Amor à Igreja, responsabilidade na Igreja

A Igreja é muito mais que uma instituição humana, é, “um povo reunido em virtude da unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. E por isso todos os batizados têm a missão de anunciar a Cristo, de dá-lo a conhecer com a sua palavra, de dar testemunho Dele com a sua conduta.

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Et unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam!... Compreendo essa tua pausa quando rezas, saboreando: Creio na Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica...”. E também: “Que alegria poder dizer com todas as forças da minha alma: - Amo a minha Mãe, a santa Igreja!” Estas palavras de Caminho, que brotaram do coração enamorado de São Josemaria, resumem uma das convicções mais características da consciência cristã; a saber, que ninguém é cristão isoladamente: é-se cristão na Igreja e pela Igreja.

Não seria difícil indicar abundantes testemunhos que demonstram essa convicção ao longo dos séculos. Mas é preferível recorrer diretamente ao último Concílio Ecumênico, o Concílio Vaticano II, já que nele toda a Igreja, representada pelos bispos e presidida pelo Papa, refletiu sobre si mesma e exprimiu com especial clareza e profundidade a realidade do seu mistério.

O Concílio, na Constituição Lumen Gentium, sobre a Igreja, desenvolveu os seus ensinamentos partindo precisamente do conceito que acabo de mencionar: mistério. Desse modo queria recordar à humanidade que a Igreja é muito mais do que uma instituição humana; mais também que a simples reunião dos que, participando de uma mesma fé, continuam a tradição nascida há vinte séculos em terras da Palestina. A Igreja é formada por homens, mas vem de Deus. E isto não apenas porque Cristo, Filho de Deus encarnado, a constituiu chamando os primeiros discípulos e enviando-os depois a pregar até aos confins do mundo, mas também, além disso, porque Ele – como prometeu expressamente em frase registrada por São Mateus – permanece com a sua Igreja, “todos os dias até ao fim do mundo”; porque, em união com o Pai, envia o Espírito Santo, que, atuando a partir do momento do Batismo na alma de cada cristão, e assistindo aos Pastores, faz surgir a comunidade eclesial e a guia, mantendo-a na verdade e comunicando-lhe a vida.

A Igreja é, na verdade, “um povo reunido em virtude da unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”

A Igreja é, na verdade, como afirmou há séculos São Cipriano e o Concílio reitera reproduzindo as suas palavras, “um povo reunido em virtude da unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Além de energias e impulsos humanos, do entusiasmo e empenho dos cristãos – do amor que nos move –, para lá também das nossas debilidades e das nossas faltas, a Igreja vive da caridade excelsa, da vida e da força de Deus: do amor do Pai, que a atrai constantemente para si; do amor do Filho, que em todo o tempo fica presente com a sua infinita eficácia redentora; do amor do Espírito Santo, que não cessa de bater à porta dos corações e de promover em todos a fé, a esperança e a caridade.

“Um povo reunido em virtude da unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”: Vale a pena meditar devagar essas palavras do grande bispo de Cartago; reconhecermo-nos e sabermo-nos cristãos como fruto da incessante e perene ação salvífica de Deus. E considerar que essa ação, da qual surge a Igreja, chega até cada um de nós precisamente através do persistir e atuar da própria Igreja, que, fruto da graça divina, é, ao mesmo tempo, instrumento e sacramento, de que Deus se serve para comunicar essa graça. Nascemos na Igreja na condição de cristãos pelo Batismo. No seu seio somos confortados pela Confirmação, alimentados pela Eucaristia, reconciliados com Deus pela Penitência. Na Igreja dá-se-nos a conhecer o Evangelho e ensina-se-nos a caminhar de acordo com a vontade de Deus.

A Igreja é na realidade nossa Mãe: Mãe boa, Mãe santa, porque na Esposa de Cristo – como tal é reconhecida a Igreja pela tradição cristã, desde São Paulo – refletem-se a bondade e a santidade de Deus, porque na Igreja e pela Igreja atua Deus. E consequentemente, a atitude espontânea do cristão para com a Igreja exprime-se no amor: um amor sincero e profundo; um amor filial, cheio de confiança, de agradecimento, de fé na presença da força de Deus na pregação e nos sacramentos. Um cristão nunca deve falar da Igreja com indiferença, e menos ainda com desinteresse, como se se tratasse, pelo contrário, de uma realidade alheia ao próprio ser, que se olha ou critica de fora; pelo contrário, da nossa Mãe a Igreja, falaremos com um interesse e afeto profundos, próprio de quem se refere a alguma coisa íntima, mais ainda, a alguma coisa que constitui o núcleo da própria vida, a uma coisa santa.

Quem integra a Igreja são homens e mulheres que percorrem o caminho deste mundo e nos quais, portanto, se manifestam – ou podem manifestar-se – o mal e o pecado. Em todas as épocas da história da Igreja há sombras, consequência inevitável da debilidade humana. Seria ingênuo negá-lo. Mas admiti-lo com valentia e com fé sobrenatural não é pôr em causa a santidade da Igreja, mas reconhecer a fragilidade humana dos que a constituem. Com essa mesma sinceridade e valentia, mais ainda com essa mesma fé, os católicos proclamam que, vencendo e superando a nossa debilidade, o poder de Deus atua em todos os momentos para manter a santidade da sua única Igreja. Descreverei isso com palavras de São Josemaria, tiradas de uma homilia em que se detinha a considerar a realidade inegável das faltas e fraquezas dos cristãos. “Tudo isso – dizia – é certo, mas não autoriza de modo nenhum a julgar a Igreja de maneira humana, sem fé teologal, reparando apenas na maior ou menor qualidade de certos eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é ficar na superfície. O mais importante na Igreja não é ver como os homens correspondem; é ver o que Deus faz. A Igreja é isso: Cristo presente entre nós; Deus que vem à humanidade para salvá-la, chamando-nos com a sua revelação, santificando-nos com a sua graça, sustentando-nos com a sua ajuda constante, nos pequenos e nos grandes combates da vida diária”.

Todos os batizados receberam a missão de anunciar a Cristo, de dá-lo a conhecer com a sua palavra, de dar testemunho Dele com a sua conduta.

A esta presença de Cristo na Igreja havemos de corresponder amando tão boa Mãe, com um afeto sincero, concreto, manifestado em sentimentos, em palavras e em obras. Mas se o amor é componente essencial para desenhar a atitude cristã a respeito da Igreja, não abrange tudo: é preciso alguma coisa mais. Não só nascemos na Igreja, como também, somos a Igreja; não só recebemos a vida cristã de tão extraordinária e santa Mãe, mas também, em virtude desse nascimento, nos incorporamos ao Corpo místico de Cristo e nos sabemos chamados a participar na sua missão. Como cristãos somos chamados não só a agradecer a vida que recebemos, mas também a transmiti-la e a propagá-la. Desse modo contribuímos para que o Evangelho se estenda a todos os confins da terra, e a que novas gerações de homens e mulheres recebam a fé e passem a fazer parte do Corpo de Cristo, da sua Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica. Por isso a palavra amor tem que ser completada com outra: responsabilidade.

O Concílio Vaticano II sublinhou-o com clareza: todos os cristãos – não apenas alguns, mas todos – foram constituídos, pelo Batismo, seguidores de Cristo, chamados a cooperar na sua missão. “A condição deste povo – afirma a Constituição Lumen Gentium – é a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus [...]. Tem por lei o mandamento novo de amar como o próprio Cristo nos amou a cada um de nós. E como fim dilatar cada vez mais o reino de Deus na terra até ao fim dos tempos, quando Cristo nossa vida se manifestar”. “A vocação cristã – completa o Decreto Apostolicam actuositatem – é pela sua própria natureza, vocação também para o apostolado. Assim como num corpo vivo não há membros que se comportem de forma meramente passiva, pois todos participam na atividade vital do corpo, também no Corpo místico de Cristo, que é a Igreja, ‘todo o corpo cresce segundo a operação própria de cada um dos seus membros’” (Ef. 4, 16).

Todos os batizados receberam a missão de anunciar a Cristo, de dá-lo a conhecer com a sua palavra, de dar testemunho Dele com a sua conduta. Isso de forma radical, até o ponto de poder afirmar-se que, se não procurassem ser apóstolos, não poderiam afirmar-se que são cristãos. Por isso afirmava São Josemaria que, assim como não é possível separar em Cristo o seu ser de Deus-Homem e a sua função de Redentor, também não se pode separar no cristão a vocação da missão, a sua chamada à intimidade divina da responsabilidade de aproximar de Cristo os outros homens, de modo que também eles participem desta riqueza.

Amor à Igreja e união com o Papa e com os bispos

A liturgia latina da Igreja inclui nas orações da Missa uma petição explícita pelo Romano Pontífice e pelo Bispo do lugar, pelo menos desde o século III. Manifesta-se desse modo que a unidade da Igreja, expressa e realizada de maneira eminente na Eucaristia, implica necessariamente a união com o Papa e com os bispos. Cristo fundou a Igreja e quis que os fiéis se sentissem e soubessem irmãos, participantes da condição de filhos de Deus e responsáveis de uma missão comum. Nosso Senhor dispôs ao mesmo tempo em que a Igreja fosse uma comunidade estruturada, em que houvesse uma diversidade de ministérios, carismas e tarefas que contribuíssem para a edificação do conjunto. E como parte essencial dessa estrutura, estabeleceu particularmente o ministério episcopal, a realidade do Colégio dos bispos, sucessores dos Apóstolos, com a sua Cabeça e sob a sua Cabeça, que é o Bispo de Roma, sucessor de São Pedro. Esta continuidade apostólica instituída por Cristo, esta ininterrupta cadeia que de geração em geração sobe até aos primeiros Doze, dá razão da autoridade do Papa e dos bispos na Igreja. Os bispos recebem de Cristo a plenitude do sacramento da Ordem.

Cada porção do Povo de Deus tem no seu bispo o fundamento visível da sua unidade e o primeiro responsável da edificação, segundo Cristo, dos fiéis, com a cooperação dos presbíteros e dos diáconos. Compete ao bispo a missão de anunciar o Evangelho em nome e representação de Cristo. O bispo é administrador da graça, sobretudo na ação eucarística, que ele mesmo realiza, ou que celebram os presbíteros em comunhão com ele. A cada bispo corresponde, além disso, governar, como vigário de Cristo, a comunidade que lhe está confiada, impulsionando – com as suas exortações, conselhos a mandatos – a vibração apostólica e o afã de todos pela santidade.

O Bispo de Roma, o Romano Pontífice, Cabeça do Colégio Episcopal, é Pastor da Igreja universal, pai comum de todos os cristãos, rocha que garante a contínua fidelidade da Igreja à verdade do Evangelho. Como lembra o Concílio Vaticano II, o Papa, é “princípio e fundamento perpétuo e visível de unidade, tanto dos bispos como da multidão dos fiéis”.

O Papa e os outros bispos estão chamados a interessar-se pelas necessidades dos fiéis, fazendo suas as palavras de São Paulo: “Quem desfalece sem que eu desfaleça? Quem tem um deslize, sem que eu me abrase de dor?” Encarnando os ensinamentos da parábola evangélica do Bom Pastor, atua, não como o assalariado, o que não é pastor e ao qual não pertencem as ovelhas, que nos momentos de perigo foge e abandona o rebanho, mas como pastor verdadeiro que dá a vida pelas suas ovelhas.

Se quisermos caracterizar com uma palavra o espírito que define o ministério eclesiástico e, de modo particular, o ministério episcopal, esta é, sem dúvida alguma a de serviço: serviço, em primeiro lugar, a Cristo, à sua Pessoa, à sua doutrina e aos seus sacramentos, já que na Igreja, os Pastores foram constituídos, não para falarem de si mesmos, mas para apresentarem o eco fiel da palavra de Jesus e para serem administradores, na sua grei, dos canais, através dos quais chegam a graça e a verdadeira vida, serviço também, e consequentemente, aos cristãos, aos irmãos na fé que Nosso Senhor confia aos seus cuidados.

A autoridade e a potestade que os Pastores exercem na Igreja só se entende adequadamente dentro de uma lógica de obediência ao mandato recebido de Cristo. Implica, com efeito, uma capacidade e uma posição que estes ministros de Deus recebem gratuitamente como dom, como tarefa excelente e não merecida, à qual está unido o mandato imperativo de assumi-la e de desempenhá-la em proveito dos outros. Isto exige dos Pastores esquecimento de si mesmos e entrega efetiva à comunidade cristã; e dos fiéis, consciência do dom que Cristo, através dos Pastores como seus ministros, presenteia ao conjunto da Igreja para lhe facilitar o caminho da santidade. É Nosso Senhor quem constitui a hierarquia eclesiástica por meio do sacramento da Ordem e quem a assiste com o envio do Espírito Santo. Escutá-la significa escutar a Cristo, que nos fala através dos seus representantes. Amá-la implica amar a Cristo, que se torna presente através desses ministros.

O último Concílio Ecumênico quis sublinhar – como lembrava antes – que, pelo Batismo, todos os fiéis se convertem realmente, não apenas em seguidores de Cristo, mas também em membros do seu Corpo místico, participantes do seu sacerdócio. Todos os batizados, com efeito, receberam o sacerdócio comum dos fiéis, em virtude do qual estão chamados a cooperar na missão que Ele veio realizar à terra. Cada qual cumprirá esta missão do modo que lhe for próprio, de acordo som a sua vocação pessoal, mas todos devem levá-la a cabo unidos com os pastores, que receberam – pelo sacramento da Ordem – o sacerdócio ministerial.

os cristãos devem esforçar-se por manter bem fortes os vínculos de unidade da Igreja, com uma adesão viva e real ao Papa e aos outros bispos

Conhecer com profundidade o mistério da Igreja leva a aumentar o nosso amor para com Ela e a desejar servi-la como filhos cada vez mais leais. De igual modo, penetrar no desígnio divino que o ministério do Papa e dos outros bispos encerra leva necessariamente a agradecer à providência divina – ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo – os meios que dispôs para cuidar da fidelidade da nossa fé e da retidão do nosso agir moral. Cheios desta convicção de fé e caridade, os cristãos devem esforçar-se por manter bem fortes os vínculos de unidade da Igreja, com uma adesão viva e real ao Papa e aos outros bispos em comunhão com o Sucessor de Pedro. O afeto filial, forte e sincero, ao Romano Pontífice leva a amar e a rezar intensamente pelos bispos de todo o mundo.

Deste modo, com responsabilidade pessoal, com espontaneidade apostólica e com sentido eclesial, ganhará corpo o desejo que São Josemaria gostava de formular assim: omnes cum Petro, ad Iesum per Mariam; todos, unidos a Pedro e à Igreja, e protegidos pela intercessão poderosa de Santa Maria, poderemos chegar – levando conosco a humanidade inteira – a Jesus, Amor dos nossos amores.

De Mons. Javier Echevarría, "Amor à Igreja, responsabilidade na Igreja", capítulo do livro 'Itinerários de vida cristã', Diel, 2007 (Cap. 5).