Pertence à essência da Prelazia do Opus Dei – já foi considerado demoradamente no capítulo I – a relação entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial constitutiva da estrutura hierárquica da Igreja. Também foi posto já em relevo que os membros do Presbitério da Prelazia procedem dos fiéis leigos (numerários e adscritos) do Opus Dei. Não é, pois, necessário insistir nestes pontos, mas convém tê-los presentes na perspectiva deste capítulo.
Esses fiéis leigos da Prelazia que recebem a ordenação sacerdotal – explica o Fundador – “não mudam a sua vocação”. Certamente, o sacerdócio pressupõe um autêntico chamamento divino que configura profundamente a vocação pessoal de quem a recebe, mas não muda a peculiaridade da vocação ao Opus Dei, assim como o sacerdócio ministerial não é constitutivo da vocação cristã enquanto tal, mas da vocação pessoal de alguns cristãos. O que, como é também evidente, não significa que o sacerdócio ministerial não seja essencial no Opus Dei enquanto tal, como o é na Igreja, “A ordenação sacerdotal – continua o fundador do Opus Dei – não é, por isso, de modo algum uma espécie de coroação da vocação ao Opus Dei: é um chamamento que se faz a alguns, para servir de modo novo os outros”; daí que sacerdotes e leigos, enquanto membros do Opus Dei, “são e sentem-se iguais, e todos vivem o mesmo espírito: a santificação no próprio estado”.
O Fundador costumava expressar graficamente esta igualdade entre sacerdotes e leigos enquanto membros do Opus Dei, afirmando que não formam classes diferentes: “os membros do Opus Dei que são chamados ao sacerdócio continuam a formar com os leigos, dentro da Obra, uma só classe. Isto constitui uma providência muito particular de Deus, que devemos agradecer-Lhe do fundo do nosso coração”. Como se vê nestas palavras, o fundador do Opus Dei atribuía uma grande importância a esta realidade, porque facilita decisivamente que o ministério sacerdotal seja vivido sempre como aquilo que é, serviço. Por isso, “os sacerdotes não toleram que os seus irmãos leigos lhes prestem serviços: desnecessários. Cada um de nós tem no seu coração os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, que disse: Filius hominis non venit ministrari, sed ministrare (Mat. XX, 28). Como o Senhor não viemos para ser servidos, mas para servir” Em suma, “ainda que a vocação é a mesma para todos, o sacerdote – repito – obriga-se a ser servo dos seus irmãos, instrumento de unidade, de eficácia, despertador dos desejos de santidade dos outros, sobretudo com o seu exemplo, sabendo ao mesmo tempo ser em nossa Casa – porque é assim – um de tantos”. Precisamente “isto faz que os clérigos não atropelem os leigos, nem os leigos os clérigos; que não haja clérigos que se queiram intrometer nas coisas dos leigos, nem leigos que se intrometam no que é próprio dos clérigos”. Daí que essa identidade de vocação peculiar – e a correspondente igualdade de sacerdotes e leigos enquanto membros do Opus Dei – “é a razão pela qual, na Obra, não pode haver clericalismo”.
No contexto da diversidade de membros e unidade de vocação peculiar no Opus Dei, é necessário considerar também a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, à qual já se fez referência no capítulo I na perspectiva eclesiológico-institucional. Recordemos que é uma “associação de clérigos intrinsecamente unida à Prelazia”, e que, portanto, forma uma só coisa com a Prelazia. Recordemos brevemente também que a esta sociedade sacerdotal pertencem os presbíteros e diáconos incardinados na Prelazia, e outros presbíteros e diáconos incardinados em diversas dioceses. Estes clérigos, não incardinados na Prelazia e que, portanto, não formam parte do seu Presbitério, mas cada um da sua própria diocese, são adscritos ou supernumerários da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz. Como é óbvio, em tudo o que deriva do fato da incardinação, dependem exclusivamente dos seus respectivos bispos diocesanos, não do Prelado do Opus Dei. Com o Presidente Geral da Sociedade da Santa Cruz, que é o Prelado do Opus Dei, têm uma relação de tipo associativo – não estão, portanto, sujeitos ao seu poder de jurisdição – que se refere exclusivamente à vida espiritual, isto é, a alguns aspectos que pertencem à livre disposição de cada presbítero ou diácono.
Como explicava Josemaria Escrivá, a propósito da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, mas no contexto mais geral das associações sacerdotais recomendadas pelo Concílio Vaticano II, “o sacerdote secular, dentro dos limites gerais da moral e dos deveres próprios do seu estado, pode dispor e decidir livremente – em forma individual ou associada – em tudo o que se refira à sua vida pessoal, espiritual, cultural, econômica, etc. Cada um é livre para se formar culturalmente de acordo com sua própria preferência ou capacidade. Cada um é livre para manter as relações sociais que desejar e organizar a sua vida como melhor lhe parecer, sempre que cumpra devidamente as obrigações do seu ministério. Cada um é livre para dispor dos seus bens pessoais como julgar mais oportuno em consciência. Com maior razão, cada um é livre para seguir, em sua vida espiritual e ascética e em seus atos de piedade, aquelas moções que o Espírito Santo lhe sugerir, e escolher – entre os muitos meios que a Igreja aconselha ou permite – aqueles que lhe parecerem mais oportunos segundo suas particulares circunstâncias pessoais”.
A adscrição de presbíteros e diáconos incardinados em diversas dioceses à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz não comporta nenhuma diminuição, nem jurídica nem de fato, da sua união e dependência relativamente aos seus próprios bispos. Mais ainda, a sua incorporação à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz ajuda-os necessariamente a viver com a máxima fidelidade essa união e dependência, pois a espiritualidade do Opus Dei impulsiona, como aspecto essencial, a que cada um se santifique em e através do cumprimento dos seus deveres de estado. Josemaria Escrivá expressava-o assim: “O espírito do Opus Dei, com efeito, tem como característica essencial o fato de não tirar ninguém do seu lugar – cada um permaneça na vocação com a qual foi chamado (1 Cor. 7, 20), mas de levar cada um a cumprir os encargos e deveres do seu próprio estado, da sua missão na Igreja e na sociedade civil, com a maior perfeição possível. por isso, quando um sacerdote se adscreve à Obra, não abandona nem modifica em nada sua vocação diocesana – dedicação ao serviço da Igreja local a que está incardinado, plena dependência do Ordinário próprio, espiritualidade secular, união com os outros sacerdotes, etc. —; antes, pelo contrário, compromete-se a viver essa vocação com plenitude, porque sabe que deve procurar a perfeição precisamente no próprio exercício de suas obrigações sacerdotais, como sacerdote diocesano”.
Entende-se, à luz das precedentes reflexões, por que razão os presbíteros e diáconos que se adscrevem à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, como adscritos ou supernumerários, o fazem movidos pela mesma vocação peculiar dos outros membros do Opus Dei: o chamamento a viver todas as exigências comuns à sua vocação cristã (neste caso, já especificada, como sacerdotal diocesana) num sulco – o Opus Dei – que, precisamente por não tirar ninguém do seu lugar, é plenamente compatível com a sua situação na Igreja e no mundo; sulco, que lhes oferece uma determinada espiritualidade, à qual se sentem chamados por Deus, e uns meios formativos e de direção espiritual, tendentes a santificar-se no seu ministério sacerdotal diocesano. Efetivamente, estes sacerdotes, “pela sua vocação à Obra – escreveu o fundador —, confirmam e robustecem o seu amor à própria diocese, e a veneração, o afeto e a obediência ao seu Bispo: do ponto de vista espiritual e psicológico, nas almas destes meus filhos, só pode originar-se uma confirmação do seu ministério alegre e da sua abnegação ao serviço da diocese a que pertencem e ao serviço a todas as almas, além de uma filial submissão ao Ordinário diocesano”.
A identidade de vocação peculiar, como é lógico, faz que os membros da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz sejam tão membros do Opus Dei como todos os outros. Não são, porém, membros do Presbitério da Prelazia, mas estão unidos a ela enquanto a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz – como fica dito – forma aliquid unum com a Prelazia.
Podemos concluir este capítulo, com o seguinte resumo sintético: a vocação ao Opus Dei é – como toda a vocação peculiar na Igreja – uma determinação da vocação cristã, que depende radicalmente de uma iniciativa divina prévia à liberdade do sujeito, omnicompreensiva da existência pessoal e definitiva ou permanente. A peculiaridade da vocação concretiza-se numa espiritualidade e numa missão que levam a viver as exigências omnicompreensivas da vocação batismal, cada um no seu próprio estado e condição no meio do mundo, e a ser fermento de vida cristã em todas as atividades terrenas, com a ajuda desse sulco institucional da Igreja que é a Prelazia do Opus Dei.