Guadalupe: Uma verdadeira amiga

Um artigo do pe. John Wauck sobre a bem-aventurada Guadalupe Ortiz. “Compartilhar a fé – pela palavra e pelo exemplo – é uma consequência inevitável da união de um cristão com Jesus Cristo”.

Em um domingo no início de 1944, voltando para casa depois da Missa, em uma plataforma de bonde, Guadalupe Ortiz, uma jovem professora de Química, dirigiu-se a um amigo próximo, Jesus Serrano de Pablo. Guadalupe abriu o coração e contou que estava procurando alguém, um sacerdote, com quem pudesse conversar.

O seu amigo recomendou que ela conversasse com o padre Josemaria Escrivá, o fundador do Opus Dei. Agora, o padre Josemaria é um santo canonizado e, em 18 de maio de 2019, a própria Guadalupe foi beatificada em Madri.

Guadalupe sempre recordaria como a conversa com um amigo levou-a a acontecimentos tão decisivos em sua vida:

“Graças a um colega com quem tinha laços de amizade e de confiança, Jesús Serrano de Pablo, a quem revelei meu desejo de ter um diretor espiritual, consegui o contato telefônico e dirigi-me para o endereço que me deram, para conhecer o padre Josemaria Escrivá, sobre quem eu não absolutamente nada até esse momento. Naturalmente, desconhecia a existência do Opus Dei. A conversa foi decisiva para a minha vida.”

Uma simples pergunta de um amigo a outro enquanto esperavam o bonde, seguida por uma troca de números de telefone e um telefonema. Isso marcou o começo de uma viagem que levaria a professora de Química de 27 anos para longe de sua casa – a Bilbao, ao México, a Roma, e de volta a Madri – e, depois da sua morte em 1975, para a beatificação, que ocorreu em maio do ano passado. Assim começou uma vocação; assim uma vida foi permanentemente transformada.

Sempre foi assim. Aquela simples cena em uma plataforma de bonde em Madri durante a Segunda Guerra Mundial tem algo em comum com o primeiro capítulo do Evangelho de São João, no qual, em um espaço de apenas de 10 versículos, testemunhamos como as notícias sobre Jesus Cristo se espalharam naturalmente entre amigos, conhecidos e colegas: André e João, que eram colegas em um negócio de pescaria no lago da Galileia, conhecem Jesus, e André diz ao seu irmão Pedro que ele também precisa conhecê-lo. Depois, o irmão mais velho de João, Tiago, também se unirá a eles. Filipe, que por acaso é da mesma cidade que Pedro e André, corre ao seu amigo Natanael e conta sobre Jesus, convidando-o a “vir e ver” aquele de quem Moisés tinha escrito. O encontro com Jesus e a descoberta da vocação pelos apóstolos ocorre em um contexto de relações habituais de família, amizade e trabalho.

A amizade desempenhou um papel importante não apenas no início da vocação de Guadalupe, mas também na maneira como ela a viveu ao longo de sua vida. Isso era inseparável de sua vocação a ser santa e apóstolo no Opus Dei. Poucos anos depois de ter entrado no Opus Dei, ela se mudou para Bilbao onde, em 1949, tendo chegado recentemente à cidade, conheceu uma jovem chamada Rosario Orbegozo durante um passeio a pé pela capital basca, planejado pelo irmão de Rosario. Aquele passeio levou a uma amizade, e logo Rosario, cativada pela naturalidade e alegria de Guadalupe, decidiu que queria compartilhar sua vida no Opus Dei. Ela seria a primeira mulher dali a entrar para o Opus Dei.

O mesmo fenômeno pode ser visto na vida dos primeiros cristãos. Um dos primeiríssimos escritos cristãos em latim, o diálogo Octavius, de Minucius Felix, escrito no século II, conta a história de uma excursão feita por três amigos – dois cristãos e um pagão, todos advogados trabalhando no fórum – durante as férias da colheita de uvas em Roma. Os três caminham ao longo do rio Tibre até chegar ao mar Mediterrâneo, e ali na praia de Óstia, vendo um grupo de crianças jogar pedras nas ondas, os amigos discutem a fé cristã em um debate animado. Ao final da excursão, o que é pagão decidiu que quer compartilhar a fé de seus amigos. Um feriado na praia mudou a sua vida para sempre.

A capacidade de Guadalupe para a amizade não foi restrita a colegas ou conhecidos profissionais. Na verdade, parecia não ter limites. Depois de ter se mudado para o México em 1950, Guadalupe conheceu a poeta Ernestina de Champourcin, que, exilada da Espanha de Franco, estava morando com o seu marido, também poeta, que foi o secretário pessoal de Manuel Azaña, o presidente da República durante a Guerra Civil Espanhola. O pai de Guadalupe, Manuel, fora coronel do exército e participou da revolta contra a República que iniciou a Guerra Civil Espanhola em julho de 1936. Depois de ter sido preso pelo governo republicano, ele foi executado em setembro do mesmo ano. Apesar das dolorosas histórias políticas e pessoais que elas compartilhavam, as duas mulheres se tornaram amigas íntimas, e Ernestina posteriormente decidiu ser do Opus Dei.

Compartilhar a fé – pela palavra e pelo exemplo – é uma consequência necessária da união com Jesus Cristo e da amizade com os outros. O que começa como uma amizade com Jesus – “Vos chamei amigos”, disse Ele aos seus discípulos na Última Ceia – expande-se naturalmente para incluir mais e mais pessoas. Descrevendo esta dinâmica, o evangelista São João escreve em sua primeira carta: “A nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo”, e portanto “isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos, para que estejais em comunhão conosco”.

Uma das primeiras mulheres do Opus Dei de Bilbao, Mary Rivero, descreve como isso era perceptível na vida de Guadalupe, a quem ela conheceu durante um retiro numa casa emprestada por uma amiga:

“Naquele lugar […] ouvi, pela primeira vez, falar do Opus Dei e identifiquei-me plenamente com Guadalupe. Para mim, o Opus Dei era alegre, otimista, jovial e atrativo como ela. Não quer dizer que ela tivesse dotes persuasivos especiais, nem que fosse uma oradora extraordinária. Não era nada disso. O que acontecia era que transmitia muita confiança, e o que dizia com tanta simplicidade tinha energia, dava segurança... Quase sem me perceber, peguei-me falando com ela num clima de grande confiança. Não era uma pessoa envergonhada, mas Guadalupe convidava a aprofundar a conversa. A naturalidade e simpatia, aquele sorriso sempre tão agradável…”

A descrição de Mary Rivero corresponde perfeitamente ao relato de Guadalupe sobre sua experiência com as jovens que moram nas residências estudantis que ela dirigia. Em uma carta ao fundador do Opus Dei, escrita no México em 1950, ela conta: “Falo muito com as residentes; por elas não há dificuldade, pelo contrário, estão desejando uma oportunidade para me contar do início ao fim, tudinho – toditito, como dizem aqui”.

Assim como o apóstolo João escreveu aos primeiros cristãos, “Nós vos escrevemos estas coisas para que a nossa alegria seja completa”, assim, na vida de Guadalupe, compartilhar uma profunda alegria, vinda da convicção de que Deus é nosso Pai, foi uma parte central de ser amiga e apóstolo.

Logo antes do Natal de 1946, ela escreveu de Bilbao uma carta a São Josemaria contando: “As jovens que frequentam aqui ficam assombradas com a alegria que temos em estar juntas”. Um mês mais tarde, depois de descrever uma tarde no centro do Opus Dei em Bilbao, que incluía um tempo de oração, e descascar batatas na cozinha cantando canções bascas e dançando “sardana”, ela escreve: “queria que todas as que vêm aqui tivessem vocação e fossem tão felizes como nós”.

O exemplo de Guadalupe a esse respeito é um lembrete vivo da verdade das palavras recentes do Prelado do Opus Dei:

“A verdadeira amizade implica um sincero carinho mútuo, que é a verdadeira proteção da liberdade e da intimidade recíprocas. O apostolado não funciona como algo sobreposto à amizade, porque – como já lhes escrevi – “não fazemos apostolado, somos apóstolos!”: a própria amizade é apostolado. A própria amizade é um diálogo, em que damos e recebemos luz; em que surgem projetos, numa mútua abertura de horizontes”.

Para os cristãos que tentam viver plenamente sua fé, torna-se impossível distinguir entre ser um verdadeiro amigo e ser um apóstolo, entre a comunicação da alegria e a comunicação da fé. No fundo, para alguém que é abençoado por ser filho de Deus em Cristo, ser amigo e ser apóstolo são simplesmente modos de ser você mesmo.

Link do artigo original publicado em “Aleteia”