Jaculatórias

São Josemaria aconselhava recorrer às jaculatórias, “frases, breves e afetuosas, que brotam do fervor íntimo da alma”, e que nos ajudam a “converter o nosso dia num contínuo louvor a Deus”

Explicação do que são as jaculatórias dentro do ensinamento de São Josemaria, traduzida do “Diccionario de san Josemaría Escrivá de Balaguer”.

1. As jaculatórias na experiência espiritual e pastoral de São Josemaria

2. Algumas jaculatórias significativas na vida de piedade de São Josemaria

3. Jaculatórias adequadas aos diversos momentos de sua vida


    Na tradição espiritual da Igreja Católica, pelo menos desde Santo Agostinho, a quem se deve este vocábulo, entende-se por jaculatória uma oração breve e vibrante; por exemplo, “Sagrado Coração de Jesus, em Vós confio!”, “Ave Maria Puríssima, sem pecado concebida!” Podem ser ditas em qualquer lugar: na Igreja, no escritório, no campo... “serão suficientes duas ou três expressões lançadas ao Senhor como setas, iaculatas: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da história de Cristo (...) frases, breves e afetuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e correspondem a circunstâncias do momento”, e que nos ajudam a “converter o nosso dia, com naturalidade e sem espetáculo, num contínuo louvor a Deus. (...) quando um cristão envereda por este caminho de trato ininterrupto com o Senhor – e é um caminho para todos, não uma senda para privilegiados – a vida interior cresce, segura e firme; e o homem consolida-se nessa luta, simultaneamente amável e exigente, por realizar até o fundo a vontade de Deus” (É Cristo que passa, 119).

    1. As jaculatórias na experiência espiritual e pastoral de São Josemaria

      Nesta vida não podemos conhecer a Deus como Ele nos conhece, mas podemos sim começar a amá-lo como Ele nos ama, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações (cfr. Rm 5,5): “vão constantemente para os que amamos as palavras, os desejos, os pensamentos” (Amigos de Deus, 247), e como nós somos “almas de amor, mantemos uma conversa constante com Maria e José, e depois, junto com eles, passamos a relacionar-nos com Jesus e, em companhia dos três, com o Pai e o Espírito Santo” (citado em Echevarría, 2000).

      Sabemos que “ninguém pode dizer: Jesus é Senhor! a não ser movido pelo Espírito Santo” (1 Cor 12,3), e que “o santo não nasce; forja-se no contínuo jogo da graça divina e da correspondência humana” (Amigos de Deus, 7), nessa luta ao longa de todo o dia, “da noite à manhã e da manhã à noite” (É Cristo que passa, 119). E isso requer empenho, perseverança: “Habituai-vos a dirigir-vos constantemente ao Senhor, cada um a seu modo, com as suas finezas, com as suas jaculatórias” (citado em Echevarría, 2000, p 171). São Josemaria, frequentemente, ao topar com algum filho ou filha sua, mesmo que fosse de manhã cedo, perguntava-lhe, sem esperar uma resposta, mas sim, como sugestão para examinar-se nesse ponto: quantos atos de amor fizeste hoje? (Cfr. Echevarría, 2000).

      Escrevia, às vezes as jaculatórias em folhas de papel que lhe serviam de “lembrete” da presença de Deus ou fazia gravá-las num friso do oratório ou no dintel de uma porta, numa toalha de altar ou ao lado de uma imagem de Nossa Senhora. O objetivo era facilitar a presença de Deus e o tom sobrenatural no trabalho ou no descanso, ao andar por um corredor ou ao entrar num cômodo... “Sede como crianças, diante de Deus. Eu passo o dia dizendo-lhe jaculatórias de criança..., criancices! Se as ouvísseis..., começaríeis a rir! Ou, quem sabe..., começaríeis a chorar” (Urbano, 1994). Propiciava, enfim, um mundo interior rico e variado, como são fecundos e originais os desejos de união com o Amor e as realidades da entrega.

      2. Algumas jaculatórias significativas na vida de piedade de São Josemaria

        As jaculatórias que São Josemaria ensinava a seus filhos e outras pessoas com quem se relacionava, podem ser expostas seguindo diferentes modos; escolhemos dois como luzes indicadoras: a) considerando as que se referem a virtudes ou devoções básicas; e b) seguindo as etapas sobrenaturais de sua vida que corre paralela à vida do Opus Dei. Vamos apresentá-las agora seguindo o primeiro modo. Para não tornar pesada a leitura vamos mencioná-las sem indicar a fonte que documenta o seu uso.

        O seu profundo sentido da filiação divina levava-o a fazer suas umas palavras de Jesus a seu Pai: “Abba, Pater” (Rm 8, 15). Ele destacava também seu rendido amor ao Espírito Santo – “Ure igne Sancti Spiritus!” (Acende-nos com o fogo do Espírito Santo!) – e à Eucaristia que, além de se manifestar através de Comunhões espirituais, ele expressava, por exemplo, com um “Dominus meus et Deus meus!” (Meu Senhor e meu Deus!) (É Cristo que passa, 119), ou, durante a Missa, dizendo com o coração no momento da Consagração: “Adauge nobis fidem, spem, caritatem!” (Aumenta-nos a fé, a esperança e a caridade!).

        Agradecia tudo que era bom, inclusive o que não conhecia ou o que lhe parecia mau: “Gratias tibi ago, pro universis beneficiis tuis, etiam ignotis” (Dou-te graças por todos os teus benefícios, também pelos desconhecidos). Em momentos de necessidade repetia: “Ó Jesus, descanso em ti”, “Dei perfecta sunt opera!” (As obras de Deus são perfeitas!), “Deus meus et omnia!” (Tu és meu Deus e meu tudo!); às vezes pedia mais fé: “Credo, Domine, sed adiuva incredulitatem meam!” (Creio Senhor, mas ajuda minha incredulidade, fortalece minha fé!) (Mc 9, 24).

        O seu amor a Santa Maria foi especialmente fecundo em jaculatórias; basta rever as invocações da ladainha do Rosário, devoção tão querida por ele; ou o título que dava à Rainha de cada nação em que o Opus Dei iniciava o seu labor apostólico: Regina Hispaniae, Regina Germaniae, Regina Kenyae, Regina Italiae, Regina Venetiolae... que costumava rezar ao chegar ao país – ou ao sobrevoá-lo, cruzando seu espaço aéreo; além de incontáveis manifestações como: “Mater Pulchrae Dilectionis, filios tuos adiuva!” (Mãe do Amor Formoso, ajuda teus filhos!) “Sancta Maria, Spes mostra, Ancilla Domini!” (Santa Maria Esperança nossa, Escrava do Senhor!), “Adeamus cum fidúcia ad Thronum Gloriae ut misericordiam consequamur!” (Aproximemo-nos com confiança do trono da glória, para conseguir misericórdia!) e “Beata Mater et intacta Virgo” (Mãe Bem-aventurada e Virgem sem mancha!). E um magno clamor, “Mater, monstra te esse Matrem!” (Mãe, mostra que és Mãe!).

        Outra fonte foi o seu vigoroso trato com São José – “Meu Pai e Senhor!” – E com os Anjos da Guarda: “Santos Anjos, eu vos invoco, como a Esposa do Cântico dos Cânticos, ‘ut nuntietis ei quia amore langueo’” – para Lhe dizerdes que morro de Amor” (Caminho 568).

        Pedia e expressava virtudes como a humildade: “Ut iumentum factus sum apud te, et ego semper tecum!” (Sou como um burrinho junto a Ti e estarei sempre contigo!) (Sl 72 [Vg 71], 22-23); ou a fortaleza “Quia Tu es, Deus, fortitudo mea!” (Porque Tu és, Senhor, minha fortaleza!); e a contrição: “Domine tu omnia nosti, Tu scis quia amo te!” (Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo!) (Jo 21, 17).

        E a preocupação constante pelas almas, porque “é disso que se trata: de levar as almas a situar-se diante de Jesus e a perguntar-lhe: ‘Domine, quid me vis facere? ” (Senhor, que queres que eu faça?) (At. 9, 6: É Cristo que passa, 149); de clamar para que o Senhor mande operários para a sua messe (cfr. Mt. 9, 38): “Jesus, almas! ... Almas de apóstolo! São para Ti, para a tua glória” (Caminho 804). E com confiança: “Por causa de tua palavra, lançarei a rede!” (Lc, 5,5; cfr. CECH. p. 894), recorrendo a Nossa Senhora: “Regina Apostolorum” (É Cristo que passa, 149).

        3. Jaculatórias adequadas aos diferentes momentos de sua vida

          Para expor as jaculatórias que São Josemaria repetiu, seguindo a cronologia, comecemos pelas que lhes tinham ensinado desde criança como “Doce Coração de Jesus, sede meu Amor!”, “Doce Coração de Maria, sede a minha salvação!” (Echevarría, 2000), “Para Ti nasci: que queres, Jesus, de mim? ” (Toranzo, 2004, p. 24). Depois, desde os quinze ou dezesseis anos, muito antes de fundar a Obra – e também depois – pedia a Deus que lhe fizesse ver o que queria dele: “Domine, ut videam! Domine, ut sit!” (Senhor, que eu veja! Senhor, que seja!) (AVP, I, p. 175). Como sempre, também nisto contou com a Mãe de Deus, como documenta a inscrição “Domina ut sit!”que gravou na base de uma imagem da Virgem do Pilar, datada “24-5-924” (cfr AVP, I p. 181). Uma vez vista essa Vontade de Deus em 2 de outubro de 1928, intensificou a sua oração e começou a trabalhar para levá-la a cabo, repetindo “Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam” (Todos com Pedro a Jesus com Maria!). São Josemaria unia a esta jaculatória outras duas muito expressivas: “Deo omnis gloria!” (Para Deus toda glória!) e “Regnare Christum volumus!” (Queremos que Cristo reine!). Em suas anotações e cartas escrevia às vezes só as iniciais de cada palavra da jaculatória: O.c.P.a.J.p.M., D.O.G., R.Ch.V. (cfr. Edição Comentada de Caminho). Como comenta Pedro Rodríguez, estas três jaculatórias resumem de alguma forma o fundamento último do seu espírito.

          Não lhe faltaram dificuldades, mas habitualmente, diante dos obstáculos objetivos e da incompreensão de algumas pessoas, vinha a seu coração e a seus lábios uma síntese de Rm 8, 28: “Omnia in bonum” (Tudo é para bem) (S, 127), seguro de que sempre “através dos montes as águas passarão!” (Sl 108 [Vg 107]; cfr AVP, III, p. 592). “Estás sofrendo uma grande tribulação? Tens contrariedades? – Diz, muito devagar, como que saboreando, esta oração forte e viril: – ‘Faça-se, cumpra-se, seja louvada e eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre todas as coisas. – Assim seja. – Assim seja’” (Caminho 691). Tanto alimentava desde 1928 o amor à Vontade de Deus (cfr. CECH, pp. 810-811; Amigos de Deus, 167), que o seu querer foi sendo cada vez mais firme: “Fiat! Serviam!” (cfr. Del Portillo, 1933, p. 55), “Faça-se, cumpra-se!”, “Tu o queres, Senhor? ... Eu também o quero!” (Caminho, 762). Unia à sua debilidade a urgência da ajuda divina: “Ó meu Deus: cada dia me sinto menos seguro de mim e mais seguro de Ti!” (Caminho, 729).

          A filiação divina é o fundamento do espírito do Opus Dei (cfr. É Cristo que passa, 64). Nasceu com a Obra, e em 1931 tomou forma, em momentos humanamente difíceis (cfr. Carta 9-I-1959, n. 60: AGP, série A.3, 94-1-5), pelo que São Josemaria, baseando-se em sua própria experiência espiritual, aconselhava invocar frequentemente a Deus como Pai: “Descansai na filiação divina. Deus é um Pai cheio de ternura, de infinito amor. Chama-o Pai muitas vezes ao dia, e diz-lhe – a sós, no teu coração – que o amas, que o adoras; que sentes o orgulho e a força de ser seu filho” (Amigos de Deus, 150).

          Certo de que a vontade de Deus seria mais cedo ou mais tarde uma realidade, abandonava-se nas mãos de Deus. Nunca se retraía; pelo contrário, sabia que o seu trabalho devia apoiar-se na união com Deus e clamava com força: “Afasta, Senhor, de mim o que me afasta de tí!” e não se referia apenas a coisas de grande envergadura, mas a desamores, tentações, pensamentos inúteis, defeitos e debilidades ou aspectos que lhe pareciam compensações. Era seu desejo afinar no amor a Deus (cfr. Echevarría, 2000, p. 203).

          Em 1951, em momentos delicados para a consolidação do Opus Dei como Deus o queria, ele clamava: “Cor Mariae Dulcissimum, iter para tutum!” (Coração Dulcíssimo de Maria, prepara um caminho seguro!). Pedia-lhe cheio de fé que preparasse um caminho seguro para a Obra.

          Mesmo já avançado o desenvolvimento do Opus Dei, não esmorecia em sua oração: “Cor Iesu Sacratissimum, dona nobis pacem!” (Coração Sacratíssimo de Jesus, dá-nos a paz!), clamava ao Senhor desde 1952; em 1971 completou esta jaculatória: “Cor Iesum Sacratissimum et Misericors, dona nobis pacem!” (AVP, III, p. 611): foi em uma época na qual se sentiu especialmente urgido a confiar na misericórdia de Deus. Pedia e se abandonava, como um filho pede a seu pai: “Senhor meu Deus: em tuas mãos abandono o passado e o presente e o futuro, o pequeno e o grande, o pouco e o muito, o temporal e o eterno!” (AVP, III, p. 611). Tinha consciência de que a sua fortaleza estava precisamente na sua debilidade e na onipotência de Deus: “Domine, fac cum servo tuo secundum magnam misericordiam tuam!” (Senhor, faz com teu servo segundo a tua grande misericórdia!).

          Depois do Concílio Vaticano II sofreu muito ao ver como maltratavam a Igreja ao interpretar mal certos documentos (cfr. AVP, III, pp. 473 e 593 ss. ). No dia 8 de maio de 1970, ouviu em seu interior o que repetiu depois frequentemente: “Si Deus nobiscum, quis contra nos? ” (Rm 8, 31; cfr. AVP, III, p. 608), reforçando uma consideração que ele já tinha feito anteriormente muitas vezes: Se Deus está conosco, quem nos poderá derrotar? (Cfr. Amigos de Deus, 219). Estas e outras locuções que Deus o fez ouvir em seu interior – “Clama, ne cesses!” (Clama, não cesses!) (Cfr. AVP, III, p. 608) por exemplo – traduziu-as em jaculatórias que repetia com consolo para a sua alma e muitas outras pessoas. Este conjunto indica outro marco em sua vida: a fé dizia-lhe que o Corpo de Cristo podia ser ferido, mas que no final as portas do inferno não prevaleceriam (cfr. Mt. 16, 18): “Sancta Trinitas, ut inimicus Sanctae Ecclesiae humiliare digneris. Te rogamus audi nos!” (Trindade Santíssima, que te dignes humilhar os inimigos da Santa Igreja, te suplicamos que nos ouças).

          Sabia e sentia que, no empreendimento em que estamos, podíamos contar sempre com a Santíssima Virgem: “Senhor, Santa Maria, que o tempo da prova seja curto! Sancta Maria, Refugium nostrum et Virtus!” (Santa Maria, sê nosso refúgio e nossa força!) e não deixou de incluir expressamente São José em seus pedidos, desde setembro de 1971, embora a sua devoção ao Santo Patriarca fosse muito antiga: “São José, nosso Pai e Senhor, bendize a todos os filhos da Igreja de Deus!”.

          É significativo que algumas das jaculatórias que repetiu piedosamente no final de sua vida, fossem semelhantes às dos primeiros tempos: “Domine ut videam, ut videamus, ut videant!” “Que eu veja, que todos vejamos, que vejam!”, “Que eu veja com teus olhos, meu Cristo, Jesus de minha alma!”.

          Em seus últimos meses repetiu uma jaculatória que está também na Via Sacra (VI Estação): “Vultum tuum, Domine, requiram!” (Buscarei Senhor, teu rosto!) (Sl. 26 [Vg 25], 8-9; cfr. AVP, III, p. 726); “Sim, tenho vontade de ver como é o Senhor, mas não já pela fé, e sim cara a cara...!”, repetiu em sua catequese de 1975 pela América. Deus lhe concedeu isso em 26 de junho de 1975 e a Igreja, ao canonizá-lo em 6 de outubro de 2002, reconheceu solenemente a plenitude do seu Amor a Deus.

          María Begoña LANDALUCE