“Agradeço profundamente a Deus que tenha querido fundar a sua Obra”

Na Argentina, Luciana conta, em primeira pessoa, como, apesar de ter recebido formação cristã e crescido junto de Deus, foi pouco a pouco perdendo aquilo que antes lhe era fundamental. Aos 31 anos, um encontro com o Papa no Brasil ajudou-a a reencontrar-se com Deus e voltar a praticar a sua fé.

Luciana (esq) com mais duas moças de Rosário, num dos encontros com Bento XVI no Brasil

Conheci a Obra desde muito pequena, por meio dos meus pais, que são supernumerários do Opus Dei. São Josemaria foi protagonista em minha vida quando, aos seis meses de idade, tive de ser internada por causa de uma infecção respiratória. Mamãe, com muita fé, pôs uma estampa do santo debaixo do meu travesseiro e pediu a ele por mim. Apesar das previsões pessimistas dos médicos, saí-me bem e hoje tenho 31 anos.

Em casa, aprendi as primeiras orações, a devoção à Virgem e ao Anjo da Guarda, a quem rezava todas as noites com a ajuda de mamãe. Frequentei um colégio em que a direção espiritual está a cargo de pessoas do Opus Dei. Lembro-me da paciência com que os sacerdotes nos atendiam e como escutavam nossos “problemas”.

Os meus pais foram transmitindo-me modos cotidianos de tratar a Deus, ensinaram-me que quando não tinha vontade de ajudar em casa ou fazer os deveres escolares, podia oferecer essas pequenas tarefas ao Menino Jesus, que se alegrava com isso. Lembro-me também que, quando se aproximava o Natal, nos diziam que, comportando-nos bem, ajudávamos a tornar mais macio o colchãozinho da manjedoura de Jesus.

Nunca pensei que essa viagem a que aderi sem gosto fosse mudar o rumo da minha vida de um modo decisivo. Acho que foi um desses enormes presentes de Deus.

Com o tempo, comecei a ir às palestras de formação cristã com umas amigas e mais tarde a Cheroga, um centro do Opus Dei para meninas na cidade de Rosário (Argentina). Justamente  nesse momento meu pai ficou sem trabalho e isso mudou minha vida. Tivemos de mudar repentinamente para uma casa por terminar, num lugar perto de Rosário. Mudamos também de colégio, pois o dinheiro não dava nem para o transporte. Mas nunca deixei de ter contato com minhas companheiras de colégio, nem de frequentar Cheroga. As numerárias e as outras meninas que, como eu, frequentavam esse centro da Obra ajudaram-me muito. Recebi carinho e formação, ao mesmo tempo em que organizávamos atividades que nos divertiam muito. Tudo isso me ajudava a enfrentar a difícil situação que vivíamos em casa. Foi um exemplo para mim ver como os meus pais levavam a sua cruz sem se queixarem. Nunca lhes escutei perguntar “por quê?”

Mudando de rumo pelas mãos de Bento XVI

Apesar de ter recebido formação e tantos exemplos de vida, ao passar a viver em novos ambientes, comecei a afastar-me de Deus. Foi algo gradual. De repente, tudo o que havia sido importante e fundamental para mim, deixou de sê-lo. Em certas circunstâncias, pesava-me ser diferente, cansei-me de que minha opinião fosse sempre diferente da maioria. Calava-me. Assim sentia-me mais confortável, parte da maioria das pessoas, à custa de deixar de lado os meus princípios. Mas isso não me importava e, de início, senti um alívio. Quis imitar aqueles que me rodeavam com formas de vida distantes dos meus valores. Pensava que assim encontraria uma autêntica liberdade. Entretanto, com o tempo, a tristeza apoderou-se de mim. Comecei a padecer crises de angústia cada vez mais agudas. Estava rodeada de pessoas, mas sempre, mesmo nos namoros, pesava-me um sentimento de solidão que não conseguia superar.

Em determinado momento, voltei a Cheroga. Pensei que me podia fazer bem. Saí agradecida. Ninguém me julgou nem me repeliu. Pelo contrário, recebi carinho, apesar do meu evidente afastamento.

Essa “volta”, porém, não foi definitiva. Faltava-me uma determinação firme. Abandonei outra vez a confissão. Até que um dia, quando me oprimida pela tristeza de ter terminado um namoro, recorri outra vez a um sacerdote, talvez em busca de consolo. Nesses dias, as pessoas de Cheroga convidaram-me para ir ao Brasil e acompanhar o Papa Bento XVI em sua viagem apostólica. Aceitei com o único desejo de distrair-me um pouco e apaziguar a turbulência interna advinda de meu namoro frustrado. Nunca pensei que essa viagem a que aderi sem gosto fosse mudar o rumo da minha vida de um modo decisivo. Acho que foi um desses enormes presentes de Deus.

A viagem de mais de 48 horas de ônibus foi muito divertida. O primeiro impacto deu-se quando conheci as pessoas que viajavam comigo. Eram meninas alegres, serviçais e o que mais me chamou a atenção foi a sua valentia, uma fortaleza que eu não tinha sabido sustentar.

No segundo dia em São Paulo, fomos ao Pacaembu, onde o Papa receberia os jovens. O entusiasmo era massivo e a alegria, contagiosa, algo que há muito não sentia. Quando Bento XVI começou a falar-nos e o silencio tomou conta do gigantesco estádio, suas palavras claras e incisivas foram o golpe de graça para minha alma. Nesse lugar, repleto de pessoas, senti que estava só e que o Papa falava só para mim. Tinha certeza de que, através da sua voz, escutava Jesus, que voltava a estender-me a mão, que me convidava a segui-lo, para ser muito feliz. E não pude, não quis, dizer-lhe não.

Tinha certeza de que, através da sua voz, escutava Jesus, que voltava a estender-me a mão, que me convidava a segui-lo, para ser muito feliz. E não pude, não quis, dizer-lhe não.

Passada a forte emoção, refleti muito. Reconheci que a razão pela qual me havia afastado tanto de Deus havia sido o abandono dos meios de formação que recebia na Obra. Foi tão lindo ter começado a rezar de novo!

Depois de um mês, após a volta da viagem fiz um retiro. Nunca apreciei muito os retiros. Fui sem vontade, mas sabendo que era necessário. Na verdade, fez-me muito bem. A franqueza e a compreensão da direção espiritual trouxeram meus passos de volta ao caminho que havia abandonado.

Exteriormente, nada havia mudado, mas interiormente houve uma reviravolta incrível. Nas mesmas circunstâncias que antes me angustiavam, agora sou feliz. Quando senti que queria voltar para Deus, não duvidei em buscá-lo por meio do Opus Dei, por uma razão fundamental: sempre encontrei carinho. E ninguém resiste a isso. Agradeço profundamente a Deus que tenha querido fundar o Opus Dei. Nunca encontrei pessoas perfeitas no Opus Dei, mas, sim, pessoas que se esforçam, e muito, para ser boas, e tamanho esforço acaba contagiando e fazendo-nos querer lutar. Não posso deixar de lembrar a mim mesma e aos outros a necessidade de lutar diariamente, porque senti na própria pele que é muito fácil perder tudo quando se começa a ceder. Quando penso na minha falta de fidelidade, não deixo de agradecer a fidelidade de um santo do nosso tempo a quem devo minha felicidade: São Josemaria Escrivá.