Marcelo Câmara: preocupação com o bem-estar social

Desde pequeno Marcelo se interessava por temas sociais. À medida que a sua intimidade com Jesus Cristo aumentava, este interesse foi se transformando em ações dedicadas a melhorar a vida do próximo.

Este artigo, baseado na biografia de Marcelo Câmara (Maria Zoê Bellani Lyra Espindola. No caminho da santidade; A vida de Marcelo Câmara, um promotor de justiça) ilustra algumas atitudes de Marcelo relacionadas com a solidariedade e responsabilidade social.

Marcelo era uma criança educada, responsável, amiga e alegre, uma criança igual a todas as outras. Mas chama a atenção em sua vida que desde muito pequeno (por volta de seis anos de idade), Marcelo tivesse interesse por assuntos que usualmente não despertam o entusiasmo dos colegas e amigos da mesma idade, assuntos relacionados ao bem comum, como o governo da cidade e o bem-estar do próximo. O depoimento de Ivan Farias, amigo da família, demonstra essa preocupação do menino: “Marcelo, desde muito cedo já se diferenciava de seus pares da mesma idade, tendo pensamentos ideais e ações norteadas pela prática de ações virtuosas, visando sempre o bem-estar social do próximo”.

O Papa João Paulo II, em sua encíclica Centesimus annus, recorda como o encontro com Cristo leva uma preocupação social efetiva: “Para a Igreja, a mensagem social do Evangelho não deve ser considerada uma teoria, mas sobretudo um fundamento e uma motivação para a ação. Impelidos por esta mensagem (...) homens e mulheres de todas as condições empenharam-se a favor dos pobres e dos marginalizados, convencidos de que as palavras de Cristo: ‘Cada vez que fizestes estas coisas a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes’ (Mt 25, 40), não deviam permanecer um piedoso desejo, mas tornar-se um compromisso concreto de vida”.

Marcelo teve uma oportunidade concreta de ajudar os necessitados quando um amigo do movimento Emaus, Klaus da Silva Raupp organizou durante certo tempo uma escala de reforço escolar para as crianças acolhidas pela Ação Social Missão, mantenedora da Casa-Lar Emaús. Esta é uma instituição fundada por jovens do Movimento de Emaús com o objetivo de acolher e educar meninos em situação de vulnerabilidade social.

Marcelinho era um dos voluntários da equipe montada pelo Klaus para ajudar os meninos a vencerem a difícil batalha dos estudos, como lembra o Dindo, morador da casa na época: “Ele dava aula de reforço escolar para mim e mais dois meninos da casa, toda quinta-feira à noite. Ele era uma pessoa muito atenciosa, educada, inteligente pra caramba. A gente aprendia fácil com ele. Tínhamos muita dificuldade com os estudos e por isso tínhamos essas aulas extras na Casa-Lar. O Marcelo era voluntário, dava essas aulas particulares para nós. Nos ajudou bastante. Eu mesmo tive pouco convívio com ele, pois logo comecei a estudar à noite. Mas o pouco foi muito”.

Merece ficar registrado, também, o depoimento da tia Xanda, funcionária que se assemelhava a uma mãe para os meninos. Em suas palavras uma característica marcante do Marcelo – ser um mensageiro da paz: “Quando conheci Marcelo na Casa-Lar eu sempre comentava com os guris que ele nos trazia uma paz. Muitas vezes a casa estava muito agitada, ele chegava com uma serenidade que parávamos de falar. Observávamos aquele boa tarde ou boa noite tão diferente que a agitação sumia de uma tal maneira que no dia seguinte no café da manhã um dos meninos saía para fora da casa, fechava a porta e entrava na casa imitando o Marcelo, pois para os meninos ele trazia muita coisa maravilhosa”.

Anos depois, quando já era supernumerário do Opus Dei e promotor de justiça, procurava colocar em prática os conselhos de São Josemaria, que sugeria desempenhar o trabalho profissional como serviço à sociedade, de modo especial a cada pessoa.

A biografia de Marcelo relata que “na difícil e desgastante tarefa de buscar elementos de condenação ou de absolvição de pessoas consideradas criminosas pela sociedade, Marcelo fez resplandecer o seu profundo amor ao ser humano, a quem enxergava a imagem do Senhor. Um amor que se tornava concreto, sobretudo, pelo homem mais ferido pelo pecado, escravizado pelas consequências de seus crimes, a quem desejava ver restituída a liberdade plena dos filhos de Deus. Nesta escolha de vida do Marcelo encontramos o olhar misericordioso de Jesus ao anunciar: ‘Não são os homens de boa saúde que necessitam de médico, mas sim os enfermos. Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores’ (Lc 5,31-32)”.

A amiga Katiely Michielin recorda que: “Numa conversa com Marcelo, questionei a escolha pelo Direito Penal e fiquei pasma com a resposta, com o seu posicionamento cheio de compaixão e misericórdia. Entendi sua escolha, mas não sei como ele conseguia equilibrar a paz interior, a manutenção da fé e a esperança diante de tantos crimes e crueldades”.

“Este respeito incondicional à humanidade presente em cada pessoa restou evidente na ocasião em que, após obter uma justa condenação para o autor de um delito, fez algo inusitado: foi em busca do apenado a fim de dar-lhe conselhos, para que dedicasse o tempo que passaria no cárcere a refletir sobre sua vida e, principalmente, buscasse a Deus. Assim, foi além do que lhe era exigível, ou seja, mais que justo (trabalhou competentemente), foi caridoso (preocupou-se com a alma do próximo, sem olhar tanto para seus erros, mas também sem compactuar com eles ou diminuir-lhe a responsabilidade por seus atos e a correspondente necessidade de reparação, conforme a justiça dos homens). Tal detalhe de caridade somente veio a público durante a homilia da Missa de Sétimo dia, quando o celebrante contou o fato, que Marcelo, humildemente, deixou escondido (tinha confidenciado à avó paterna)”.

Hélio Santiago Ramos Júnior, servidor do Ministério Público do Rio Grande do Sul, comenta a conduta do Marcelo: “Na época em que conheci a sua história, eu trabalhava no Ministério Público de Santa Catarina, mesma instituição em que Marcelo se tornou Promotor de Justiça. Soube que ele lutava contra uma doença, que conseguiu aprovação no concurso de Promotor de Justiça e que, depois de nomeado, teria feito um júri em que, após obter a condenação do réu, teria aconselhado o condenado a mudar de vida, a pensar em Deus, a refletir sobre seus atos, transmitindo uma mensagem de fé a alguém que acabara de sofrer uma condenação. Isso é algo bastante incomum no meio jurídico, pois, geralmente, os Promotores de Justiça quando conseguem condenar alguém no Tribunal do Júri, sentem-se vitoriosos como se tivessem cumprido bem a sua missão, mas desejam que o condenado fique por muitos anos preso por haver praticado um crime doloso contra a vida. Marcelo foi além e santificou o trabalho de Promotor de Justiça ao aconselhar um condenado a mudar de vida, a resgatar a esperança e se aproximar de Deus”.

“Pois eu estava com fome, e me destes de comer; estava com sede, e me destes de beber; eu era estrangeiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão e fostes visitar-me” (Mt 25,36). O coração misericordioso do Cristo, seus sentimentos e aspirações mais profundas com os quais procura configurar-se todo santo.

São Josemaria descrevia a atuação das pessoas que participam das atividades do Opus Dei assim: “ao lado de seus concidadãos, tomam parte na grave tarefa de tornar mais humana e mais justa a sociedade temporal: na nobre lide dos afãs diários, com responsabilidade pessoal — repito — , experimentando com os outros homens, lado a lado, êxitos e malogros, tratando de cumprir seus deveres e de exercer seus direitos sociais e cívicos. E tudo com naturalidade, como qualquer cristão consciente, sem mentalidade de gente seleta, fundidos na massa de seus colegas, enquanto procuram descobrir os fulgores divinos que reverberam nas realidades mais vulgares”. Com certeza, vendo a atuação deste seu filho, ficaria santamente orgulhoso.