O IESE e o papel da empresa na sociedade

“A empresa é uma comunidade de pessoas, que serve a outras pessoas, dentro de uma sociedade de pessoas. Só depois de considerar isso, têm lugar capital, instalações, tecnologia e realidades legais”. Palavras de Mons. Fernando Ocáriz, durante a sua visita ao campus do IESE, em Barcelona. Veja o vídeo completo da conferência, com legendas.

Participar deste Congresso, que encerra as celebrações do sexagésimo aniversário do IESE, é para mim, acima de tudo, motivo de alegria e uma oportunidade para expressar, mais uma vez, minha gratidão a São Josemaria Escrivá, que foi instrumento de Deus para promover esta iniciativa. Meus agradecimentos vão também a todos aqueles que contribuíram no passado e contribuem agora para tornar esta iniciativa uma escola de prestígio e impacto, que são uma prova do serviço prestado à sociedade.

Felicitando hoje o IESE, estendo meus parabéns também para todas as Escolas que seguem o seu exemplo, levando as suas mensagens por todo o mundo, cada uma com as peculiaridades sugeridas pelo seu ambiente geográfico e social e com a configuração que, livre e responsavelmente, lhe deram seus fundadores e continuam a dar hoje seus diretores, professores e funcionários, representados aqui por vocês que nos acompanham hoje. Uno-me de maneira especial a umas palavras que o Prelado anterior do Opus Dei, Mons. Javier Echevarría transmitiu ao IESE referindo-se ao trabalho que se realiza neste Instituto e nos centros inspirados no modo de trabalhar do IESE: “Demonstrou-se e continua se demonstrando uma tarefa muito necessária no contexto histórico e assim sempre será. Porque nesse setor de atividade profissional, os cristãos têm que ser e se comportar como sal da terra e luz do mundo (cfr. Mt 5, 13–14)”1 .

As origens do IESE

Sessenta anos já é uma idade considerável, também para uma instituição acadêmica que tem vocação de permanência, que é algo muito diferente da repetição monótona das mesmas coisas ao longo do tempo. Desde o primeiro programa de treinamento executivo que começou em novembro de 1958, o IESE passou por mudanças notáveis. Algumas se percebem em seus edifícios, nos recursos materiais, na estrutura, nas pessoas, nas estratégias e nas políticas e se traduzem em resultados de melhoria profissional, humana e social para os milhares de mulheres e homens que passaram por suas salas de aula e se beneficiaram da marca profunda e fértil que o IESE imprimiu na sociedade.

O que motivou o fundador do Opus Dei a promover a criação do IESE foi, precisamente, o desejo de deixar essa marca na sociedade. O professor Francisco Ponz, Reitor da Universidade de Navarra e que morou em Barcelona nos anos quarenta, disse que em suas viagens a Barcelona naqueles anos, São Josemaria “comentou alguma vez sobre o interesse apostólico de melhorar a formação e a vida cristã de tantas pessoas que na Catalunha se ocupavam de gerir empresas de todos os tipos (...). Fazia ver a transcendência espiritual e social que haveria, se os que tinham a responsabilidade na promoção, direção e desenvolvimento das empresas fossem cristãos exemplares e atuassem de acordo com a sua fé, com bom critério profissional e cristão, de acordo com os ensinamentos e os princípios morais da Igreja, com um espírito de serviço para com os seus funcionários e operários e para com a sociedade em geral, sem se deixar arrastar pelas ambições meramente humanas, pelo simples anseio de um enriquecimento material”2.

Quis utilizar esta longa citação, porque serve muito bem para introduzir o tema que me propuseram desenvolver aqui: O IESE e a função da empresa na sociedade. Logicamente, não vou tratar aspectos técnicos desse tema, que não são de minha competência e nos que vocês são especialistas. Quero fazer, por outro lado, algumas reflexões como Grão Chanceler da Universidade de Navarra, com base na Doutrina Social da Igreja, de acordo com a declaração de missão do IESE: “formar líderes que se esforçam por ter um impacto profundo, positivo e duradouro nas pessoas, empresas e sociedade através da excelência profissional, integridade e espírito de serviço.3

A empresa

Desde o início da Escola, a sua missão concebia a empresa não apenas como um capital que busca gerar um lucro, nem como instalações que dão trabalho a algumas pessoas, nem mesmo como um projeto que presta serviços aos consumidores e aos trabalhadores, mas, acima de tudo, como uma comunidade de pessoas, antecipando-se de alguma forma ao Concílio Vaticano II, que, ao fundamentar toda a atividade econômica na centralidade da pessoa humana, afirmava que “nas empresas econômicas, são pessoas as que se associam, isto é, homens livres e autônomos, criados à imagem de Deus (Gaudium et spes, No. 68). Alguns anos depois, São João Paulo II explicou na Encíclica Centesimus annus que “a finalidade da empresa não é simplesmente o lucro, mas sim a própria existência da empresa como comunidade de homens que, de diversos modos, procuram a satisfação das suas necessidades fundamentais e constituem um grupo especial ao serviço de toda a sociedade” (n. 35).

A empresa é uma comunidade de pessoas que servem outras pessoas dentro de uma sociedade de pessoas.

A empresa é, então, uma expressão da sociabilidade da pessoa, que precisa do relacionamento com outras pessoas para satisfazer as suas necessidades materiais e espirituais, para dar sentido ao seu trabalho, para prestar um serviço aos outros e à sociedade e, em suma, conhecer-se e assim atingir a sua plenitude como pessoa e como filho de Deus. Com palavras de Bento XVI, “a criatura humana realiza-se nas relações interpessoais: quanto mais as vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o homem se valoriza a si mesmo, mas relacionando-se com os outros e com Deus” (Caritas in veritate, n. 53). Como diz um documento recente da Santa Sé, “toda empresa é uma importante rede de relações”4: relações, antes de mais nada, orientadas para dentro, para a intimidade da organização, e depois voltadas para o exterior, para os clientes, fornecedores, investidores e sociedade em geral. A empresa é uma comunidade de pessoas que servem outras pessoas dentro de uma sociedade de pessoas. Só depois de considerar isso, cabe-se falar de capital, instalações, tecnologia e realidades jurídicas.

A partir dessa sociabilidade e caráter relacional, deriva a missão externa da empresa: satisfazer as necessidades de outras pessoas, primeiro através da produção de bens e serviços, mas também de muitas outras maneiras, como a inovação e a criatividade, o desenvolvimento de uma cultura de trabalho e serviço, o cumprimento dos deveres fiscais e sociais, o exemplo de uma dedicação ao serviço e tantos outros, que mostram que a empresa é, em síntese, uma grande transformadora da sociedade, para o bem ou para o mal.

A função da empresa passa assim, pela liberdade e capacidade criativa das pessoas, em primeiro lugar, dos seus proprietários e executivos, mas também de todos os homens e mulheres que se unem para levá-la adiante como empregados, fornecedores, distribuidores e colaboradores externos. Porque essa função social não se limita ao ato criador, mas continua em todas as atividades diárias, no trabalho, alegre e variado numas vezes, monótono e pesado em outras, no esforço contínuo e no exercício das virtudes necessárias para que tudo isso se faça realidade cada dia.

O trabalho humano

É evidente que a empresa é uma área privilegiada para o exercício do trabalho humano. Certamente não é a única área onde está presente, porque o trabalho também preenche as tarefas variadas do lar, da política, da administração pública, da educação e de tantas organizações benéficas e sociais. Não nos admira que São João Paulo II afirmasse que “a riqueza principal do homem é, em conjunto com a terra, o próprio homem” (Centesimus annus, n. 32). Esta é uma declaração ousada, que choca com muitas propostas atuais, talvez bem-intencionadas, mas equivocadas ou, pelo menos, incompletas. Alguns colocam ênfase na técnica, na organização, na eficiência, no dinheiro ou no poder. Outros, em troca, olham com desconfiança para o ser humano como um predador que põe em perigo a sobrevivência do nosso mundo.

Pelo contrário, o Concílio Vaticano II afirma que “a atividade humana, do mesmo modo que procede do homem, assim para ele se ordena. De fato, quando age, o homem não transforma apenas as coisas e a sociedade, mas realiza-se a si mesmo. Aprende muitas coisas, desenvolve as próprias faculdades, sai de si e eleva-se sobre si mesmo. Este desenvolvimento, bem compreendido, vale mais do que os bens externos que se possam conseguir. O homem vale mais por aquilo que é do que por aquilo que tem. Do mesmo modo, tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, mais fraternidade, uma organização mais humana das relações sociais, vale mais do que os progressos técnicos. Pois tais progressos podem proporcionar a base material para a promoção humana, mas, por si sós, são incapazes de a realiza” (Gaudium et Spes, n. 35).

A função da empresa na sociedade, deve ser procurada no serviço à pessoa, que é, ao mesmo tempo, o destinatário, o promotor, o criador e o realizador de tudo o que nossas organizações levam adiante. Porque, ao mesmo tempo em que a pessoa domina a natureza, fabrica coisas e gera riqueza, faz-se a si mesma: se realiza e se desenvolve. Mais uma vez, temos aqui todos os componentes da função social das empresas: as pessoas, o propósito ou objetivo que as move, a direção do projeto e a inserção no amplo âmbito da sociedade em que participam, à que servem, de cujos recursos se nutrem e para cuja prosperidade contribuem. Ao considerar o valor central do trabalho dessa pessoa que é, por sua vez, o centro da empresa e do mercado, São Josemaria propunha descer das alturas da organização até a realidade cotidiana da tarefa profissional, para propor suas três dimensões fundamentais: santificar o trabalho, santificar-nos no trabalho e santificar os outros com o trabalho (Cfr. É Cristo que passa, nº45).

“Se queremos de verdade santificar o trabalho”, nos dizia, “é preciso que cumpramos ineludivelmente a primeira condição: trabalhar, e trabalhar bem! Com seriedade humana e sobrenatural” (Forja, 698). Parece-me ouvir a sua voz quando nos dizia: “Desenterra esse talento! Torna-o produtivo, (...) não interessa que o resultado não seja, na terra, uma maravilha que os homens possam admirar. O essencial é entregar tudo o que somos e possuímos, procurar que o talento renda e empenhar-nos continuamente em produzir bom fruto” (Amigos de Deus, 47).

A empresa, uma realidade positiva

Essas palavras levam de novo a nossa atenção para aquela comunidade de pessoas que é a empresa. Todos aqueles que vão todos os dias a uma delas, fazem-no movidos por razões muito diferentes, das quais, muitas vezes, não são inteiramente conscientes: procuram ganhar a vida e levar a família adiante, querem experimentar satisfações pessoais, aprender conhecimentos e desenvolver habilidades, aproveitar os planos de carreira, fazer amigos, ajudar os outros, sentirem-se úteis, contribuir para o progresso da sociedade... Alguns desses propósitos estão incluídos no contrato de trabalho, mas muitos outros não. Em qualquer caso, nos lugares de trabalho se produz, a cada dia, uma transferência contínua de benefícios.

Recebe-se muito, não apenas um salário, um elogio pelo desempenho ou possibilidades de promoção, mas também conhecimentos, habilidades, relacionamentos, amizades... E, ao mesmo tempo, se entrega muito: tempo, esforço, atenção, entusiasmo, conhecimentos, experiências... Tudo isso é entregue à empresa e a seus proprietários, mas também aos outros executivos e funcionários, clientes, fornecedores e distribuidores, à comunidade próxima, às próprias famílias e à sociedade em geral... E se recebe tudo deles. Entregam-se bens privados, mas também comuns, que fazem parte do bem comum da empresa, a qual contribui para o bem comum da sociedade. Recebem-se bens privados e comuns, bens que são criados com a participação de todos, e dos quais todos se beneficiam.

De modo que, até os mais egoístas, que talvez tenham concebido o seu trabalho exclusivamente como um meio de satisfazer os seus interesses pessoais, acabam servindo aos clientes, ajudando os colegas, se esforçando para melhorar o desempenho dos talentos que Deus lhes deu...

Mas o importante não são os resultados, mas, acima de tudo, a mudança que cada um experimenta em si mesmo. A empresa é, sem dúvida, uma grande transformadora de pessoas, como mencionava antes: para o bem ou para mal.

São João Paulo II dizia que a empresa está configurada como uma comunidade de pessoas que compartilham um mesmo propósito, que é “a própria existência da empresa como uma comunidade de homens” que se unem para prestar um serviço à sociedade (Centesimus annus, n. 35). E os bens gerados nessa comunidade humana não são apenas os próprios das relações comerciais, mas, como sugeriu Bento XVI, “o princípio da gratuidade e a lógica do dom, como expressões de fraternidade, podem e devem ter espaço na atividade econômica diária” (Caritas in Veritate, no. 36).

Pode parecer que esta é uma visão utópica, que as empresas não têm hoje uma boa imprensa e que os meios de comunicação nos lembram os seus erros todos os dias. Existem, é claro, razões para essa visão pessimista, porque conhecemos bem as fraquezas e erros de que os seres humanos somos capazes. Mas esta não é a última palavra.

São Josemaria, que conhecia muito bem esse ambiente, quando visitou o IESE em novembro de 1972, se reuniu com professores e funcionários, alunos e ex-alunos. E o que ele lhes disse? “Muitas vezes, as pessoas olham com desconfiança para vocês, que têm que administrar dinheiro. Eu não (...). A sociedade deve a vocês esses empregos que vocês criam. O país lhes deve a prosperidade. Tanta gente deve a vocês esta promoção da vida nacional. Vocês fazem, portanto, um trabalho muito cristão... admiram-me o seu trabalho, as suas tarefas. (...). Meus filhos, seus negócios estão dentro do Evangelho. O Senhor olha para vocês com carinho (...). Eu também olho para todos vocês com um afeto especial”.

“Não se esqueçam do sentido cristão da vida.
Não se alegrem
com os seus sucessos.
Não se sintam desesperados se algo fracassar”

Mas aquela conversa não terminou com esses elogios aos empresários e executivos, mas lembrou-os de seus deveres: “Não se esqueçam”, acrescentava são Josemaria — “o sentido cristão da vida. Não se alegrem com os seus sucessos. Não se sintam desesperados se algo fracassar”, disse ele. Isto é, recordava-lhes que é legítimo tentar alcançar um rendimento satisfatório para o capital, mas evitando sempre a tentação de buscar dinheiro, o poder e o sucesso pessoal acima de tudo. Quando, naquela reunião de 1972, um ex-aluno perguntou a são Josemaria qual é a primeira virtude que um empresário tem que se esforçar para adquirir, ele respondeu imediatamente, como algo que tinha muito assumido: “A caridade, porque só com a justiça não se chega (...) A justiça sozinha é uma coisa seca, ficam muitos espaços sem preencher”. E acrescentou: “Mas não fale sobre a caridade: viva-a!” Alguns anos depois, Bento XVI, na Encíclica Caritas in Veritate, expressou desta forma: “A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é ‘meu’; mas nunca existe sem a justiça (...) Não posso ‘dar’ ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça (...) a caridade supera a justiça e a completa seguindo a lógica da entrega e do perdão” (n º 6).

Agora é provável que a linguagem no mundo dos negócios seja diferente: a justiça e a caridade deram lugar à responsabilidade social, a solidariedade e a sustentabilidade. Mas a mudança na terminologia não deve esconder a realidade. Às vezes, as ideologias e a mídia querem nos apresentar a moral cristã como um conjunto de proibições, cargas, obrigações, que acabam nos sufocando. Ou como algo particular, que cada um pode viver em sua casa com a porta fechada, mas não deve sair para fora, porque não tem lugar nos debates públicos. Ou se apresentam os problemas econômicos como algo meramente técnico, para o qual são suficientes soluções técnicas sem ter que despertar a consciência das pessoas.

Agora, se a empresa é uma comunidade de pessoas, não é válido julgá-la apenas por uma parte de seus resultados, apenas por aqueles que têm uma dimensão econômica, em termos de benefícios, rentabilidade, eficiência ou cota de mercado. As pessoas, como lembramos antes, devem ser protagonistas e destinatários das ações que se realizam nas empresas. Devemos considerar esse papel, não em terceira, mas em primeira pessoa, porque nós, todos e cada um de nós, temos um papel a desempenhar na vida diária. Escutemos de novo São Josemaria: “Deus os chama a servi-Lo em e a partir das tarefas civis, materiais, seculares da vida humana. Deus nos espera cada dia: no laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no seio do lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Não esqueçamos nunca: há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, algo que a cada um de nós compete descobrir” (Entrevistas com Mons. Escrivá, nº 114).

Esse “algo santo, divino escondido nas situações mais comuns” é, na sua realidade mais íntima, o amor de Deus, que nos precede, nos acompanha e segue sempre; é o próprio Deus, porque “Deus é amor” (Jo 4, 8). Essa chamada a descobrir em tudo o amor de Deus e corresponder a esse amor é, em suma, a vocação universal à santidade, que Deus fez São Josemaria ver, em 1928, quando lhe inspirou o Opus Dei. Ele queria que chegasse a todos aquela mensagem de são Paulo: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (I Tess, 4, 3), e isso no trabalho, na vida cotidiana, porque “plenamente mergulhado no seu trabalho diário entre os demais homens, seus iguais, atarefado, ocupado, em tensão — concluía são Josemaria —, o cristão tem que estar ao mesmo tempo totalmente mergulhado em Deus.” (É Cristo que passa, nº 65). “Só assim poderemos empreender essa tarefa grande, imensa, interminável: santificar por dentro todas as estruturas temporais, levando até elas o fermento da Redenção” (Ibid., 183).

Vocês devem ter notado que todas essas considerações foram mudando de nível. Começaram tratando de motivações econômicas e extrínsecas. Depois passaram a outras intrínsecas e sociais, e então se referiram a uma dimensão transcendente, que é orientada aos outros e, finalmente, a Deus. Talvez nos trabalhos profissionais os passos visem cumprir com o previsto no contrato de trabalho, para ter direito à remuneração combinada, mas logo se descobre que o trabalho muda por dentro, gera conhecimentos e habilidades, adquire um novo sentido... e se descobre o serviço aos outros, a colaboração em tarefas comuns, a consciência de fazer parte de uma realidade superior, que, efetivamente, abre novos horizontes... até chegarmos a Deus, como o fim da nossa vida.

Volto a outras palavras de São Josemaria, numa homilia que ele proferiu no dia 8 de outubro de 1967 no campus da Universidade de Navarra: “Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar o Senhor em nossa vida de todos os dias, ou não O encontraremos nunca. Por isso, posso afirmar que nossa época precisa devolver à matéria e às situações aparentemente mais vulgares seu nobre e original sentido: pondo-as ao serviço do Reino de Deus, espiritualizando-as, fazendo delas meio e ocasião para o nosso encontro contínuo com Jesus Cristo” (Entrevistas com Mons. Escrivá, nº 114).

O executivo cristão

Mas voltemos àquela comunidade de pessoas que é a empresa, que acabamos de apresentar como uma transformadora da sociedade, porque é transformadora das pessoas. Agora quero me referir brevemente a vocês, alunos e ex-alunos que dirigem essas organizações, e professores e funcionários das Escolas, cuja principal tarefa é formar e desenvolver as habilidades, conhecimentos e virtudes daqueles que dirigem essas empresas. Tomarei como ponto de partida algumas palavras do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, que diz o seguinte: “O papel do empresário e do dirigente tem uma importância central do ponto de vista social, porque situam-se no coração da rede de vínculos técnicos, comerciais, financeiros e culturais, que caracterizam a realidade moderna da empresa” (nº 344). À primeira vista, parece ser um enfoque eminentemente técnico, mas invoca imediatamente a responsabilidade dessas pessoas e, especialmente, o cuidado das pessoas. O Papa Francisco expressa de maneira mais direta: “A vocação de um empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos” (Evangelii Gaudium, n. 203).

Qual é a principal tarefa do executivo de uma empresa? Perdoem-me que me intrometa no que é sua tarefa. Certamente essa tarefa é convocar, formar, orientar, exigir, encorajar, cuidar e, às vezes, curar essa equipe humana que é a que irá realizar as atividades da empresa. Naturalmente, uma única pessoa não pode cuidar de todas estas funções, a menos que se trate de uma microempresa. Mas especialmente se se trata de uma equipe humana, em que as tarefas são divididas entre todos os executivos, nenhum, por mais técnico que seu trabalho pareça, pode negligenciar a sua responsabilidade para com as pessoas. Claro, não há que se esquecer de outras tarefas fundamentais geralmente confiadas a um executivo, como planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar. Mas essas tarefas também ocorrem sempre mediante relacionamentos interpessoais. A empresa é, em última instância, um lugar de convivência, e isso depende de todos, mas principalmente daqueles que a dirigem. Daí a necessidade de que os executivos tenham consciência de que cada pessoa é importante, não só nem principalmente pelo que contribui para a empresa, mas pelo que ela é em si mesma.

Se isso é assim de uma perspectiva simplesmente humana, mais decisivo é para uma perspectiva especificamente cristã. E, de modo mais geral, com palavras de São Josemaria: “um homem e uma sociedade que não reajam perante as tribulações ou as injustiças, e não se esforcem por aliviá-las, não são nem homem nem sociedade à medida do amor do Coração de Cristo” (É Cristo que passa, nº 167).

Mas, em todo caso, não devemos ser utópicos: o bom executivo terá defeitos, como todos. Cometerá erros, mas deve reconhecê-los e retificar: voltará a começar, sem ceder ao desânimo. “O cristão não é nenhum colecionador maníaco de uma folha de serviços imaculada”. (É Cristo que passa, n. 75), e sempre age com liberdade, porque Deus “não deseja servos forçados, prefere filhos livres” (Amigos de Deus, nº 33).

Que as pessoas que desempenham funções diretivas na empresa incluam em sua vida uma dimensão espiritual, não é necessário vê-lo como um acréscimo de práticas introduzidas na agenda, mas algo que faz parte da maneira de ser e agir da pessoa. Essa dimensão espiritual pode ter aspectos muito variados. Uma, por exemplo, é a unidade de vida: ter claros seus princípios e critérios de decisão e ser coerentes na sua aplicação. Outro aspecto, fundamental para um cristão, é o esforço positivo por santificar o trabalho profissional: não só fazê-lo bem tecnicamente, mas como uma oferta a Deus em serviço aos outros.

O futuro

Mas em um ambiente muitas vezes bastante laicista, em uma sociedade que, com frequência, parece valorizar o sucesso fácil, o acúmulo de riqueza e poder em um ambiente individualista, subjetivista e utilitarista, em que a concepção ética dominante leva, de fato, ao relativismo ... há espaço para uma Escola de direção que parte de uma proposta de inspiração cristã como esta? A resposta é clara: sim. E os sessenta anos de existência de IESE são uma amostra de como uma concepção cristã da vida não é apenas compatível, mas um fundamento excelente para um modo de entender a empresa e a sua função, que orienta a formação e o desenvolvimento de executivos que aspiram à excelência técnica e também humana.

O IESE, como parte da Universidade de Navarra, não tem uma concepção própria das teorias econômicas ou sociais: há muitas teorias que são compatíveis, em maior ou menor grau, com os parâmetros antropológicos e éticos da Doutrina Social da Igreja Católica. Na declaração de missão do IESE somente se afirma que “os valores éticos e morais da escola se baseiam na tradição cristã. Estes valores sublinham os direitos e a dignidade intrínsecos a cada pessoa, que consideramos o eixo de qualquer organização e da sociedade em geral”. E, em outro lugar: “cultivamos a integridade, o espírito de serviço, a excelência profissional e o senso de responsabilidade nas pessoas que passam pela nossa escola”. Esses são valores, fundamentados na verdade cristã, que podem ser compartilhados por pessoas de qualquer credo e também por pessoas sem religião.

Em todo caso, o conteúdo humanista e ético que é ensinado no IESE não é uma alternativa à qualidade profissional que vocês promovem entre os empresários e executivos, mas fazem parte disso: além disso, a falta de algumas virtudes e valores podem ser um indicador de qualidade profissional deficiente, quando se trata de medir não apenas resultados externos (renda, lucros, valor de vendas, reputação, reconhecimento social, etc.), mas também pelo aprendizado interno (virtudes), sua capacidade de transformar a pessoa e sua influência em outras pessoas (colegas, funcionários, etc.).

Para quem trabalha agora no IESE ou em outras escolas inspiradas por um ideário como o seu, e para aqueles que virão nos próximos anos, podem ajudar algumas palavras de São Josemaria, dirigidas à Universidade em geral, são totalmente atuais para uma instituição como o IESE, que faz parte da Universidade de Navarra. “A Universidade — dizia o primeiro Grão-chanceler — não vive de costas para a incerteza, para a inquietação, ou às necessidades dos homens. Não é sua missão oferecer soluções imediatas. Mas, ao estudar os problemas com profundidade científica, também remove corações, estimula a passividade, desperta forças adormecidas e forma cidadãos dispostos a construir uma sociedade mais justa. Contribui assim com seu trabalho universal para remover barreiras que dificultam a compreensão mútua dos homens, para aliviar o medo diante do futuro incerto, para promover — com amor à verdade, à justiça e à liberdade — a paz verdadeira e concórdia dos espíritos e das nações” (discurso em Pamplona, 9–V–1974). Quanta atualidade têm essas palavras pronunciadas há mais de um quarto de século!

Esta é a tarefa que corresponde a vocês, professores, executivos e funcionários, alunos e ex-alunos do IESE, assim como aqueles que hoje se unem a esta festa de aniversário e que desenvolvem sua atividade em outras Escolas e Universidades.

No princípio, eu dizia que sessenta anos já é uma idade respeitável para uma instituição acadêmica. O IESE fez um bom trabalho e eu os parabenizo por isso. Mas ainda há muito a ser feito: novas gerações chegam todos os dias às suas salas de aula, seus programas estão se multiplicando, vocês estão abarcando cada vez mais países na sua atividade, seus trabalhos de pesquisa recebem merecidos elogios...

Nesse ponto, lembro-lhes novamente o que São Josemaria disse aos empresários e executivos na reunião de novembro de 1972: “Não se alegrem com seus sucessos. Não se sintam como desesperados se algo fracassar. Não esqueçam o sentido cristão da vida”. É com este sentido, que vocês poderão — poderemos — enfrentar sempre também o trabalho “alegres na esperança” (Rom 12, 12), como São Paulo escreve aos romanos.


1 “Dirigir empresas con sentido cristiano”, em Dirigir empresas con sentido cristiano. Pamplona: EUNSA, 2015, pp. 47–48.

2 Relato testemunhal de Francisco Ponz Piedrafita, outubro de 1998. Francisco Ponz foi Catedrático de Organografia e Fisiologia Animal na Universidade de Barcelona entre 1944 e 1966, e Reitor da Universidade de Navarra desde 1966 até 1979.

3 Ver https://www.iese.edu/es/conoce-iese/mision-valores/.

4 Congregação para a doutrina da fé e Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral, Oeconomicae et pecuniariae quaestiones. Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico e financeiro. 17 de janeiro de 2018, n. 23.