Homilia na Festa de São Josemaria

Cumprem-se hoje trinta e cinco anos do 'dies natalis' de São Josemaria Escrivá. Ao celebrar esta festa litúrgica, plena de alegria e reconhecimento a Deus, é para todos nós de especial significado o trecho do Gênesis da primeira leitura.

HOMILIA NA FESTA DE SÃO JOSEMARIA

D. Javier Echevarría, Prelado do Opus Dei

Basílica de Santo Eugênio, Roma, 26 de Junho de 2010

Caríssimos irmãos e irmãs!

Cumprem-se hoje trinta e cinco anos sobre o dies natalis de São Josemaria Escrivá. Ao celebrar esta festa litúrgica, plena de alegria e reconhecimento a Deus, é para todos nós de especial significado o trecho do Gênesis da primeira leitura.

Tendo terminado a obra da criação, diz a Sagrada Escritura, o Senhor levou o homem, feito à sua imagem e semelhança, e colocou-o no jardim do Éden, para o cultivar e para o guardar (Gn 2, 15), para trabalhar!

Vêm-me à memória as palavras do Servo de Deus João Paulo II quando, em 6 de Outubro de 2002, na homilia da Missa de Canonização do Fundador do Opus Dei, recordando os seus ensinamentos, afirmava que «trabalhando nas várias realidades deste mundo, os fiéis contribuem para realizar este projeto divino universal. O trabalho e qualquer outra atividade que se leva a cabo, com a ajuda da graça, transformam-se em meios de santificação quotidiana». (João Paulo II, Homilia na Canonização de São Josemaria, 6-X-2002).

Agradeçamos ao Senhor porque esta mensagem é hoje um dado adquirido não somente na teologia, mas também e sobretudo na vida de muitas pessoas. Contudo, em tantas outras fica ainda a nível teórico, sem efeito concreto na sua vida quotidiana. Precisamente por isso gostaria de insistir sobre alguns aspectos fundamentais dos ensinamentos de São Josemaria, que possam ajudar a pô-los em prática. Para tanto, pedimos o auxílio divino e fazemo-lo com palavras da oração coleta: Senhor, nosso Deus, que, na Igreja, escolhestes São Josemaria, sacerdote, para anunciar a vocação universal à santidade e ao apostolado, concedei-nos, por sua intercessão e exemplo, que, através do trabalho quotidiano, nos identifiquemos com Cristo, vosso Filho, e sirvamos com amor ardente a obra da Redenção . (Missa de São Josemaria, Colecta).

Numa das suas homilias dedicadas precisamente à santificação do trabalho, São Josemaria, partindo das palavras do Gênesis acabadas de citar, recorda que a obrigação de trabalhar não surgiu como uma sequela do pecado original, nem se reduz a uma descoberta dos tempos modernos. Trata-se de um meio necessário que Deus nos confia na terra, alongando os nossos dias e tornando-nos partícipes do seu poder criador, para que ganhemos o nosso sustento e, simultaneamente, recolhamos frutos para a vida eterna (São Josemaria, Amigos de Deus, n. 57).

O próprio exemplo de Jesus, que durante trinta anos se dedicou a um trabalho cansativo – mas cheio de alegria – na oficina de Nazaré, com Maria e José, mostra à evidência que o Senhor conta também com o nosso trabalho para colaborar na salvação do mundo, para manifestar claramente que é possível transformar qualquer profissão honesta em oração, em apostolado.

Mas é necessário ter bem presente que esta atividade deve ser feita e terminada com perfeição humana e com retidão de intenção, ao serviço de Deus e do próximo, e não para satisfazer o egoísmo. Peçamos então luz a Jesus Cristo Nosso Senhor e que nos ajude a descobrir, a cada instante, o sentido divino que transforma a nossa vocação profissional no gonzo sobre o qual assenta e gira a nossa chamada à santidade (São Josemaria, Amigos de Deus , n. 62).

A este propósito podemos colocar-nos algumas questões, a que responderemos no silêncio do nosso coração. Faço o meu trabalho com perfeição humana, cuidando os detalhes por amor a Deus, ou contento-me por vezes em o acabar mal, um pouco de qualquer maneira, como se costuma dizer? Empenho-me seriamente por unir o meu trabalho todos os dias ao Santo Sacrifício da Missa, consciente de que só assim poderá tornar-se verdadeiramente trabalho de Deus ? Retifico frequentemente a intenção durante o dia e o meu esforço por dar toda a glória a Deus? Aproveito as relações de trabalho para criar amizades verdadeiras com as pessoas que estão ao meu lado, com o desejo de as aproximar do Senhor, de as servir e de aprender delas?

Na homilia da Missa da Canonização de São Josemaria, João Paulo II citou um trecho de uma meditação do Fundador do Opus Dei que me apraz repetir aqui: “ A vida habitual do cristão que tem fé quer trabalhe, quer descanse, quer reze, quer durma, em todos os momentos, é uma vida em que Deus está sempre presente " ( São Josemaria, Meditação, 3-III-1954). «Esta visão sobrenatural da existência abre um horizonte extraordinariamente rico de perspectivas salvíficas, porque também no contexto, só aparentemente monótono das normais vicissitudes terrestres, Deus se torna próximo de nós, enquanto nós podemos contribuir para o seu desígnio de salvação. Assim, é mais fácil compreender aquilo que o Concílio Vaticano II afirma, ou seja, que "a mensagem cristã não afasta os homens da construção do mundo [...], impõe-lhes, ao contrário, um dever" ( Gaudium et spes, n. 34)» (João Paulo II, Homilia na Canonização de São Josemaria, 6-X-2002).

Segundo os ensinamentos deste santo sacerdote, repito, todas as atividades honestas dos homens podem ser oferecidas a Deus, santificadas e transformadas em meio e ocasião de apostolado. O trabalho…, mas também o descanso, de que todos temos necessidade para retemperar as forças empregues no esforço para levar para a frente a família e servir a sociedade.

Esta consideração parece-me particularmente oportuna neste período em que muitos de vós se preparam gozar um merecido período de férias. Tende presente que mesmo nos dias de férias devemos viver com a mente e o coração postos no Senhor. Recordo alguns conselhos concretos que podem ajudar a fazer com que este tempo contribua para um crescimento espiritual de alguns de nós e não resulte – como infelizmente acontece não raramente – num arrefecimento da vida cristã.

Em primeiro lugar, convém continuar a cumprir os deveres normais de um cristão: a participação na Santa Missa aos Domingos e dias santos; a recepção dos sacramentos, particularmente da Penitência; os bons hábitos adquiridos durante o ano de trabalho: rezar com assiduidade, frequentar as atividades de formação espiritual, etc.

É claro que não é oportuno escolher para as férias lugares que um cristão coerente – e nem mesmo um homem honesto – nunca deveria frequentar, porque estão objetivamente em contraste com os ditames da moral não só cristã, mas até natural. Todos devemos ter a fortaleza de tomar decisões deste género, indo, se necessário, contra a corrente. Ajudareis, deste modo, os vossos familiares e outras pessoas a procurar divertimentos saudáveis, como convém aos filhos de Deus. Não é verdade que, para aproveitar as férias, tenhamos que nos afastar de Deus. Verdadeiro é exatamente o contrário.

Gostaria, por fim, de recordar um ponto muito concreto dos ensinamentos de São Josemaria sobre a santificação do descanso. Pode resumir-se nas palavras que dizia frequentemente: Descanso significa represar: acumular forças, ideias, planos... Em poucas palavras: mudar de ocupação, para voltar depois - com novos brios - à atividade habitual . (1). É uma afirmação muito verídica: a simples mudança de trabalho, de ambiente, de circunstâncias, contribui para recuperar forças.

Penso, por outro lado, que é nosso dever acompanhar o Santo Padre, rezando todos os dias pelas suas intenções, de modo que sinta a proximidade filial de cada uma e de cada um de nós. Viver bem a vida cristã significa não se afastar do Bom Pastor que é cabeça da Santa Igreja.

Termino com outro pensamento de São Josemaria: Senhor, concede-nos a tua graça. Abre-nos a porta da oficina de Nazaré, com o fim de aprendermos a contemplar-Te a Ti, com a tua Mãe Santa Maria e com o Santo Patriarca José - a quem tanto amo e venero - todos três dedicados a uma vida de trabalho santo. Sensibilizar-se-ão os nossos pobres corações, procurar-Te-emos e encontrar-Te-emos no trabalho diário, que Tu desejas que convertamos em obra de Deus, em obra de Amor (2).

Notas

(1) São Josemaria, Sulco, n. 514

(2) São Josemaria, Amigos de Deus, n. 72