As três perguntas de Montse Grases

José Carlos Martín de la Hoz conta alguns aspectos destacados da vida cristã de Montse Grases, uma jovem que respondeu à chamada de Deus e procurou enfrentar uma doença grave com serenidade e espírito cristão.

José Carlos Martín de la Hoz, Diretor do Departamento para as Causas dos Santos do Opus Dei e Postulador diocesano da Causa de beatificação de Montse Grases resume a sua biografia, os traços mais destacados da sua personalidade e a doença.


Montse Grases García (1941-1959) era uma jovem catalã muito normal e era a segunda de nove irmãos, que tinham crescido no seio de uma família cristã de Barcelona. De acordo com o que contam as pessoas que a conheceram, era muito dinâmica, tinha muitas amigas, era engraçada, divertida e com muito sentido de humor.

Muitas vezes, desde a minha juventude, pensei na vida de Montse e quando me sugeriram falar sobre ela, vieram-me em seguida à cabeça as perguntas de Montse como fio condutor. É verdade que temos muitos testemunhos sobre ela na postulação da sua Causa de canonização, mas temos poucos escritos e reflexões dela. Por isso, proponho recordar nestes próximos minutos a vida desta venerável Serva de Deus, com base na referência às três perguntas que fez, primeiro a si própria e depois a Deus.

1ª pergunta: O que Deus quer de mim?

A primeira pergunta poderia consistir na que toda a pessoa jovem que conheceu Jesus Cristo na sua infância e sempre ouviu falar d'Ele, costuma se fazer desde a juventude: O que Deus quer de mim?

Sabemos que Montse começou a se fazer essa pergunta muito cedo, como todas as jovens da sua época. Quando teve a maturidade necessária para distinguir o importante do acessório, o essencial do acidental, começou a se perguntar sobre a vocação, o sentido da vida que Deus previu amorosamente para cada pessoa que trouxe ao mundo. Isto é, o caminho para as fazer felizes. Deus criou o mundo por amor e para nos amar.

Em outubro de 1955, Montse foi pela primeira vez a Llar, um centro do Opus Dei para jovens em Barcelona. Aí fez muitas amizades e participava com elas em diversas atividades educativas, esportivas, aulas de piano e sobretudo conversava e ria com todas.

Depois dalgum tempo começou a assistir a umas palestras de formação humana e cristã e aprendeu a dirigir-se a Deus com muita confiança, com intimidade e cumplicidade e, de fato, começou a frequentar os sacramentos, a oferecer a Deus o estudo, a preocupar-se mais pelos outros, a ajudar em casa sorrindo e descobriu a transcendência da amizade.

No outono de 1956, com 15 anos, decidiu fazer seu primeiro retiro com algumas amigas do Club Llar numa casa de retiros muito bonita do Opus Dei, nos arredores de Barcelona.

É preciso reconhecer que não estiveram muito concentradas nesses dias, certamente por terem uma idade muito parecida e muita vontade de se divertirem; chegaram a quebrar uma cama pulando em cima...

Montse tirou muito bons propósitos desses dias e, acima de tudo, muitas novas amigas que encontrava na sala de estudo de Llar, nos passeios pela cidade, excursões à montanha e também nos campeonatos de basquete. Enquanto isso, continuava a rezar e a procurar a vontade de Deus para ela.

No ano seguinte, em novembro de 1957, fez um segundo retiro, desta vez mais amadurecida. É interessante a mudança que se realiza quando alguém passa de refletir sobre o futuro da sua vida a perguntar diretamente a Deus “que queres que façamos?”. Montse recordava sempre que se gravou no seu coração uma inquietação a dar tudo, para viver tudo. São momentos de especial intimidade, muito difíceis de exprimir, mas que enchem o coração de alegria e inquietação. Algo como pular na piscina ou descer numa pista de esqui, mas “para toda a vida”, não como no verão ou nas excursões à neve.

Aquilo era um presente de Deus, no bom sentido, quer dizer, a sorte grande da loteria sobrenatural e perante essa generosidade de Deus não havia mais opções senão corresponder com a generosidade de lhe dar a vida toda, inteira e para sempre. Mas os homens são capazes de fugir ao assunto da maneira mais imprevisível, e Montse começou a se enrolar com um monte de perguntas que tentaram apagar a pergunta formulada e sobretudo respondida com: E se eu não for capaz, e se não conseguir, e se não tiver ouvido bem, e se for muito jovem, inexperiente, imatura, e se eu estiver errada, e se eu não tiver virtudes...

À base de ir se fazendo perguntas, passaram várias semanas; ela continuava a rezar, a falar com Jesus, a crescer na sua vida espiritual, nos estudos, querendo bem aos pais e irmãos, às amigas. O modo de encontrar a vocação é amando, portanto, enquanto amasse, continuava se preparando para ouvir a voz de Deus e segui-la.

E durante esse tempo, Montse se concentrou nos seus estudos e na vida de piedade; ajudava em casa, tinha muitas amigas e fazia sempre programas com elas em Llar e com as amigas de verão.

Deus fez com que o que tinha começado sendo uma possibilidade acabasse sendo a chave da felicidade e o caminho para ser feliz na terra e muito feliz no céu. Para sempre.

Com efeito, em 24 de dezembro de 1957, pouco antes da noite de Natal, Montse foi a Llar fazer um tempo de oração para se preparar para o Natal e depois voltar rapidamente a casa para ajudar a mãe a preparar o jantar. Durante a conversa com Jesus voltou a fazer a pergunta de sempre, esperando a resposta de sempre e, portanto, com as suas evasivas de sempre, isto é, nada de especial; mas desta vez ficaram gravadas na sua alma umas palavras: “Quem chama dá a sua graça”. Perante isto, decidiu não continuar mais com as evasivas e confiar no que Ele tinha pensado e assim dizer que sim e pular na piscina. A entrega, com efeito, é dizer que sim e a fidelidade é dizer que sim em cada momento.

Quando acabou de escrever uma carta familiar a São Josemaria pedindo a admissão como numerária do Opus Dei, saiu para a rua muito contente e entusiasmada. Descobriu que Barcelona estava mais bonita que nunca e que o Natal que iria celebrar nesse dia ia ser o mais belo da sua vida, porque agora tudo era novo.


2ª pergunta: Por que minha perna está doendo?

Algum tempo mais tarde, propuseram a Montse a possibilidade de ir com outras jovens da sua idade morar em Paris e ajudar a montar a Residência universitária que estava sendo instalada nessa cidade. Podemos imaginar a sua alegria e entusiasmo. Tratava-se verdadeiramente de uma aventura humana e sobrenatural: começar o trabalho apostólico das mulheres do Opus Dei na França.

Este episódio é pouco conhecido; primeiro, porque foi um entusiasmo que durou pouco tempo e, sobretudo, porque logo depois deu lugar à época de maior e mais rápido amadurecimento da vida de Montse.

No entanto, faltavam ainda muitos meses para esta nova aventura que se acrescentava à de ser santa no meio do mundo, portanto ela tinha que colocar os pés no chão e rezar muito, tirar boas notas nos estudos que estava fazendo, aprender francês, ajudar em casa e, acima de tudo, continuar a fazer muitos programas com as amigas.

Num daqueles domingos serenos de Barcelona, com bom tempo e uma suave brisa do mar, Montse e as amigas foram à montanha e passaram um dia maravilhoso no campo, depois de ir à Missa e tomar o café da manhã no caminho. O almoço, cheio de risos nos cumes dos Pireneus, preencheram aquele dia, em que rezaram, cantaram e caminharam.

No caminho de volta, sentia uma dor forte na perna, que não era constante, mas que não passava nunca. Podia ser mais forte ou mais fraca, mas dia após dia, ao levantar-se da cama, doía sempre. Quando lhe perguntavam, disfarçava e brincava com o assunto, dizendo: “que teatreira!”. A brincadeira vinha a propósito, pois estavam preparando uma peça de teatro, em que faria o papel de avó, porque o mancar se tinha instalado na sua vida.

Então perguntou a Jesus porque doía tanto a sua perna. O Senhor mostrou-lhe, com toda a naturalidade, que tinha permitido aquela doença porque desejava que avançasse na sua vocação com essa dor da perna, e que Ele a ajudaria, ou seja, entendeu o sentido purificador da penitência e que com tanto amor agradava muito a Deus, pois mostrava o quanto Lhe queria.

Naqueles meses também aconteceu um episódio muito expressivo. Montse ligou para a capitã da sua equipe de basquete e a encontrou para conversar. Logo que se cumprimentaram, contou-lhe as suas dores na perna e comunicou-lhe que não poderia voltar a jogar basquete e, portanto, faltaria aos treinos e aos jogos, ainda que tentasse assistir de vez em quando, para animar a equipe.

Até então, tinha tido poucas conversas com ela, além de serem colegas do mesmo time. Entendeu imediatamente a situação e tornaram-se amigas. Fizeram um curto passeio e Montse, ousadamente, convidou-a a ir com ela a Llar e participar num momento de oração, uma meditação, pregada por um sacerdote e depois assistir à exposição e bênção com o Santíssimo. Aquela amiga sentia-se tão bem junto de Montse, que aceitou, apesar de não praticar muito a religião.

De fato, a meditação e a bênção foram muito bonitas e as duas desfrutaram muito desse tempo de oração. O mais impressionante foi que, ao terminar, o sacerdote saiu da sacristia e foi para o confessionário. Nesse momento, Montse lançou-se e animou a amiga a falar com o sacerdote. A cara radiante da amiga depois de falar um tempo com o sacerdote exprimia a alegria da sua alma. Foram comemorar juntas. Enquanto dava graças a Deus, Montse entendeu a importância de apoiar o trabalho apostólico com oração e penitência e assim amar muito mais às pessoas que conhecia.


3ª pergunta: E se cortarem a minha perna?

De qualquer modo, as dores na perna de Montse não melhoravam, mas agravavam-se, sobretudo depois de a engessarem. Teve que oferecer a Deus a dor de não ir para Paris, enquanto continuava fazendo muitos exames e os médicos procuravam a origem do mal.

Um dia, Montse, por causa do sofrimento que se notava na cara dos pais, percebeu que eles estavam escondendo algo dela e uma noite não saiu do quarto deles, até que não tiveram outro remédio senão dar-lhe as más notícias que chegavam: comunicaram-lhe que se tratava dum sarcoma de Ewing, que o prognóstico era mortal e que, infelizmente, tudo seria muito rápido.

Este é o momento histórico em que Montse formula a terceira e última pergunta: “E se cortarem minha perna?”. A resposta do pai foi direta: “está espalhado, a morte já é certa. É questão de meses”. Nesse momento, com toda a naturalidade, ela aceitou a vontade de Deus: “abandona a sua vida nas mãos de Deus”, deu um abraço e um beijo aos pais e foi para o seu quarto.

Quando a mãe, passados poucos minutos, foi à cabeceira da sua cama, pensando que estaria a chorar, descobriu que Montse tinha feito o seuexame de consciência, tinha rezado três Ave Marias como de costume e estava adormecendo. Sua mãe ficou com ela por um tempo, até que adormeceu, aceitando serenamente a vontade de Deus.

Era o dia 10 de julho. Com efeito, Montse tinha amadurecido tanto no amor de Deus e a sua resposta à vocação fora tão generosa, que Deus aceitara os prazos e os tempos da sua santidade e preparava-a para ir para o céu para sempre.

Os pais decidiram que podiam dar uma alegria a Montse e ofereceram-lhe de presente uma viagem a Roma, para conhecer São Josemaria e rezar junto do túmulo de São Pedro no Vaticano e assim poder oferecer em direto as suas dores pelo Papa, a Igreja e a Obra. Tudo se organizou em pouco tempo e pôde estar em Roma de 11 a 17 de novembro de 1958. Tudo passava muito depressa.

Aqueles dias, apesar das dores, foram felicíssimos, pois pôde rezar no Vaticano, passear por Roma e, sobretudo, cumprimentar São Josemaria, com quem esteve muito tempo e que, apesar da emoção do momento, quis tirar algumas fotografias com ela.

É comovedor ver agora essas fotografias, pois São Josemaria estava acompanhado pelo Bem-Aventurado Álvaro e a Secretária Central, Encarnita Ortega, que também está em processo de beatificação. Foi, realmente, estar entre pessoas muito próximas de Deus.

São Josemaria comoveu-se perante a fortaleza e o sentido sobrenatural de Montse e pediu a Encarnita que a preparasse para a morte que, efetivamente, adviria poucos meses mais tarde. Quando Encarnita falou com ela, descobriu a riqueza interior daquela jovem e ficou também comovida.

Enquanto ia dum lado para o outro, Montse, discretamente, baixava-se e ia apanhando tampas de garrafas que foi guardando no bolso do casaco, como lhe tinha pedido um dos seus irmãos. Com efeito, quando regressou a Barcelona, no aeroporto estava a família toda para abraçá-la e o irmão sorriu, quando enfiou a mão no bolso do casaco da irmã e tirou uma pilha de “tampinhas de garrafa italianas”.

Montse foi-se apagando como uma vela, enquanto recebia pessoas, cumpria o seu plano de vida espiritual e procurava sorrir e oferecer as dores a Deus pelas grandes e pequenas intenções que se ia propondo. Na noite antes de falecer, anotou na sua agenda um propósito de amor na luta espiritual: “tenho que ser mais ordenada”. Com essa simplicidade de amor e alegria entregou a sua vida a Deus em 26 de março, precisamente na Quinta-feira Santa de 1959.

Em 16 de abril de 2016, o Santo Padre Francisco nomeou Montse Grases Venerável Serva de Deus e a propôs ao povo de Deus como modelo de santidade e intercessora junto de Deus.

Peçamos muitas graças ao Senhor por intercessão de Montse, graças e favores, grandes e pequenos, de modo que rapidamente o Senhor conceda um milagre com que possa ser beatificada e outro para ser canonizada e assim poder difundir a sua devoção no mundo inteiro e que Deus seja mais louvado e glorificado.