Homilia da Missa de São Josemaria em São Paulo

Publicamos a íntegra da homilia que o Vigário Regional do Brasil, Mons. Vicente Ancona Lopez, pronunciou por ocasião da Missa Solene de São Josemaria, concelebrada na Catedral de São Paulo no sábado passado, dia 25 de junho.

Mons. Vicente pronuncia a homilia da Missa de São Josemaria

A abertura do Evangelho de S. Lucas que acabamos de escutar, adquire uma especial atualidade, com a recente eleição do Papa Bento XVI.

... a multidão apertava Jesus para ouvir a palavra de Deus, ele estava junto ao lago de Genesaré; 2 e viu dois barcos junto à praia do lago; mas os pescadores haviam descido deles, e estavam lavando as redes. 3 Entrando ele num dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe que o afastasse um pouco da terra; e, sentando-se, ensinava do barco as multidões. (Lc 5, 1-3)

Ontem se completaram dois meses, daquele dia em que a multidão se apertava ao redor desta grande barca que é a Basílica de S. Pedro em Roma, e o Santo Padre pôde dirigir-se a uma multidão, centenas de milhões de pessoas, que o escutávamos com enorme atenção.

Naquela homilia, o Santo Padre Bento XVI, falando como sucessor de Pedro, anunciou o seu programa de governo, com palavras que estão em plena sintonia com o evangelho de hoje:

“Meu verdadeiro programa de governo é não fazer minha vontade, não seguir minhas próprias idéias, mas pôr-me, junto com toda a Igreja, à escuta da palavra e da vontade do Senhor e deixar-me conduzir por Ele”

Simão Pedro, também vivenciou esse conflito interior entre o pedido de Cristo: Mar adentro! (...) e a sua lógica, suas próprias idéias: Mestre, trabalhamos a noite toda, e nada apanhamos. Simão Pedro não seguiu as suas próprias idéias, preferiu escutar a palavra do Senhor e deixar-se conduzir por Ele e por isso Cristo pode fazer o milagre.

Esse programa de governo de Bento XVI não surpreendeu os que conheciam o Cardeal Ratzinger, pois apenas confirmava, como Papa, uma norma firme de conduta que segue desde a sua juventude: deixar-se conduzir por Cristo.

Nave central da Catedral de São Paulo

Hoje ao comemorar a festa de São Josemaría, eu queria evocar, à luz deste Evangelho — e à luz desse programa de governo que o Papa anunciou faz dois meses — , um artigo que ele publicou sobre São Josemaría no dia da sua canonização.

O Cardeal Ratzinger alegrou-se muito com a notícia da canonização de São Josemaría. Foi ele que, radiante, transmitiu essa notícia ao Prelado do Opus Dei, D. Javier Echevarría. O Cardeal Ratzinger já estivera presente na Beatificação, em 1992, quando também celebrou uma Missa para os peregrinos de língua alemã que haviam ido a Roma para a beatificação e proferiu-lhes uma tocante homilia sobre o novo Beato. Em 2002 no entanto, quando se aproximava a data da canonização do nosso Padre, no dia 6 de outubro, o Papa João Paulo II, pediu ao Cardeal Ratzinger que fosse a Alemanha para presidir um centenário de uma diocese alemã, representando-o. O Cardeal Ratzinger comunicou então ao Prelado do Opus Dei que sentia a impossibilidade de assistir a canonização, mas disse que compensaria essa ausência escrevendo um artigo sobre São Josemaría.

E assim foi! No dia 6-X-02, o jornal “L’ Osservatore Romano” publicou um artigo do Cardeal Ratzinguer, que é uma maravilhosa síntese da mensagem de São Josemaría. Quero comentar brevemente a idéia central desse artigo pois penso que agora, com a eleição do autor como Papa Bento XVI, adquire uma significação especial.

Quando Josemaría Escrivá fala de que todos os homens somos chamados a ser santos, parece-me que, no fundo, se está referindo à sua experiência pessoal, porque nunca fez por si mesmo coisas incríveis, mas se limitou a deixar Deus agir. E por isso nasceu uma grande renovação, uma força de bem no mundo, ainda que todas as debilidades humanas permaneçam presentes (...).

Ser santo não significa ser superior aos outros; pelo contrário, o santo pode ser muito débil, e ter numerosos erros na sua vida. A santidade é o contato profundo com Deus: é fazer-se amigo de Deus, deixar agir o Outro -Deus — , o Único que pode fazer realmente com que este mundo seja bom e feliz.

No artigo, sublinha o ensinamento chave de São Josemaría, quando afirma que é possível manter-nos em diálogo permanente com o Senhor no meio do mundo, no meio de uma vida agitada como a nossa. Qualquer pessoa, — cada um de nós — , pode ouvir a voz de Deus, conhecer a sua Vontade e deixar Deus agir.

Verdadeiramente todos somos capazes, todos somos chamados a abrir-nos a essa amizade com Deus, a não nos soltarmos das suas mãos, a não nos cansarmos de voltar uma e outra vez ao Senhor, falando com Ele como se fala com um amigo e sabendo, com certeza, que o Senhor é o verdadeiro amigo de todos, também dos que não são capazes de fazer por si mesmos coisas grandes.

É isso mesmo! Inclusive aqueles que nos reconhecemos fracos e medíocres, podemos empreender, apoiados nessa amizade com Deus, a aventura da santidade. E ainda nesse artigo, o Cardeal acabava afirmando que foi por esse caminho que ele, hoje o Papa Bento XVI, entendeu o Opus Dei:

Por tudo isto compreendi melhor a fisionomia do Opus Dei: a forte conexão que existe entre uma absoluta fidelidade à grande tradição da Igreja, à sua fé, (...), e a abertura incondicionada a todos os desafios deste mundo, seja no âmbito acadêmico, no do trabalho cotidiano, na economia, etc. Quem tem essa vinculação com Deus, quem mantém essa conversa ininterrupta com Ele, pode atrever-se a responder a novos desafios, e não tem medo; porque quem está nas mãos de Deus, cai sempre nas mãos de Deus. É assim que desaparece todo o medo e nasce a valentia de responder aos desafios do mundo de hoje.

Realmente, o Santo Padre entende bem a fisionomia do Opus Dei! Se nós nos colocarmos para valer nas mãos de Deus, se nós realmente nos esforçarmos por ser contemplativos, por manter essa conversa ininterrupta com o Senhor, Deus agirá através de nós, exatamente como nesta cena do Evangelho. E poderemos abrir-nos a todos os desafios do mundo de hoje sem ter medo.

Mesmo num ambiente de relativismo moral, onde o católico é acusado de ser um intolerante e até um fanático, só por afirmar humildemente que existe uma verdade e que portanto existe uma religião que é a verdadeira; mesmo nesse ambiente de relativismo moral, caracterizado pelo desprezo à vida e pela desumanização da sexualidade; mesmo no ambiente social marcado pela corrupção e a mediocridade profissional, onde o que trabalha e é honesto é considerado um ingênuo; a fé nos dá a alegria de seguir as palavras de Cristo -mar adentro — e nos dá segurança, porque temos a experiência de que Deus intervém e age em nós e através de nós. Non abbiate paura! Não tenhais medo!

Leio agora palavras de São Josemaría:

Se nos entregarmos a Deus, Ele se entrega a nós. É preciso confiar plenamente no Mestre, é preciso abandonar-se nas suas mãos sem regateios, manifestar-lhe com as nossas obras que a barca é dEle, que queremos que disponha como lhe apetecer de tudo o que nos pertence. (Amigos de Deus 22).

Vamos unir-nos com toda a alma, como faria o nosso Fundador, ao programa de Bento XVI

“Meu verdadeiro programa de governo é não fazer minha vontade, não seguir minhas próprias idéias, mas pôr-me, junto com toda a Igreja, à escuta da palavra e da vontade do Senhor e deixar-me conduzir por Ele”

E, como lembra São Paulo: “A vontade de Deus é que sejamos santos!” (I Tes 4,3).

Esta foi a pregação de São Josemaría desde 1928: “Todos podemos ser santos e contemplativos no meio do mundo. As crises mundiais são crises de santos”. E agora, o sucessor de Pedro, — e talvez o maior teólogo do século XX — nos diz: São Josemaría tem toda a razão, qualquer um, mesmo o mais fraco, se confiar em Deus e procurar o diálogo com Ele, pode ser santo. Porque Deus vai agir e vai santificá-lo, e vai ajudá-lo a superar os desafios do mundo de hoje, e a levar uma vida cristã com plenitude e coerência.

Eu gostaria hoje, nesta Catedral, renovar esta proposta de São Josemaría, que conta com o aval tão eloquente do Papa. É possível viver na presença de Deus e manter uma conversa ininterrupta com Ele. Vamos entrar decididamente por caminhos de oração. Fazer oração seriamente, como Cristo nos ensina no Evangelho, “entrando no quarto e fechando a porta, ouvindo nosso Pai Deus que nos fala em segredo”. Ter um tempo diário, (pode-se começar com 10, 15 minutos por dia reservados à meditação), em que procuramos ouvir e conhecer qual é a Vontade de Deus — quais são os desafios que nos pede — e seguir essas inspirações, superando o medo e deixando Deus agir. É por esse caminho que chegaremos à amizade com Deus e a ser santos.

Pelo contrário, se não nos tornássemos almas de oração, apesar dos bons desejos, acabaríamos dirigindo nossa vida com as nossas pobres e confusas idéias: ficaríamos estacionados na praia do acomodamento ou da covardia, ou quando muito, preocupados em afirmar-nos diante dos outros, navegaríamos pertinho da costa, onde pudéssemos ser vistos procurando fazer boa figura, mas presos à preocupação com o que os outros podem estar pensando de nós. Não é isso o que queremos! Nenhum de nós o quer!

Peçamos a Nossa Senhora que, a exemplo de sua resposta: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim conforme a tua palavra”, também nós nos abramos às iniciativas de Deus e deixemos Deus agir em nós e por meio de nós para o serviço da Igreja e de todos os homens.