"Guadalupe estava alegre porque deixou que Jesus a guiasse"

Homilia do Prelado na Missa de Ação de Graças celebrada na Basílica de Santo Eugênio (Roma) pela beatificação de Guadalupe Ortiz de Landázuri, no dia 21 de maio.

“Minha alma, bendize o Senhor, e não esqueças nenhum de seus benefícios” (Sal 103, 2). Com este salmo, que cantamos há alguns minutos, declaramos também nossa alegria pela beatificação de Guadalupe Ortiz de Landázuri. E, enquanto agradecemos ao Senhor e ao Papa Francisco por ter proposto Guadalupe como modelo de santidade, não esqueçamos – como o salmista nos convida – todos os benefícios, todas as misericórdias que o Senhor tem conosco.

Ao olhar para a vida de Guadalupe, da riqueza de aspectos que podem ser destacados, um dos que chama a atenção é a sua alegria. Era uma alegria profunda, não superficial, que gerava serenidade nos momentos difíceis, o que lhe permitia ser amável com pessoas muito diferentes, e era compatível tanto com o intenso trabalho como com o descanso ... Como podemos conseguir que a alegria seja uma realidade permanente em nossa vida? Essa alegria sobrenatural nasce da união com Deus.

Na primeira leitura, vemos que os primeiros cristãos colocavam à disposição dos Apóstolos todos os seus bens, não apenas os materiais. Podemos imaginar que eles também fariam isso com os seus talentos pessoais. Esta atitude só pode ser uma consequência da convicção de que nossos próprios planos não são a última palavra: Deus sempre sabe mais.

A alegria e a fecundidade dos que confiam em Deus foram constantes na história da salvação. Abraão entregou o seu futuro a Deus e chegou a ser origem de uma imensa descendência (Gen 12,1-2). Moisés colocou seu futuro nas mãos de Deus e libertou seu povo da escravidão (Êx 3,10). Os profetas entregaram seu futuro a Deus e se converteram em Sua voz diante do povo (Jer 1,9). Os apóstolos abandonaram o seu futuro em Deus e chegaram a ser as colunas da Igreja (Mt 4,19). Todos tiveram que superar, de alguma forma, os seus cálculos humanos para responder ao chamado do Senhor. Ninguém se lançou a uma empresa absolutamente controlada. São Josemaria, que se lançou a seguir a vontade de Deus para fundar o Opus Dei sem qualquer meio humano, escreveu justamente durante aqueles primeiros anos, que a alegria sobrenatural “procede de abandonar tudo e te abandonares a ti mesmo nos braços amorosos do nosso Pai-Deus” (Caminho, nº 659).

Guadalupe estava sempre alegre porque deixou que Jesus a guiasse e se encarregasse de preencher o seu coração. A partir do momento em que viu que Deus a chamava a se santificar no caminho do Opus Dei, sabia que a missão não era simplesmente um novo plano terreno, certamente emocionante. Percebeu que era algo sobrenatural, preparado por Deus para ela desde sempre. E, deixando-se levar por esta certeza de fé, Deus a recompensou com uma fecundidade que não podia nem imaginar e com uma felicidade – o cem por um que Jesus prometeu aos seus discípulos – que podemos perceber nas suas cartas recentemente publicadas.

O Papa escreve que quando descobrimos, pela fé, a grandeza da vontade de Deus, “recebemos novos olhos, sentimos que há uma grande promessa de realização e nosso olhar se abre para o futuro” (Lumen fidei, n.4). Guadalupe, lembrando o momento em que se encontrou pela primeira vez com São Josemaria escreveu: “Tive a clara sensação de que Deus falava comigo através daquele sacerdote (...). Senti uma grande fé, forte reflexo da sua” (Em M. Eguíbar, 2001, p 271). Peçamos ao Senhor, por intercessão de Guadalupe, que nos dê e nos aperfeiçoe esses olhos novos da fé, para poder contemplar o nosso futuro como Ele olha.

Outra fonte, da qual fluía aquela alegria sobrenatural que caracterizava Guadalupe, era a sua decisão de servir aos outros. Procurar em tudo nossos gostos e nossa comodidade, poderia parecer a chave para estar alegres. No entanto, não é assim. Jesus Cristo diz que quem quiser ser o primeiro, que seja o servo de todos (cf. Mc 9,35); que Ele mesmo veio à terra para servir (cf. Mt 20,28); e insistiu, em outro momento, que o seu lugar entre os homens é “como aquele que serve” (Lc 22,27). E na Última Ceia, ajoelhou-se diante de seus apóstolos e lavou os pés de cada um, e disse-lhes depois: “Vós deveis lavar os pés uns aos outros (…) Já que sabeis disso, sereis felizes se o puserdes em prática” (Jo 13,14-17).

Guadalupe pôde alcançar essa alegria que emerge de seus escritos e de sua vida, também porque de manhã, ao acordar, a sua primeira palavra, dirigida ao Senhor, era: Serviam! Servirei! E tratava-se de um propósito que queria viver em cada momento do dia. A alegria de Guadalupe estava na união com Jesus Cristo, que a levava a esquecer-se de si mesma, tentando compreender cada pessoa, para ajudá-la melhor, procurando o trabalho menos agradável para facilitar o dos outros. Na segunda leitura nós ouvimos São Paulo: “Julgo que tudo é prejuízo diante deste bem supremo que é o conhecimento do Cristo Jesus, meu Senhor” (Filip 3, 8). Um caminho muito direto para conhecer Cristo é o serviço. Disso sabia bem por experiência São Josemaria, quando explicava que “só servindo poderemos conhecer e amar a Cristo, e dá-lo a conhecer e conseguir que outros mais O amem” (É Cristo que passa, nº. 182).

Não nos deixemos enganar buscando alegria em nossa própria comodidade. Tenhamos a coragem de servir os outros! Com pequenos e grandes atos de serviço nos pareceremos cada vez mais a Jesus Cristo, e teremos uma alegria sobrenatural, também em meio a dificuldades e sofrimentos.

Finalmente, vamos prestar atenção em um aspecto que o Evangelho de hoje destaca e que também oferece luz sobre a vida de Guadalupe. Jesus, depois de ter exposto nas bem-aventuranças o caminho para a verdadeira felicidade, convida cada um de nós a ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14). Não estamos destinados a uma tarefa menos importante ou menos universal do que essa: ser sal e ser luz. Como o fogo do círio que iluminou a escuridão na Vigília Pascal, Jesus quer que cada um de nós dissipe as trevas de nosso ambiente: que, como Guadalupe, levemos a luz da alegria da nossa amizade e do nosso carinho aos outros. Conservemos esse sal do Evangelho, fruto de uma fé profunda, para que, confiando nosso futuro a Deus, sejamos felizes servindo àqueles que nos rodeiam.

Numa meditação, São Josemaria nos convidava precisamente, a agradecer ao Senhor por esse convite para ser sal e luz, “porque” – dizia- “dignou-se a nos procurar como um grãozinho de sal, como um pouquinho de luz, para colocar todo o seu sal, toda a sua luz, e alcançar estas maravilhas no serviço às almas, no serviço à Igreja, em todo o mundo” (Meditação, 2-X-1964). Nestes dias que vivemos no compasso da beatificação de Guadalupe, nos recordam mais uma vez que a santidade – para a qual o amor de Deus nos chama – é uma possibilidade real para todos. O caminho para esse objetivo, com a força do Espírito Santo que nos identifica com Jesus Cristo, é percorrido a serviço dos outros. Pedimos ajuda à nossa Mãe Santa Maria que, depois daquelas palavras – “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38) – “partiu apressadamente” (Lc 1,39) para servir a sua prima Isabel.

Assim seja.