Mari, Teet, e Deus: uma história de amor

Mari nasceu na Estônia, durante o regime comunista, e não sabia nada de Deus, nem do cristianismo. Um dia decidiu ir à Missa do Galo na catedral católica e sua vida mudou. Como contar ao seu namorado? Veja aqui as "surpresas de Deus".

Conheci Teet em 1964, quando tinha cinco anos, na escola primária de Tallin. Estudamos no mesmo instituto e, à medida que fomos crescendo, ficamos amigos. Ambos somos apaixonados por música e por muitas outras questões das quais não se podia falar em voz alta durante o período soviético.

Depois da escola primária e da secundária, voltamos a nos encontrar no Conservatório. Como a maioria dos estônios, ele é um homem reservado, aparentemente tímido, tranquilo e sereno; porém, quando começa a tocar, desenvolve toda sua energia vital e se converte num tsunami.

Eu sou muito mais expansiva; e, talvez por isso, nomearam-me, aos dezessete anos, secretária do Konsomol das Juventudes Comunistas de Tallin. Não é que fosse uma comunista convencida; simplesmente, agradavam-me as atividades que ali se organizavam, como o ping pong, a ginástica e as excursões, às quais Teet costumava vir. Então era praticamente obrigatório pertencer a essas juventudes ou a algum tipo de organização oficial, para obter uma bolsa de estudos no futuro.

Foi uma mudança inexplicável. Aquela iluminação não respondia nem à minha educação, nem ao meu temperamento, nem à minha história

Além da música, gostávamos de ver monumentos da Cidade Velha. Passear por ali é como abrir um livro de História da Arte. Há vestígios das diversas ocupações que sofremos ao longo dos séculos: da ocupação alemã, da sueca, com a torre da igreja de São Olaf, da russa, com a catedral ortodoxa e suas cúpulas aceboladas... E um dia, nos finais de dezembro de 1976, enquanto passeávamos, Teet me propôs:

- Por que não vamos à Missa do Galo da Igreja Católica, para ver como é?

- Muito bem – disse. E combinamos encontrar-nos na porta da igreja, que está no centro da Cidade Velha, às seis da tarde.

Catedral de São Pedro e São Paulo, em Tallinn. Foto:Ralf Roletschek

Ao vê-la por dentro levei uma decepção. Era de tamanho mediano, de estilo neogótico. Estava bem cuidada, mas não tinha nenhuma obra de arte de qualidade. Quase todos os fiéis eram lituanos ou poloneses, muitos deles idosos. Salvo Teet e eu, não havia nenhum jovem.

Eu tinha uma informação superficial e cheia de preconceitos sobre o cristianismo, do qual não sabia praticamente nada. E sobre o catolicismo, menos. Tinha ouvido em casa que meu pai tinha sido batizado na igreja Ortodoxa e minha mãe na Luterana. Eu, naturalmente, não estava batizada.

E, num determinado momento, durante aquela Missa, pensei:

- Este é meu lugar. Quero ser católica.

Levava presa em meu vestido uma pequena insígnia de metal com a foice e o martelo; arranquei-a de forma dissimulada e a joguei fora.

Foi uma mudança inexplicável. Aquela – como chamá-la? – iluminação imprevista não respondia nem à minha educação, nem ao meu temperamento, nem à minha história pessoal, nem ao ambiente no qual havia crescido. Não foi uma emoção estética: havia visto igrejas muito mais bonitas em Tallin. A música que soava, tão importante em minha vida, não tinha nada de particular.

Não foi uma emoção, nem um transe. Deus me concedeu uma luz interior profundíssima e uma clareza inefável que me acompanhou desde então, junto com esta certeza:

- Este é o meu lugar. Quero ser católica.

Não sabia nada do catolicismo, salvo que estava chamada a pertencer a ele. Ao terminar, Teet e eu regressamos juntos a casa, como de costume.

- O que você achou?

- Bem – disse, dissimulando – Interessante.

E continuamos falando de outras coisas.

Não disse nada a Teet, nem a meus pais, naturalmente. E não é que desconfiasse deles, nem de Teet: desejava casar-me com ele o mais cedo possível, mas durante aquele tempo havia uma série de questões das quais somente se falava pouco antes do casamento, quando uma pessoa estava muito segura da outra.

Fui falar com o sacerdote. Chamava-se Mikelis Krumpans. Era letão, e, naqueles momentos, o único sacerdote católico que havia no país. Tinha uma testa grande e inteligente, um olhar agudo e compreensivo, o cabelo grisalho e um aspecto tão vigoroso como sua alma. Era pároco de Tallin desde 1952 e atuava com uma prudência extraordinária, conforme às circunstâncias.

Media cada palavra, sem jamais fazer alusão a questões políticas. Recebeu-me de forma seca e fria. Era lógico: que uma secretária das Juventudes Comunistas dissesse que queria ser católica tinha toda a pinta de ser uma cilada.

Durante esses anos, a catedral só era aberta aos domingos e nos dias de semana se utilizava uma capela. Salvo a Missa, tudo estava proibido: dar catequese, publicar textos de conteúdo católico, preparar as crianças para a Primeira Comunhão... Os edifícios religiosos estavam confiscados. Era uma Igreja – mais tarde aprendi o significado desta expressão – de catacumbas.

Comecei a frequentar aquela capela, como um caçador furtivo, temerosa sempre de que alguém me visse. Aqueles momentos na capela me produziam uma alegria interior imensa, incontrolável, que dissimulava quando chegava em casa ou passeava com Teet, para ninguém descobrir o meu segredo. Tinha medo de que os meus pais soubessem e me proibissem de voltar, ou que Teet estranhasse e acabássemos nos distanciando, porque nenhum jovem estônio – pensava eu – estaria disposto a casar-se com uma católica. Por fim o pároco se convenceu da sinceridade das minhas intenções. E alegrou-se profundamente, porque um de seus grandes desejos era chegar aos jovens estônios, o futuro da Igreja. Tinha rezado por isso desde que chegou à Estônia em 1952 e, talvez por isso, não se surpreendeu demais quando lhe falei de minha conversão repentina: esperava-me fazia vinte e cinco anos.

Estudei uns folhetos sobre a fé católica e me batizei em 21 de março de 1977, três meses depois daquela Missa de Natal. Naquele mesmo dia recebi a Confirmação e a Sagrada Comunhão. Minha madrinha foi Elisabet Ambrozunas, uma dona de casa que era uma verdadeira coluna da Igreja. Sorridente, de pele pálida e cabelo recolhido sob uma boina de lã branca, Elisabet cuidava do padre Mikelis – que vivia em condições precárias –, lhe fazia a comida, dava catequese às escondidas, cantava no coro, ocupava-se da limpeza da catedral…

Contando comigo, éramos uns seis católicos estônios em todo o país.

A cerimônia foi privada e o mais discreta possível. Algum tempo depois descobri que, contando comigo, éramos uns seis católicos estônios em todo o país.

Por temor de possíveis denúncias, o padre Mikelis não me anotou no registro oficial, mas num pequeno caderninho que não sei se foi conservado: me encantaria vê-lo. E a partir de então comecei a ir todas as manhãs à Missa das oito, à qual somente iam cinco ou seis senhoras muito mais velhas, ou pelo menos era a impressão que eu tinha. No domingo se celebrava a Missa na Catedral e ficava cheia; mas salvo algum estônio, como Lembit Peterson, a maioria eram poloneses. Por isso a chamavam de “a igreja dos poloneses”.

O Regime permitia que se celebrasse essa Missa para dar certa aparência de liberdade religiosa, embora sempre houvesse um espião do governo vigiando. Em se tratando de um jovem, além de negar-lhe qualquer possibilidade de viajar ao estrangeiro e de dificultar-lhe a carreira profissional, a partir desse momento seria controlado estreitamente e toda sua família ficava estigmatizada, por ser “a família de um crente”: quer dizer, um mau comunista, “desafeto ao Regime”.

Por essa razão ia aos domingos com bastante antecedência e, seguindo os conselhos do padre Mikelis, assistia à Missa com o coro, num lugar que não se vê da nave do templo. Comungava sozinha, uma vez terminada a Missa, e não mantinha nenhum tipo de contato com o resto dos católicos. Porém era quase impossível manter em casa um costume regular sem que os seus percebessem. Uma manhã, quando saía de casa debaixo de uma chuva torrencial, minha mãe me perguntou:

- Mas, Mari, aonde vai a estas horas, com esse tempo?

- Ao conservatório – respondi, precipitadamente – Ensaiar.

- Mas hoje está fechado... E você sabe!

Começou a fazer-me perguntas. E por fim me disse, olhando-me nos olhos:

- Você não está indo à igreja dos poloneses, né?

Estava farta de levar uma vida dupla. A dissimulação não combina com meu caráter. Afirmei com a cabeça.

- À igreja? – reagiu, entre confundida e irritada –. E nem sequer à luterana, mas à dos poloneses, onde rezam em latim! Naquele tempo, a Missa era em latim e a homilia em polonês. O pároco tinha me dado uma tradução da Missa em estônio, mas das homilias não entendia nada.

- Sim, em latim! – disse.

Ficamos em silêncio e não voltamos a falar daquilo. Em meados de outubro de 1978 pude ir ao festival de Música de Varsóvia, como membro do Konsomol, embora logicamente dentro de um grupo organizado. Paulo VI tinha falecido no mês de agosto anterior e os cardeais – disse-me o padre Mikelis, porque a imprensa oficial não informava desses acontecimentos – tinham se reunido em Roma para eleger um novo Papa.

Surpreendeu-me ver tantos jovens nas igrejas de Varsóvia: até então, os católicos que tinha conhecido eram bem mais velhos e em sua maioria idosos. Aquilo me produziu um forte impacto e uma grande alegria.

Apesar de ter tentado mais vezes, somente pude “me perder” do grupo em duas ocasiões para ir à Missa. Durante a cerimônia estava inquieta, com a suspeita de que alguém tivesse me seguido. A piedade das pessoas me emocionava: havia famílias inteiras, jovens, crianças... Algo que não tinha visto nunca.

O padre Mikelis tinha me dado o endereço de uns amigos poloneses que tinha conhecido na Estônia. Moravam em Zdúnska Wola, o povoado natal de Maximiliano Kolbe, e consegui que me deixassem ir sozinha visitá-los. Ao ver-me me disseram: “Como o padre Mikelis não pode vir, vamos te tratar como trataríamos a ele”. E tiveram mil atenções para comigo: mostraram-me a cidadezinha, levaram-me ao convento dos franciscanos e me contaram a vida de Kolbe, cuja história desconhecia por completo.

E precisamente durante aqueles dias na Polônia, nos quais, graças aos amigos do padre Mikelis, estava descobrindo a universalidade do catolicismo, juntamente com o heroísmo de tantos mártires, deram uma notícia surpreendente: tinham escolhido um novo Papa. E era...polonês! O Cardeal de Cracóvia, Karol Wojtyla!

Sabíamos que pela primeira vez se ouviria a voz de uma pessoa que tinha passado grande parte de sua vida sob o poder da URSS.

É difícil imaginar o que supôs aquela eleição para os poloneses e para os católicos que vivíamos nos países detrás da “cortina de ferro”, como se dizia no Ocidente. Sabíamos que pela primeira vez se ouviria no mundo livre a voz de uma pessoa que tinha passado grande parte de sua vida sob o poder da URSS.

Aquela família me deu ícones de Nossa Senhora e terços para que os levasse a Estônia. Arrisquei-me, embora estivesse rigorosamente proibido levar na maleta material religioso ou pornográfico (recebiam a mesma consideração). A princípio não sabia onde escondê-los, até que tive a ideia de colocá-los no fundo de uma caixa de bombons.

Quando cheguei com meu grupo à fronteira estava muito nervosa, porque os funcionários da alfândega se comportavam de forma arbitrária: tanto podiam revistar a todos nós, dos pés à cabeça, como deixar-nos passar sem problemas. Se encontrassem algo suspeito entre os pertences, desnudavam a pessoa e revistavam conscienciosamente tudo o que levava: pegavam o tubo da pasta de dentes, por exemplo, e o esvaziavam por completo. O funcionário se aproximou, viu que éramos das juventudes comunistas da Estônia e ordenou a um do grupo que abrisse a mala que levava. Eu continuava rezando: se me descobrissem, as consequências seriam terríveis, para minha família e para mim.– Podem passar – disse, ao terminar a revista.

- Teet: tenho que dizer uma coisa ...

Respirei fundo e baixei a cabeça para que não demonstrasse em meu rosto o alívio interior que senti ao escutar suas palavras. Pouco depois terminei os estudos e Teet e eu decidimos casar-nos. Porém antes devia resolver uma das questões que mais me preocupavam: dizer-lhe que era católica. Não sabia como fazê-lo. Pobre Teet! Eu imaginava a sua estranheza, a confusão e a situação incômoda na qual o poria... Estive duvidando durante muito tempo, até que em 1980, quando estávamos a ponto de casar-nos me decidi.

- Teet: tenho que dizer uma coisa que você não sabe.

- Diz …

- É que... sou católica há três anos.

Olhou-me desconcertado. Depois, o seu rosto se iluminou e, ao final, a surpreendida fui eu.

- Mas como? Você? Também eu sou católico!

E contou a sua história. Tinha-se batizado fazia algum tempo em segredo, como eu; e o padre Mikelis, temendo sempre que entre os conversos houvesse um delator ou um espião do governo, tinha posto os meios para que não coincidíssemos em nenhuma cerimônia religiosa, o mesmo que com o resto dos novos batizados. Isto, que parece extraído de um romance de espionagem, era o normal na época, porque o medo, como recorda um ditado popular, tem olhos muito grandes.

Casamo-nos na catedral, discretamente, no dia anterior à nossa união civil. Eu não sabia o que vestir. Tinha o clássico vestido branco de casamento –, mas só podia usar esse na celebração “oficial”, com os parentes e conhecidos. Eu me arrumei elegantemente, mas sem chamar a atenção: uma saia de veludo preta, muito bonita, e, combinando, uma blusa de seda azul, da qual gostava muito.

Estávamos sete pessoas: meu pai, minha mãe, a mãe de Teet, a esposa de um irmão de Teet, Elisabeth – que eu quis que fosse minha madrinha de casamento – o padre Mikelis, Teet e eu. Íamos com roupa do dia a dia e entramos e saímos do templo separadamente, como se fôssemos passeantes ou curiosos. No dia seguinte, fomos ao cartório felizes e vestidos de gala, onde nos esperavam os familiares e amigos. Houve música, flores, brindes, aplausos…

Vista de Tallin. Foto: Diego Delso, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=21385422

Um ano depois, em 1981, nasceu minha filha Maria, a mais velha. Em 85 veio Mikhel, em 88, Madis e, muitos anos depois, em 1994, Martin.

Como estávamos isolados e o padre Mikelis era muito mais velho, conservávamos costumes que tinham desaparecido em outros países católicos. Por exemplo, quando uma mulher dava à luz não costumava comungar até que passassem quarenta dias. Talvez fosse uma antiga tradição letã, não sei; o caso é que fizemos assim com meus primeiros filhos. Uma vez que passavam os quarenta dias depois do parto, ia à catedral, onde se celebrava uma cerimônia muito bonita, que terminava com a bênção do recém-nascido.

Em 1987, faleceu o padre Mikelis, depois de ter passado trinta e dois anos em nosso país trabalhando com grande zelo, completamente só... Senti muito a sua morte e recordo muito bem o dia de seu funeral, porque vieram muitos sacerdotes de Letônia, de cujo bispo dependia. Eu nunca tinha visto, até então, tantos sacerdotes juntos.

Durante os últimos anos de sua vida o padre Mikelis teve a alegria de ver como se multiplicavam as conversões de estônios. E chegavam-nos algumas notícias das viagens do Papa pela Polônia e outros países do mundo. O Papa! Eu pensava que nunca chegaria a conhecê-lo, até que em 1989, chegou-nos uma notícia incrível: João Paulo II ia visitar a Finlândia.

Quando ficamos sabendo, começamos a fazer gestões para viajar a Helsinki. Teet solicitou três passaportes: dois para nós e outro para um dos meninos; e os conseguimos depois de muitíssimas dificuldades. Devem ter pensado que, como o resto de nossos filhos ficavam em Tallin, não éramos suspeitos de querer abandonar o país.

Fomos um pequeno grupo de estônios. Alojamo-nos em Helsinki, ao lado da catedral de Santo Enrique, na residência das ursulinas. Alguns tinham levado a bandeira da Estônia, branca, azul e negra, que estava proibida, e fomos receber o Papa agitando-a.

João Paulo II se emocionou ao ver-nos, porque conhecia bem o mundo no qual vivíamos. Foi especialmente afetuoso com as crianças: deu-lhes um beijo e acariciou- lhes a cabeça, com um rosto entre carinhoso e divertido. Foi então quando lhe dei a mão, que apertou com força entre as suas. Aquilo marcou um termo divisório em minha vida, um antes e um depois; e, ao regressar a Estônia, tinha o firme pressentimento de que estávamos mais perto do que nunca da liberdade.

Cada vez que me lembro parece um sonho... E ocorreu de forma tão inesperada! A Revolução Cantada, a independência depois de 51 anos sob o controle da URSS... No dia de Natal daquele ano a bandeira vermelha sobre o Kremlin deixou de ser agitada e, menos de dois anos depois, em 10 de setembro de 1993, o Papa veio à Estônia.

o Senhor tinha preparada uma nova surpresa para mim: o Opus Dei

Dava graças sem cessar a Deus por estas coisas, sem suspeitar que o Senhor tinha preparada uma nova surpresa para mim: o Opus Dei. Sabia muito pouco da Obra, que havia começado em Estônia em 1992, até que, em 2004, propuseram-me participar num curso de retiro. Ali fiz uma nova descoberta: a santificação do trabalho. Era o que buscava desde que me batizei: encontrar a Deus por meio da música e convertê-la em oração. E na atualidade sou uma das primeiras mulheres casadas estônias do Opus Dei.

Penso na Igreja na Estônia, que foi crescendo durante estes últimos anos de forma assombrosa. Quando me batizei era a sexta católica; agora já há mais de seis mil católicos estônios – muitos deles regressaram do estrangeiro, onde viviam – e o número de batismos aumenta constantemente.

Em 2011 tive a alegria de ver como meu tio Neeme dirigia em Roma, na presença de Bento XVI, a Orquestra e o Coro da Academia de Santa Cecília, com obras de Beethoven, Haydn e Arvo Pärt, um compositor estônio contemporâneo. Em minha família costumamos dizer que levamos a música nas veias, porque na atualidade, meu primo Paavo, filho de meu tio Neve, dirige a orquestra de Paris; e todos os meus filhos são músicos, assim como os seus primos: Manos toca violoncelo, Mina e Martin, violino, Mihkel, piano, Madis, viola. Uns moram na Estônia e outros no estrangeiro.

Costumo passar longas temporadas com Teet trabalhando na Finlândia, onde me dedico à minha especialidade: música de piano de acompanhamento. Durante os verões reunimos toda a família na Estônia e oferecemos um festival de música que se tornou famoso no país: o Jarvi Summer Festival. Tocamos, nada mais e nada menos, que quinze Jarvis.

Noutro dia me fizeram uma pergunta divertida: “Se houvesse uma catástrofe universal e somente pudesse salvar uma peça musical, qual escolheria?” Eu ri e não soube o que responder. Porém depois fiquei pensando que se tivesse de escolher uma peça de música e somente uma, escolheria o segundo movimento do concerto para piano número 2 de Shostakóvich, em fá maior. Sem dúvida. Por que? Não saberia dizê-lo. Também não saberia explicar porque Deus me concedeu a graça da fé, de repente, naquela Noite de Natal de 1976. Foi um dom, um mistério, um gozoso mistério.

* Testemunho de Mari Järvi, publicado no livro “El baile tras la tormenta”.