Missa pelos falecidos durante a pandemia: “necessitamos dos outros e os outros precisam de nós”

Homilia do Prelado do Opus Dei na Festa de São Josemaria. A Eucaristia, o "omnia in bonum" (tudo é para o bem!) e o sentido da missão são os três temas que o prelado abordou na sua homilia na igreja prelatícia de Santa Maria da Paz (26 de Junho de 2020).

Hoje, na festa litúrgica de São Josemaria, aqui junto dos seus restos mortais, na igreja prelatícia de Santa Maria da Paz, pedimos a sua intercessão por todos os que estão sofrendo as consequências do coronavírus, principalmente pelos falecidos e suas famílias. Agora, nosso pensamento se dirige especialmente aos países onde a pandemia continua mais presente. A comunhão dos santos nos leva a tomar como próprio o que afeta os outros, porque “se um membro sofre, todos sofrem com ele”. “Estamos todos neste barco”, disse o Papa Francisco. Estamos “chamados a remar juntos, todos necessitados de nos confortarmos mutuamente”[1].

As leituras da Missa de hoje nos recordam três realidades que São Josemaria tinha no coração: a Eucaristia, o omnia in bonum (tudo é para o bem!) e o sentido de missão.

“Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20,28). Estas palavras, que leremos na antífona da comunhão, resumem o caminhar terreno de Jesus, que esteve marcado pela entrega aos outros. “Carregou nossos pecados em seu próprio corpo, sobre a cruz, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça” (1 Pd 2,24). E este sacrifício volta a se fazer presente na santa Missa, onde Cristo entrega-se a nós totalmente. Ele mesmo se oferece como alimento que nos sustenta, enche-nos da sua misericórdia e do seu amor, como o fez no Calvário.

Durante os meses de confinamento, estamos aprendendo a dar mais valor à participação no Sacrifício eucarístico. Em muitas famílias, no meio desta situação difícil, a primeira coisa que se fazia todos os dias era acompanhar a santa Missa pela televisão. Tiravam forças desse momento para enfrentar a jornada e, ao mesmo tempo, aumentavam o seu desejo de receber o Senhor sacramentalmente.

Nestas circunstâncias difíceis do mundo, deste mundo do qual fazemos parte e que amamos como criação de Deus, enchem-nos de consolo estas palavras que lemos na segunda leitura e que São Josemaria meditou tantas vezes: “De fato, vós não recebestes espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, no qual todos nós clamamos: “Abbá, ó Pai!” (Rm 8,15). Sabermo-nos filhas e filhos de um Deus que sabe tudo e pode tudo dá-nos uma profunda alegria que é fruto do Espírito Santo.

Isto não significa que não tenhamos dificuldades e sofrimentos. São Paulo termina o texto que acabamos de ler assim: somos “herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo; se realmente sofremos com ele, é para sermos também glorificados com ele” (Rm 8,17). Estas palavras nos ajudam a entender o sentido da dor. Quando algo nos faz sofrer, podemos unir-nos ao sacrifício de Jesus na Cruz, com a esperança posta na ressurreição. Porque o que cura o homem “não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor”[2].

A fé nos dá a segurança de que tudo acontece para o bem: Omnia in bonum!, era o que São Josemaria gostava de repetir com palavras de São Paulo (cfr. Rm 8,28). Sim, tudo acontece para o bem, mesmo que às vezes custe entender o bem que possa trazer uma situação como a que estamos atravessando. Mas o certo é que, neste tempo, presenciamos inúmeras mostras de generosidade, de criatividade, de iniciativa e o trabalho abnegado de tantas pessoas, chegando inclusive a arriscar sua própria vida: profissionais da saúde, forças de segurança, sacerdotes, voluntários... Também conhecemos histórias de pais e mães se desvivendo para cuidar de cada lar durante o confinamento. Estes exemplos de entrega nos fizeram estar mais unidos, ser mais conscientes de que necessitamos dos outros e de que os outros precisam de nós.

No Evangelho de hoje, lemos este convite de Jesus a Simão Pedro, que o impulsiona em sua missão: “avança para águas mais profunda e lança as redes para a pesca” (Lc 5,4). E hoje, Ele dirige essas mesmas palavras a cada um de nós: deixar de lado a própria comodidade para ir ao encontro dos outros e transmitir a alegria do Evangelho, a alegria de uma vida junto de Jesus, que deu a sua vida por amor a cada um de nós.

Para avançar a águas mais profundas é preciso audácia, desejos de mudar o mundo. Mas, acima de tudo, é necessário ter um coração enamorado, deixar que Cristo seja o centro da nossa vida, de maneira que Ele seja “o único motor de todas as nossas atividades”[3].

Depois do convite de Jesus para remar mar adentro, lemos: “Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes, que as redes se rompiam” (Lc 5,6). A eficácia sobrenatural do nosso trabalho também não depende das nossas qualidades, mas de deixarmos o Senhor agir. “Quando nos colocamos com generosidade ao seu serviço, Ele realiza maravilhas em nós. Assim age em relação a cada um de nós: pede-nos que o recebamos no barco da nossa vida, para voltar a partir com Ele e sulcar um novo mar, que se revela cheio de surpresas”[4]. Este foi o ideal que inspirou a vida de São Josemaria. Sentia que “a Obra nasceu para estender por todo o mundo a mensagem de amor e de paz que o Senhor nos legou”[5]. Que nós também saibamos nos lançar com essa mesma confiança a tudo o que o Senhor nos pedir.

Os que estamos participando desta Santa Missa – de modo presencial ou pelas redes – unimo-nos com carinho e oração a todo sofrimento do mundo e nos confiamos aos falecidos para que do Céu – com São Josemaria, no dia da sua festa – intercedam por todos nós.

Recorramos muito especialmente a Santa Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa. Ela, Consoladora dos aflitos, nos ajudará a ver, com os olhos da fé, o amor do seu Filho nas dificuldades pelas quais estamos passando. Ela, Estrela da manhã, nos guiará por esse caminho de amor e confiança em Deus.


Agora me dirijo aos que participaram desta celebração na Basílica de Santo Eugenio. Embora na Itália já tenhamos superado o momento mais crítico da pandemia, em outras partes do mundo o isolamento continua, por causa do coronavírus. Unamo-nos agora em oração por esses países, e ao mesmo tempo rezemos por todos aqueles que nos deixaram nos últimos meses e por suas famílias.

É difícil entender porque Deus permitiu esta situação. São Paulo escreve que “tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus”, e São Josemaria utilizava esta ideia transformando-a em jaculatória: Omnia in bonum! Tudo é para o bem! De cada contrariedade, Deus tira um bem, como, provavelmente, vimos também nós, de alguma forma, nestes meses.

Na festa de São Josemaria, junto dos seus restos mortais, podemos recorrer à sua intercessão para que nos ajude a estar sempre muito unidos entre nós e com todos os que sofrem. Ajudemo-nos uns aos outros por meio da oração, do afeto, do serviço desinteressado. Como dizia o Papa Francisco durante o momento extraordinário de oração pela pandemia, fomos “todos chamados a remar juntos, todos necessitados de nos confortarmos mutuamente. Estamos todos no mesmo barco”. Não nos esqueçamos de rezar pelo Santo Padre e pelo seu ministério na Igreja.

Assim seja.


[1] Francisco, Momento extraordinário de oração em tempos de pandemia, 27-III-2020.

[2] Mensagem de Bento XVI, PARA O 20º DIA MUNDIAL DO DOENTE, 11-II-2013.

[3] São Josemaria, Apontamentos íntimos, n. 1289 (5.10.1935).

[4] Francisco, Ângelus, 10/02/-2019.

[5] São Josemaria, Carta 16/07/1933, n. 3.