A santidade não é coisa para privilegiados

Uma entrevista com Mons. Fernando Ocáriz, vigário geral do Opus Dei, sobre a relação do cristão com a política de acordo com o Bem-aventurado Josemaría Escrivá.

Mons. Fernando Ocáriz com participantes do congresso 'A grandeza da vida cotidiana'

"A santidade não é coisa para privilegiados (...) O Senhor nos chamou para recordar a todos que, em qualquer estado e condição, no meio dos nobres afazeres terrenos, podemos ser santos: que a santidade é possível". Assim escreveu numa carta, em 24 de março de 1930, o Bem-aventurado Josemaria Escrivá, cujo centenário de nascimento foi celebrado no dia 9 de janeiro. O Opus Dei (hoje Prelazia) o recordou com um Congresso internacional em Roma, de 8 a 12 de janeiro, que teve como tema "A grandeza da vida cotidiana" e que se abriu com uma conferência do atual Prelado, D. Javier Echevarría. Ao longo do Congresso, os 1.200 participantes de 57 países puderam aprofundar, entre outras coisas, em temáticas como a família, o desenvolvimento, a educação e a integração social sob a luz da mensagem do fundador. Foi notável a celebração eucarística que se realizou na quarta-feira, dia 9 de janeiro, na basílica de Santo Eugênio, presidida pelo cardeal Camillo Ruini e embelezada pela música do maestro Pablo Colino, que, também, no dia seguinte, à noite — com o coro da Academia Filarmônica Romana, o da "Capella Giulia" e a orquestra "Gli amici dell'armonia" — entusiasmou os congressistas com um concerto de músicas de Natal, peças corais clássicas e outras melodias de que Escrivá gostava (como a "Canção do Semeador", a verdiniana "O Signore, dal tetto natio" ou a vencedora do festival de San Remo "Aprite le finestre al nuovo sole").

Foi importante nessas celebrações o aspecto social. Os fundos arrecadados por ocasião desse concerto foram destinados ao "Centre Hospitalier Monkole" de Kinshasa. Por outro lado, numa conferência de imprensa, foram apresentadas várias iniciativas no campo da saúde e da educação no Congo, Nigéria, Peru, Colômbia, Venezuela, Polônia, Espanha, Uruguai e México.

Entre as diferentes conferências e painéis, causou-nos uma particular impressão, pelo seu rigor, a do Vigário geral da Prelazia, Mons. Fernando Ocáriz, de 58 anos, a quem pedimos, na entrevista que nos concedeu na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, que nos precisasse o alcance de algumas das afirmações do Bem-aventurado que se referem às relações entre o Opus Dei, a Igreja e a política: que nos esclarecesse, por dizê-lo em poucas palavras, como se configura o "anticlericalismo bom" de Josemaria Escrivá.

Mons. Ocáriz, na sua conferência o senhor falou do pensamento do Bem-aventurado Escrivá sobre um tema que é central na vida de um leigo cristão: a sua relação com a sociedade civil. O Bem-aventurado, por exemplo, na célebre homilia "Amar o mundo apaixonadamente", manifestou a necessidade de se ter 'mentalidade laical' também nas questões políticas. O que significa isso, exatamente?'

Significa, a meu ver, ter compreendido profundamente as consequências implícitas na vocação cristã dos fiéis leigos: como ensina o Concílio Vaticano II, os leigos têm a missão específica de "procurar o Reino de Deus tratando das coisas temporais e orientando-as de acordo com Deus". Por isso, quando atua nas questões políticas, o cristão as encara na perspectiva da responsabilidade que lhe compete enquanto cidadão e da missão que, enquanto cristão, lhe é própria. Nos ensinamentos do Bem-aventurado Josemaria, a mentalidade laical está tão longe do laicismo quanto do clericalismo, precisamente porque envolve a consciência de ter de atuar, nas questões temporais (profissionais, sociais, políticas...) com competência profissional e com espírito cristão, isto é, de acordo com Deus e a serviço do próximo.

Segundo o Bem-aventurado Escrivá, uma das consequências de uma coerente 'mentalidade laical' no campo da política é "ser o suficientemente honrados para assumir a própria responsabilidade pessoal". Na prática, o que isso significa?

Significa, evidentemente, não pretender descarregar sobre os outros, ou sobre a Igreja, as consequências das próprias decisões. Além disso, eu diria que significa também não ter medo — ou, se este aparece, superá-lo — de dar um testemunho pessoal claro em defesa da verdade e da justiça, também quando, em certos ambientes, uma conduta desse estilo possa parecer perigosa para a própria carreira profissional ou política. O católico há de procurar sempre promover a concórdia, a serenidade e a abertura de espírito na discussão das opiniões; mas não à custa de reduzir o cristianismo ao âmbito estritamente privado, porque, nesse caso, o próprio bem temporal, terreno, da sociedade civil ficaria seriamente comprometido.

Outra consequência, segundo o Bem-aventurado Escrivá: "ser suficientemente católicos, para não nos servirmos de nossa Mãe a Igreja, misturando-a em partidarismos humanos". O que significa isso, Mons. Ocáriz? Seria distanciar-se dos partidos explicitamente católicos?

"Não nos servirmos da Igreja" não quer dizer negar, por princípio, a oportunidade de que existam partidos explicitamente católicos. Significa recordar aos católicos que atuam na política, e também aos não católicos, que não devem imiscuir a Igreja na defesa de interesses partidários. Ou seja, é preciso respeitar a liberdade da igreja no cumprimento da sua missão e, ao mesmo tempo, defender a legítima autonomia das realidades temporais, de tal modo que os leigos as santifiquem sem se servirem da Igreja: não devem esperar receber dela nada mais — e nada menos — que a Palavra de Deus e os Sacramentos. Isto compreende também a justa defesa da liberdade pessoal dos cristãos em todos aqueles campos que o Senhor deixou à livre opinião dos homens, e este é outro aspecto no qual a pregação do Bem-aventurado Josemaria foi clara e incisiva: nunca deixou de repetir que ninguém pode pretender reduzir a fé a uma ideologia terrena, nem considerar-se investido do poder de desqualificar aqueles que não pensam como ele em matérias que, pela sua própria natureza, admitem diversas soluções conformes com a doutrina de Cristo.

O espiritualismo, o materialismo e o clericalismo são alguns dos possíveis obstáculos à conformação de uma verdadeira "mentalidade laical". A propósito do clericalismo, o senhor falou na sua conferência do 'anticlericalismo bom' promovido pelo Bem-aventurado. Em que sentido se pode pôr em prática um 'anticlericalismo bom'?

O anticlericalismo 'bom', ao contrário do anticlericalismo 'mau', nasce do amor à Igreja; e em particular, do amor ao sacerdócio, unido a uma compreensão profunda do papel eclesial dos leigos. Este anticlericalismo 'bom' tem muitas consequências práticas, e todas elas se opõem ao clericalismo nas suas diversas formas. Parece-me que um dos seus elementos essenciais é a recusa a tudo aquilo que comporta, tanto na atividade do fiel leigo como na do sacerdote, o uso de uma missão sacra para uma finalidade terrena.

Mons. Ocáriz, poderia precisar mais?

O leigo, por exemplo, não pode pretender servir-se da hierarquia eclesiástica, ou simplesmente da sua própria condição de católico, para obter vantagens profissionais imerecidas; do mesmo modo, o sacerdote não pode pretender reduzir a função dos leigos à de simples colaboradores das atividades eclesiásticas. Certamente, a colaboração dos leigos nas funções próprias do sacerdote — dentro de certos limites — é possível e, às vezes, muito oportuna. No entanto, como ensina o Bem-aventurado Josemaria — e o Concílio Vaticano II definiu — é evidente que o específico dos leigos não é participar das funções dos ministros sagrados, mas atuar livre e responsavelmente nas estruturas temporais, vivificando-as com o fermento da mensagem de Cristo. Isto, no entanto, não significa que haja separação — e menos ainda oposição — entre a missão dos pastores e a missão dos leigos.

O Bem-aventurado Escrivá consideraria como clericais as atuações dos pastores da Igreja que dão indicações aos cristãos quando, na política, se tramitam decisões importantes em matéria moral e social?

De maneira alguma. A função magisterial é parte integrante, irrenunciável, da missão dos bispos, que devem pregar o Evangelho com todas as suas implicações morais e sociais. Naturalmente, em circunstâncias normais os seus ensinamentos centram-se nos princípios doutrinais e nas principais consequências de ordem prática. Para colocar um exemplo concreto, seria absurdo falar de 'clericalismo' a propósito do discurso papal do último dia 28 de janeiro, no qual João Paulo II afirmou que a lei civil deve proteger o matrimônio indissolúvel. Por outro lado, em circunstâncias excepcionais os bispos também podem ter o dever de pedir aos católicos que mantenham uma concreta unidade de ação política: mesmo que em circunstâncias normais tal unidade não seja necessária, pode sê-lo para a liberdade da Igreja, quando esta se vê ameaçada por uma ideologia totalitária. Se a hierarquia episcopal de um país decidisse intervir desse modo, a sua atitude não seria uma manifestação de clericalismo, mas de coerência com o cumprimento de um aspecto da sua missão pastoral.

Mons. Ocáriz, o Opus Dei pode ser considerado um verdadeiro partido de católicos, ainda que não institucionalizado?

Não, de forma alguma. Cada fiel da prelazia tem as suas próprias e pessoais convicções políticas, científicas, culturais ou artísticas, assumidas em nome da mesma liberdade de que gozam os outros cidadãos cristãos comuns: isto é, sem outros limites que os que derivam da fé e da moral católica. O Bem-aventurado Josemaria afirmava que se no Opus Dei se houvesse tentado simplesmente sugerir a adesão a uma determinada linha política, ele teria sido o primeiro a deixar a Obra. Mesmo nas questões teológicas opináveis o Bem-aventurado Josemaria proibiu expressamente que fosse configurada uma doutrina própria do Opus Dei. No que se refere à militância política, não só em teoria, mas também de fato, existe uma notável variedade de opiniões entre os fiéis do Opus Dei.

Poderia dar-nos algum exemplo concreto?

Por exemplo, nos Estados Unidos encontramos fiéis que simpatizam com os democratas e outros com os republicanos. Análoga é a situação na Grã-Bretanha, onde há partidários do partido conservador e do trabalhista. Na Espanha dos anos cinquenta e sessenta, além dos fiéis que, junto com muitos outros católicos, colaboraram com o regime de Franco, havia outros que se viram obrigados a se exilarem por causa da sua atividade na oposição. Todos eles tinham e têm em comum, entre si e com todos os que se esforçam por ser bons cristãos, o empenho de servir fielmente a sociedade encarando os problemas humanos não só com competência profissional, mas sobretudo sob a luz do Evangelho.

    Giuseppe Rusconi // Revista Il Consulente RE (Milão)