esforço. Talvez possamos pensar que chegará o momento em que não haverá necessidade de lutar, porque tudo será fácil: nada nos deixará de mau humor, possuiremos de forma natural essa virtude que é tão difícil para nós agora e veremos como uma bênção cada encontro com as pessoas. Talvez haja períodos em que teremos uma experiência como essa. Mas não nos enganemos: seguir Cristo não significa que tudo para nós será fácil. “Ser fiel a Deus exige luta. E luta corpo a corpo, homem a homem – homem velho e homem de Deus – palmo a palmo, sem claudicar”[1].
Sem dúvida, essa luta será mais ou menos intensa dependendo de algumas circunstâncias. Mas aspirar a que a vida não apresente nenhum tipo de luta, além de ser irreal, dificultaria o fortalecimento do nosso amor a Deus. As épocas de maior luta permitem-nos dar um novo brilho à nossa vocação cristã. Neste sentido, São Josemaria comentava: “Meu Deus, obrigado, obrigado por tudo: pelo que me contraria, pelo que não entendo, pelo que me faz sofrer. Os golpes são necessários, para arrancar o que sobra do grande bloco de mármore. Assim esculpe Deus nas almas a imagem do seu Filho. Agradece ao Senhor essas delicadezas”[2]. Nunca estamos sós. Quando experimentamos com maior força a necessidade de lutar, sabemos que Cristo está muito perto de nós e nos acompanha a ir para a outra margem com alegria.
NO MEIO do lago, embora os apóstolos tivessem confiado nas palavras do seu Mestre, surgiu uma tempestade. O vento era tão forte que as ondas ameaçavam afundar a barca. E na popa da embarcação, que balançava irregularmente, Jesus dormia. Não é difícil imaginar as muitas perguntas que surgiriam no coração dos Apóstolos. Porque Jesus nos animou a navegar para a outra margem, quando sabia que íamos ser assolados pela tempestade? Porque, enquanto nós lutamos por sobreviver, Ele parece não sentir compaixão? Não subimos para a barca confiando em que Ele tinha um plano melhor para nós? Provavelmente já passamos por situações semelhantes em nossas vidas. Tínhamos que tomar uma decisão complexa, que tirava o sono. De repente, ouvimos, sem palavras, mas com uma clareza surpreendente, que o Senhor estava nos convidando a ir para a outra margem, a deixar uma segurança com que talvez nos sentíssemos confortáveis. Mas, precisamente no momento em que embarcávamos nessa nova aventura, surgiram dificuldades ou incompreensões. E possivelmente, um tanto perplexos ou mesmo decepcionados, nos perguntamos onde Cristo tinha ficado.
É normal que, nas oportunidades que aparecem para crescermos na vida interior, em alguma virtude ou na perfeição do amor, nos sintamos inseguros e não tenhamos a situação sob controle. Talvez tenhamos a impressão de que Jesus nos abandonou, que o seu coração está longe de nós. “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4, 38), podemos perguntar a Ele. Contudo, o aparente silêncio de Cristo é apenas um convite sutil a crescer na fé e na confiança, para que os desafios e as dificuldades sejam vistos como oportunidades para seguir o estilo de vida do Senhor. No diálogo com Deus aprendemos a viver essas tempestades com a serenidade de Jesus. “Um dia vivido sem oração corre o risco de se tornar uma experiência aborrecida ou enfadonha: tudo o que nos acontece poderia tornar-se para nós um destino insuportável e cego”[3]. Pelo contrário, se rezamos, mesmo quando parece que Deus não nos ouve, mostramos a ele que realmente depositamos nossa esperança n’Ele.
E o caminho da confiança em Deus é a via mais importante para podermos chegar a novas margens da vida interior. “O caminho cotidiano, incluindo as fadigas, adquire a perspectiva de uma ‘vocação’. A oração tem o poder de transformar em bem aquilo que na vida de outro modo seria uma condenação; a oração tem o poder de abrir um grande horizonte à mente e de dilatar o coração”[4].
“PORQUE sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4, 40), pergunta Jesus aos Apóstolos que O tinham despertado do seu sono. Essas perguntas escondem uma profunda censura. Certamente Cristo percebia que estavam passando por um momento difícil. Muitas passagens do Evangelho sublinham a sua empatia diante dos problemas dos outros. Mas, ao mesmo tempo, esperava dos seus discípulos mais próximos uma confiança maior. Como escreve São João na sua primeira Carta: “No amor não há temor” (1Jo 4, 18).
Muitas vezes, na nossa oração, podemos deixar que Jesus nos faça a mesma pergunta que fez aos seus Apóstolos: “Porque temeis?”. Então, talvez venham à nossa mente aqueles momentos em que costumamos perder a paz ou nos sentimos inseguros. São Josemaria fazia a seguinte lista de possíveis medos que podem fazer-nos perder a paz: “Depois do entusiasmo inicial, começaram as hesitações, os titubeios, os temores… Preocupam-te os estudos, a família, o problema económico, e sobretudo o pensamento de que não podes, de que talvez não sirvas, de que te falta experiência de vida”[5]. Refletir sobre os nossos medos quando nos dirigimos a novas margens da nossa vida cristã nos ajuda a nos conhecermos melhor e a pedir a Jesus a ajuda concreta de que necessitamos.
“Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (Mc 4, 41). Esta cena do Evangelho termina com um novo tipo de medo que se apodera dos Apóstolos. Ao experimentarem o poder real de Cristo, que com as suas palavras é capaz de acalmar as águas, os Apóstolos deixam-se invadir pelo temor de Deus, isto é, pela certeza interior de que estão realmente diante do Deus vivo e de que o seu poder é real. Avançar para uma nova margem na nossa vida de fé implica dar este passo: transformar o medo que a princípio pode nos paralisar, na profunda reverência para com um Deus que está vivo ao nosso lado e pode fazer o que parecia impossível ante os nossos olhos. Para isso contamos também com a ajuda da nossa Mãe, como São Josemaria sempre nos ensinou: “Antes, só, não podias… – Agora, recorreste à Senhora, e, com Ela, que fácil!”[6].
[1] São Josemaria, Sulco, n. 126.
[2] São Josemaria, Via Sacra, VI estação, n. 4.
[3] Francisco, Audiência, 04/11/2020.
[4] Ibid.
[5] São Josemaria, Sulco, n. 133.
[6] São Josemaria, Caminho, n. 513.