26. O que é a biblioteca de Nag Hammadi?

É uma colecção de doze códices de papiro com capas de couro que foram casualmente descobertos em 1945, no alto Egipto, junto à antiga aldeia de Quenoboskion, a uns dez quilómetros da moderna cidade de Nag Hammadi. Actualmente, conservam-se no Museu Copto do Cairo, e costumam designar-se com as siglas NHC (Nag Hammadi Codices). À mesma colecção atribuem-se outros três códices, conhecidos desde o século XVIII, que se encontram em Londres (Codex Askewianus, normalmente conhecido como Pistis Sophia), Oxford (Codex Brucianus) e Berlim (Códex Berolinensis). Estes três códices, embora sejam mais tardios, procedem da mesma zona.

Os NHC foram escritos até ao ano 330 e enterrados nos finais do séc. IV ou princípios do V. Esses códices contêm umas cinquenta obras escritas em copto – a língua egípcia falada pelos cristãos do Egipto e escrita em caracteres gregos – que são traduções do grego, às vezes não muito fiáveis. Quase todas as obras são de carácter herético e reflectem distintas tendências gnósticas que, em geral, já eram conhecidas, pois foram combatidas pelos Padres da Igreja, especialmente Santo Ireneu, Santo Hipólito de Roma e Santo Epifânio. O principal contributo desses códices é podermos agora ter acesso directo às obras dos próprios gnósticos e poder-se comprovar que, efectivamente, os Santos Padres conheciam bem aquilo que enfrentavam.

Do ponto de vista literário, nos NHC estão representados os géneros mais diversos: tratados teológicos e filosóficos, apocalipses, evangelhos, orações, actos de apóstolos, cartas, etc. Por vezes os títulos não estão no original, mas foram postos pelos editores atendendo ao conteúdo. No que concerne às obras que têm como título “evangelho”, é preciso observar que se parecem muito pouco com os evangelhos canónicos, uma vez que não apresentam uma narração da vida do Senhor, mas apenas revelações secretas que presumivelmente Jesus terá feito aos seus discípulos. Assim, por exemplo, o evangelho de Tomé, traz cento e catorze ditos de Jesus, um após outro, sem outro contexto narrativo que algumas perguntas que às vezes lhe fazem os discípulos; e o “Evangelho de Maria [Madalena]” narra a revelação que Cristo glorioso lhe faz a ela sobre a ascensão da alma.

Do ponto de vista das doutrinas os códices contêm, em geral, obras gnósticas cristãs, se bem que em algumas, como no “Apócrifo de João” (um dos mais importantes, uma vez que se encontra em quatro códices), os traços cristãos parecem secundários em relação ao mito gnóstico que constitui o seu núcleo. Neste mito interpretam-se em sentido inverso os primeiros capítulos do Génesis, apresentando o Deus criador ou Demiurgo como um deus inferior e perverso que criou a matéria. Mas nos códices há também obras gnósticas não cristãs, que recolhem uma gnose greco-pagã, desenvolvida em torno da figura de Hermes Trismegisto, considerado o grande revelador do conhecimento (“Discurso do oito e do nove”). Este tipo de gnose era conhecida em parte, já antes das descobertas. Inclusivamente, em NHC VI, é recolhido um fragmento da “República”, de Platão.

 

Bibliografia: Raymond Kuntzmann - Jean-Daniel Dubois, Nag Hammadi. Evangelio de Tomás. Textos gnósticos de los orígenes del cristianismo, Verbo Divino, Estella 1998 (2ª ed.).

Gonzalo Aranda