UM FARISEU tenta provocar Jesus fazendo-lhe uma pergunta difícil: “que devo fazer para receber em herança a vida eterna”? (Lc 10,24) O Mestre devolve-lhe a pergunta e o fariseu responde com uma frase tirada do livro de Deuteronômio: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10,27).
A passagem do Deuteronômio citada pelo fariseu faz parte de uma cena que a Igreja recolhe na primeira leitura da missa de hoje. Moisés está exortando o povo a amar a Deus acima de todas as coisas. Para isso, ele os anima dizendo que amar assim não é tão difícil quanto poderia parecer. Seu raciocínio é o seguinte: “este mandamento que hoje te dou não é difícil demais, nem está fora do teu alcance. Não está no céu, para que possas dizer: ‘Quem subirá ao céu por nós para apanhá-lo? Quem no-lo ensinará para que o possamos cumprir? Nem está do outro lado do mar, para que possas alegar: ‘Quem atravessará o mar por nós para apanhá-lo? Quem no-lo ensinará para que o possamos cumprir?’ Ao contrário, esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Deut 30,11-14).
A que se refere o texto quando diz que o mandamento do amor está mais perto do que as alturas do firmamento ou do que as terras do outro lado do oceano? Intuímos a resposta na parábola do bom samaritano que está prestes a ser relatada no Evangelho. Lá, um homem resgata outro e, ao fazer isso, constitui-se como próximo; então compreendemos que o amor a Deus se concretiza no amor a quem que está perto de nós. Vislumbramos esse mistério da união entre os dois amores. Como dizia São Josemaria: “Em um ato qualquer de fraternidade, muitas vezes, a cabeça e o coração não conseguem distinguir se é serviço a Deus ou serviço aos irmãos: porque, no segundo caso, o que fazemos é servir a Deus duas vezes”[1].
EM QUE sentido dizemos que amar o próximo é uma forma de amar também a Deus? Um professor que ensina bem a sua matéria e favorece a aprendizagem dos seus alunos no final do ano pode receber um duplo agradecimento: o das crianças e o dos pais. Da mesma forma, quando servimos outra pessoa, recebemos também a gratidão do nosso Pai Deus. Na segunda leitura da missa, encontramos o fundamento dessa explicação, que nos prepara para uma melhor compreensão da parábola do bom samaritano.
Jesus Cristo uniu os homens entre si por meio de seu próprio sacrifício. Desde então, nós, como batizados, somos irmãos em Cristo e, portanto, filhos do mesmo Pai. Essa realidade, tão misteriosa quanto sublime, é expressa por São Paulo na carta que dirige aos cristãos de Colossos. Ele explica que Cristo é o primeiro, o primogênito, cabeça da Igreja; por meio do seu sangue, ele restabeleceu a paz tanto entre as criaturas da terra quanto entre as celestiais (cfr. Col 1,17-20). Ao nos unir por meio de seu sangue, Jesus transformou os vizinhos em próximos, em irmãos que merecem nossa compaixão. Por isso, São Josemaria tinha um coração tão universal: interessava-se pelo bem e pela salvação de todas as pessoas do mundo; valorizava-as porque via que nelas borbulhava “todo o sangue de Cristo”[2].
Todos os santos receberam luzes de Deus para compreender melhor esta verdade. Muitos impulsionaram obras de apostolado, pois perceberam que preocupar-se com os outros era o mesmo que atender a Jesus Cristo. Conta-se, por exemplo, que um visitante, enquanto percorria uma casa de caridade dirigida por uma religiosa – dedicada a cuidar de doentes terminais abandonados –, exclamou: “É verdadeiramente admirável o trabalho que vocês realizam aqui. Eu não faria isso nem por um milhão de dólares”. Ao que a religiosa respondeu, com simplicidade: “Nós também não”.
O MESTRE da lei pergunta a Jesus o verdadeiro significado da palavra “próximo”. O Senhor decide responder com uma parábola. Um homem desce de Jerusalém – cidade situada a cerca de 750 metros acima do nível do mar – para Jericó – que fica 250 metros abaixo do nível do mar. Ou seja, o viajante deve descer mais de 1.000 metros entre um lugar e outro, atravessando cerca de vinte e cinco quilômetros de caminho desértico e escarpado. Essas circunstâncias sugerem uma atmosfera de perigo e incerteza na narrativa. E, de fato, o caminhante é assaltado e ferido, sendo abandonado à beira do caminho. Um sacerdote e um levita, embora servissem no Templo de Jerusalém, passam sem parar. Eles temiam se envolver. Apenas um samaritano, membro de um povo historicamente em conflito com os judeus (cfr. 2Rs 17), detém-se, cura os ferimentos da vítima e a leva a uma pousada para que seja cuidada durante sua convalescença. Então Jesus surpreende o fariseu com sua pergunta: “Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Ele respondeu: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vai e faze a mesma coisa” (Lc 10,36-37).
O Papa Leão XIV diz: “A vida é feita de encontros, e, nestes encontros, revelamo-nos pelo que somos. Encontramo-nos diante do outro, perante a sua fragilidade e a sua fraqueza, e podemos decidir o que fazer: cuidar dele ou fingir que nada aconteceu”[3]. Provavelmente, em nosso dia a dia encontramos pessoas que, como o viajante da parábola, precisam dos nossos cuidados: um pobre que vive na rua, uma idosa que não consegue se cuidar sozinha, um doente que está sozinho... Com essa parábola, Jesus ensina que “a compaixão se exprime através de gestos concretos. (...) o samaritano faz-se próximo, pois se quisermos ajudar alguém não podemos pensar em manter-nos à distância, devemos envolver-nos, sujar-nos, talvez contaminar-nos; faz curativos nas suas feridas depois de as ter limpado com azeite e vinho; carrega-o na sua cavalgadura, isto é, responsabiliza-se por ele, pois só ajudamos verdadeiramente se estivermos dispostos a sentir o peso da dor do outro; leva-o para uma hospedaria, onde gasta dinheiro, ‘dois denários’, mais ou menos dois dias de trabalho; e compromete-se a voltar e eventualmente a pagar mais, porque o outro não é um pacote a entregar, mas alguém de quem devemos cuidar”[4]. Podemos pedir a Nossa Senhora que nos ajude a ter um coração de mãe como o dela, que nos leve a ter uma compaixão concreta pelas pessoas que estão perto de nós.
[1] São Josemaria, Instrucción, maio 1935 – setembro 1950, n. 75.
[2] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 80.
[3] Leão XIV, Audiência, 28/05/2025.
[4] Ibid.