A jornada de uma artista

Ina Reyes-de Vera (de Filipinas) reflete sobre como as coisas normais e a vida cotidiana de uma mãe podem se tornar obras de arte.

Quando estava no ensino infantil, adorava brincar com caixas vazias; com fitas adesivas e canetinhas se tornavam casas, carros, robôs, cidades. Posso tranquilamente dizer que minha jornada de artista, começou aos 5 anos de idade, quando eu usava livremente as fitas adesivas. A ideia de poder criar algo que você imagina a partir de coisas do cotidiano era empolgante para uma criança pequena.

Também posso dizer que essa jornada começou conscientemente. A minha mãe, que era bancária, também era “pintora de fim de semana”, e então eu tinha acesso a uma infinidade de papéis, tintas e atividades que continuavam a alimentar meu interesse pela arte. Naquela época, isso parecia um hobby para o fim de semana, para quem não quisesse suar em uma quadra de tênis ou fazer aulas de ballet. Era apenas isso, uma opção.

O que eu criava refletia meu estado de ânimo ou como as coisas que aconteciam no momento me influenciavam. Cenas de um jardim, meus animais de estimação, família, uma visita ao zoológico... momentos cotidianos que eram registrados alegremente com cores e formas flutuantes, como se uma imagem pudesse ter influência sobre qualquer dificuldade da vida real. No ensino médio, com liberdade de pintar o que quisesse para lidar com a agonia da adolescência, eu ainda pintava uma vaca amarela, retratos dos meus melhores amigos e um mural com o portão do Céu em linhas retrô. O tema comum em todo meu trabalho, quando eu não tinha consciência disso, e mesmo agora quando tenho, é a alegria. Eu precisava capturar esse sentimento com cores e finalmente compartilhá-lo com as pessoas que eu amava.

Portanto, mesmo quando essa jornada ficava prejudicada, atrasada e por vezes abandonada no decorrer da vida escolar, profissional como professora, e da criação de uma família agitada de 5 filhos e uma filha, a arte era algo a que eu recorria e utilizava com meio para ensinar, decorar e entreter.

Até que chegou o dia de terminar minha carreira de 20 anos de magistério e focar na criação dos meus filhos. Meu dia era recheado de pequenas coisas banais: preparar o café da manhã, levar os filhos à escola, fazer compras, participar de reuniões de pais, eventos esportivos e quaisquer outros interesses que meus filhos tivessem. Pela primeira vez, ser mãe se tornou meu emprego em período integral. Seria justo dizer que a vida se tornou complicada em sua simplicidade para mim, uma vez que eu tinha aprendido a falar outra língua no que se referia a trabalho. Tive que aprender a estar presente, a prestar atenção às seis crianças em minha vida, a encontrar sentido no trabalho concreto e diário, a navegar pelo trabalho emocional que isso trazia, e a novas formas de desfrutar do papel de pais.

Autorretrato fazendo o que amo.

São Josemaria dizia: “Insisto: na simplicidade do teu trabalho habitual, nos detalhes monótonos de cada dia, tens que descobrir o segredo – para tantos escondidos – da grandeza e da novidade: o Amor” (Sulco, 489).

Eu não tive que mudar o trabalho que estava fazendo, apenas tive que fazer cada pequena coisa com o mesmo amor e alegria que temos quando preparamos algo para quem amamos. As coisas faziam sentido: eu tinha 6 crianças e um marido maravilhoso para cuidar.

Não foi fácil, mas com o tempo, orações, muita, mas muita direção espiritual, pesquisa e uma comunidade inteira de pais como ajuda, as tarefas cotidianas se tornaram algo programado, como um plano de aulas. Coisas como cozinhar, cuidar do jardim e arrumar a casa de acordo com as várias épocas e celebrações, se tornaram atividades divertidas com as crianças. Isso inclui lições de matemática, alfabetização e ciências no dia a dia, mas acima de tudo, uma expressão de profunda gratidão pelas coisas aparentemente mundanas que realizamos diariamente. Estou animada! As vezes nem tanto, mas ainda assim, animada! Há novamente aquela alegria que inspirou a pintura de vacas amarelas e um jardim de arco-íris e flores.

Com nossa família fazendo cookies

Se eu pegava uma caixa de papelão e a transformava em algo divertido ou até mesmo bonito com um rolo de fita adesiva quando tinha 5 anos, hoje recuperei esse mesmo instinto. As tarefas de cada dia, quando iluminadas pela ação do Espírito Santo, se tornam algo belo e divertido.

Não sei que arte mostrar para este artigo. Porque ela está na mesa posta, na maneira como nossa sala de jantar é decorada e arrumada, está na arte de cada um de nossos filhos penduradas em todas as paredes da nossa casa, as flores e sementes colhidas durante uma caminhada ao ar livre e dispostas no presépio, os cartões que eles fizeram para meu marido e eu em nossas bodas de prata... A arte que pensei ser minha jornada pessoal, vem sendo compartilhada e elevada por seis filhos. Tudo o que tenho feito pode ser visto no @inacolorfulworld no Instagram. Eu tinha uma mensagem quando criei essa conta em 2020: criar e compartilhar uma arte feliz que celebre as coisas cotidianas.

É exatamente a cartilha de São Josemaria.

Trabalhos em aquarela e desenhos de São Josemaria em zen doodle inspirados em padrão de tecelagem local.

A arte que faço agora, ainda usa cores vivas e alegres e símbolos de infância que me inspiram todos os dias, e uma devoção á Melhor Mãe (Nossa Senhora) que me inspira tanto. É o exemplo perfeito de nossa Santa Mãe que me motiva a fazer pequenas tarefas como se fossem grandes gestos. Sua vida inteira como mãe e esposa, mesmo se por muitos anos parecesse escondida, fica mais acessível quando você olha para os seus filhos e tarefas cotidianas. Toda vez que peço a sua ajuda, recebo uma torrente de profundidade e de amor, e não há como não me sentir grata, e até mesmo impulsionada a celebrá-la com cores em uma tela.

Criar imagens alegres de Nossa Senhora e da Sagrada Família, que seriam dadas de presente para familiares e amigos, começou como um projeto pessoal em 2016, e vieram encomendas e pedidos de outros. A série Mariana foi lançada com sucesso por uma querida amiga do círculo do Opus Dei para seu projeto de levantar fundos, e deu início a segunda série Mariana em celebração aos 500 anos do catolicismo nas Filipinas, a uma série de São José para o ano de São José, e outras colaborações com o Centro de Estudos Tahilan. Pode parecer muito, mas a realidade é que quando pinto essas imagens com entusiasmo, não demoro muito, e outras pessoas têm o duro trabalho de imprimi-las, distribuí-las e usar os recursos arrecadados para algo ainda maior. Este trabalho tem se espalhado como fogo de amor de maneiras que não consigo descrever.

Durante a pandemia, quando as coisas pareciam tão sombrias, mais e mais pessoas adquiriam essas imagens, por precisarem, por algum motivo, de tê-las em suas casas. A alegria com a qual esses trabalhos são confeccionados e recebidos me enchem de orgulho e humildade. É um apostolado que foi acontecendo. É um privilégio continuar com esse trabalho alegre e cheio de sentido pelos próximos anos.

Para as amigas “mães-artistas”, deixo uma frase de São Josemaria para nos lembrarmos nesses tempos de incertezas: “Tarefa do cristão: afogar o mal em abundância de bem. Não se trata de campanhas negativas, nem de ser anti-nada. Pelo contrário: viver de afirmação, cheios de otimismo, com juventude, alegria e paz” (Sulco, 864).

    Ina Reyes-de Vera