A química certa

Quando Joe Atkinson foi a Boston em 1957 para começar o seu doutorado no MIT, sequer suspeitava de como a sua química e a sua vida ganhariam um novo significado. Ele é o primeiro canadense membro numerário do Opus Dei.

Joe Atkinson (março de 1970)

Como foi que um filho de fazendeiros de Alberta encontrou o Opus Dei em Boston, Massachusetts?

Vendo em retrospectiva, é fácil notar que isso foi claramente providencial. Havia um professor de química, Reuben Sandin, na Universidade de Alberta, que era como um pai (e avô!) para os graduandos em química próximos de se formar. Um dia, no princípio do meu último ano, ele veio até mim quando eu estava trabalhando no laboratório e perguntou “Como vai sua matemática, Joe?”. Sem entender o porquê da pergunta, simplesmente respondi “Bom, vai bem, Dr.Sandin”. “Porque” continuou, “penso que você deveria ir ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) para seus estudos de pós-graduação. Escreva para Art Cope – o diretor do departamento de química – e diga a ele que fui eu quem o indicou”. E a reputação do Professor Sandin como educador era tamanha que, se ele recomendasse uma pessoa, esta seria aceita.

Nos 20 anos anteriores, ele havia guiado um bom número de estudantes para diferentes instituições de pós-graduação. Mas – é aqui que a providência aparece – pelo que sei, fui a primeira pessoa que mandou para a Costa Leste dos EUA; em geral, ele enviava alunos para o Meio-Oeste ou para a Costa Oeste. No departamento de química do MIT havia um estudante da pós-graduação, Bob Yoest, que me colocou em contato com um Centro do Opus Dei em Boston. E foi assim que a conexão foi feita.

Vamos retroceder um pouco. Poderia contar-nos sobre as suas origens? Podem ser de interesse para os nossos leitores.

A família Atkinson (Edmonton, setembro de 1957)

Com prazer. Meus pais, Ted e Marion Atkinson, vêm ambos de famílias de fazendeiros. Assim, quando casaram em 1933, mudaram-se para um lote de terra agrícola (160 acres) perto de Mallaig, aproximadamente 200km a nordeste de Edmonton, capital de Alberta. Um fato interessante foi que a minha irmã Luella (1 ano mais jovem) e eu fomos educados em casa muito antes de isso ser comum. O Departamento de Educação provincial tinha todo um sistema de cursos por correspondência para crianças que moravam longe demais de um colégio para frequentá-lo. Então, a cada mês, fazíamos as nossas lições sob supervisão dos nossos pais. Enviávamos as lições feitas pelo correio e recebíamos novas. Assim, completamos os nossos primeiros 3 anos de educação. Meu irmão Dave (6 anos mais jovem) pôde frequentar colégios normais desde o princípio. Nos anos seguintes, os nossos pais se mudaram duas vezes principalmente para garantir que todos os seus três filhos tivessem a melhor educação e criação que lhes pudessem ser dadas – e só por isso já lhes somos muito gratos. Finalmente, a nossa família acabou indo parar em Edmonton.

Alguma outra história desses primeiros anos de vida?

Joe Atkinson com seus irmãos (março de 2002)

Algumas. Tinha só nove dias quando fui exposto ao francês pela primeira vez, o que é bastante insólito para um albertano anglófono. Aconteceu quando meus pais me levaram à catedral paroquiana em St.Paul, Alberta, para ser batizado. O padre que oficiava era francófono e fez todas as perguntas em francês. Apenas 27 anos mais tarde, quando comecei a trabalhar em Montreal, aprendi o suficiente de francês para poder responder àquelas perguntas. Mas as minhas principais memórias de infância são aqueles maravilhosos verões compridos na fazenda, que eram todos de diversão para nós crianças – especialmente quando esquentava o suficiente para podermos andar descalços o tempo todo.

Então, como exatamente você se incorporou ao Opus Dei?

De um ponto de vista humano, foi um assunto muito simples. Como mencionei, comecei a frequentar as atividades de um Centro do Opus Dei aproximadamente um ano após ter chegado em Boston. Minha mãe e meu pai tinham educado os seus filhos num grande amor a Nosso Senhor e a Sua Igreja, ao Papa e à Bem-Aventurada Virgem Maria. O que eu aprendia no Centro parecia uma continuação natural daquilo. Ajudou-me a viver minha fé mais a fundo, não só assistindo à Missa e rezando o rosário, mas também nos meus estudos e na minha vida social com os meus amigos e colegas. Também aprendi como espalhar a boa notícia de nossa fé a meus companheiros de estudos de um modo natural e amigável. Depois de alguns meses, o Diretor do Centro, Carl Schmitt (um aluno da pós-graduação em história na vizinha Universidade de Harvard) perguntou-me se eu gostaria de entrar para o Opus Dei. Nunca havia pensado explicitamente nesta possibilidade, mas a sugestão não me chocou como se fosse algo surpreendente ou insólito. Assim, em 14 de janeiro de 1959, ao lado de uma xícara de café em uma lanchonete, escrevi uma breve carta a Monsenhor (atualmente, São) Josemaria Escrivá, o fundador e presidente do Opus Dei, pedindo para ser admitido como membro numerário.

Assim, ventos tranquilos desde então?

Bem, na verdade, não. Dentro de uma semana ou duas após ter escrito a carta em que pedia admissão, comecei a expressar reservas a Carl e ao Pe. Bill Porras, um sacerdote do Opus Dei. Ambos foram muito pacientes e, com uma combinação de firmeza (não seja um bebê chorão!) e sensibilidade, ajudaram-me a perceber que as minhas chamadas “reservas” poderiam bem ser o resultado de um egoísmo oculto e de uma falta de prontidão para me comprometer pessoalmente e sem reservas com Nosso Senhor. Eu sabia muito bem que estas eram as razões por trás de minhas “objeções” e, após alguns meses, reuni a coragem para dizer a mim e a Nosso Senhor que faria uma tentativa honesta, e deste modo, ficaria claro se era isso ou não o que Deus queria de mim. Desde aquele tempo houve, como você diz, bastantes ventos tranquilos.

Houve algum aspecto do espírito do Opus Dei que o atraiu particularmente?

Sim: o fato de que nosso trabalho é uma parte explícita do nosso modo de servir a Deus e, para um católico, de viver a fé. Como disse antes, tive a boa sorte de ter sido educado numa família solidamente católica, desenvolvendo um amor real pela Igreja e pelo Papa.  Quando comecei os meus estudos na universidade, também desenvolvi um grande amor pela química, e estes dois amores estavam em dois trilhos paralelos, não se opondo nem competindo. O espírito do Opus Dei mostrou-me que – voilà! – minha química era parte integral do meu desejo de servir a Deus e à Igreja. Através dela, descobria e punha em uso um pouco do potencial da criação material de Deus. Nas palavras do fundador, São Josemaria, “... a vocação profissional é parte essencial, inseparável, da nossa condição de cristãos. O Senhor vos quer santos no lugar em que vos encontrais, no ofício que escolhestes...” (Amigos de Deus, n. 60)

Falando no fundador, você deve ter tido a ocasião de encontrá-lo. Qual foi a sua impressão?

Em duas palavras: bem-humorado. Tive a boa sorte de ter dois rápidos encontros com ele, em 1966 em Roma, e em 1975 na Guatemala, alguns meses antes do seu falecimento. No primeiro encontro, foi especialmente caloroso e gostou muito de encontrar um filho seu pela primeira vez. Um exemplo simples do seu bom humor surgiu quando me perguntou se alguém já me havia dado um panettone (um conhecido pão-doce italiano). Quando eu lhe disse “não, Padre”, imediatamente pediu a alguém para arranjá-lo. Em seguida, virou-se para mim e disse brincando: “A vantagem de um presente como o panettone é que, se você tiver qualquer problema com ele na alfândega, é só sair da fila por 10 minutos e comê-lo!” Ele também se divertiu muito fazendo um pequeno burrico de metal que me dera pondo-o em pé na palma da minha mão.

Como sua família reagiu à sua vocação? Apoiaram-no ou expressaram objeções?

Meu pai resumiu sua reação dizendo: “Filho, se você está feliz, estamos felizes”. Deve ser lembrado que na época eu tinha quase 24 anos e estava a muitos milhares de quilômetros de casa, então eles certamente não esperavam que eu ficasse perto de casa de qualquer modo. E mesmo talvez não tendo entendido completamente a minha vocação naquela época, também aprenderam a amar a Obra. Foi um grande prazer para mim ver ambos tornarem-se Cooperadores do Opus Dei algum tempo antes de falecer.

E como você retornou ao Canadá?

Recorte do Montreal Star

Isso tem a ver com outra grande intervenção da Providência. Quando eu terminei o trabalho no MIT em 1962, o único Centro do Opus Dei era em Montreal. Mas, naquele tempo, Montreal era a melhor cidade do meu país para o meu tipo de trabalho. O resultado foi que, após formar-me em junho, pude começar a trabalhar em 1 de agosto para Merck Frosst Canada. É o ramo canadense da companhia farmacêutica americana Merck & Co.Inc., e trabalhei nos seus laboratórios de pesquisa em Montreal pelos próximos 37 anos. Foi uma experiência agradável e satisfatória tanto no campo pessoal como no profissional.

Você tem origens completamente anglófonas: seu pai nasceu na Inglaterra e a sua mãe tem ascendência Escocesa e Irlandesa. O fato de o Opus Dei ter sido fundado na Espanha, e a maioria dos seus membros em 1959 ser espanhola, fez o Opus Dei parecer uma instituição espanhola ou estrangeira?

Posso surpreender algumas pessoas, mas tais pensamentos jamais cruzaram a minha mente. Claro que aprendi logo que o Opus Dei havia sido fundado na Espanha, e que o fundador, que ainda era vivo, morava em Roma. Por que isso não me soou como “estrangeiro”? Diria que é porque seu espírito é universal, católico. O próprio Cristianismo começou no que hoje é Israel, mas uma década após a ascensão do seu Fundador aos Céus, já estava se expandindo para além daquelas fronteiras iniciais. Além disso, cada instituição na Igreja teve que começar em algum lugar, mas a maior parte das pessoas hoje não pensa nos Jesuítas como espanhóis, ou nos franciscanos como italianos, ou nos cistercienses como franceses – pensam em todos eles simplesmente como católicos, e foi assim que eu sempre vi o Opus Dei.

Algum outro pensamento?

Sim – espero alcançar os 93 anos para poder celebrar o centenário da fundação do Opus Dei aqui na terra em 2028.