Confissão: Deus nunca se cansa de perdoar

Na confissão Deus derrama a sua misericórdia perdoando os nossos pecados e nos dá a força para levantar-nos e voltar a Ele.

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“Ó Deus, que mostrais vosso poder sobretudo no perdão e na misericórdia, derramai sempre em nós a vossa graça, para que, caminhando ao encontro das vossas promessas, alcancemos os bens que nos reservais”[1]. A liturgia da Igreja faz-nos considerar que a Onipotência Divina, além de mostrar-se na grandeza da Criação e nos prodígios e milagres realizados por Cristo, revela-se de forma especial em sua infinita capacidade de perdoar: nenhuma ofensa consegue endurecer o seu Coração sempre aberto à misericórdia. São Josemaria era bem consciente disso: um Deus que nos tira do nada, que cria, é algo imponente. E um Deus que se deixa pregar com ferros ao madeiro da cruz, para redimir-nos, é todo Amor. Mas um Deus que perdoa, é pai e mãe cem vezes, mil vezes, infinitas vezes[2].

Encontrar-se com Jesus Cristo

As páginas do Evangelho são testemunha da vontade constante que Jesus tinha de manifestar a sua misericórdia: o paralítico que uns amigos descem pelo teto[3], a pecadora na casa do fariseu Simão[4], e a mulher surpreendida em adultério[5] obtêm uma compreensão e um perdão que superam qualquer expectativa. Estas personagens encontraram aquele que o Pai havia enviado para reconciliar todos os seres consigo, restabelecendo a paz, por meio do seu sangue derramado na cruz[6].

A confissão frequente é uma prática arraigada na tradição da Igreja

Esta missão de Jesus de reconciliar os homens com Deus prolonga-se na Igreja. Nosso Senhor diz aos Apóstolos no dia do triunfo de sua Ressurreição: Recebei o Espírito Santo; a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos[7].

A alegria da misericórdia

A misericórdia de Deus deseja alcançar todos os homens e mulheres da terra. No sacramento da Penitência somos destinatários do perdão do Senhor, assim como o foram o paralítico de Cafarnaum e a mulher adúltera. Identificamo-nos assim com os principais protagonistas das parábolas mais comoventes que o evangelista Lucas nos transmite: o filho pródigo e o viajante assaltado por bandidos e cuidado pelo bom samaritano. Sim, em cada confissão Jesus limpa as nossas feridas – grandes ou pequenas – alivia-nos com o azeite da esperança e paga os gastos da nossa recuperação.

A confissão frequente é uma prática arraigada na tradição da Igreja, que deu grandes frutos de santidade. Manifesta o desejo de afastar tudo o que puder esfriar o amor a Deus e de beneficiar-se do caráter terapêutico deste sacramento, de querer ser um apóstolo mais a quem Jesus lava os pés. E, independentemente de que os pés tenham manchas arraigadas ou simplesmente pó do caminho, é sempre Cristo quem nos lava. Por isso, como é lógico que a alma sinta necessidade de ir com regularidade a este encontro purificador! E que pena seria evitá-lo por comodismo ou desordem; em suma, por falta de amor! Pelo contrário, cada vez que recorremos ao sacramento do perdão é como se disséssemos a Deus: “Senhor, deixei-me enganar, fugi do teu amor de mil formas, mas aqui estou outra vez para renovar minha aliança contigo. Necessito de Ti. Resgata-me de novo, Senhor, aceita-me uma vez mais entre teus braços redentores”[8].

O problema é que somos nós que nos cansamos, não queremos, cansamo-nos de pedir perdão

A Igreja, por isso, recomenda vivamente a confissão habitual, porque “ajuda a formar a consciência, a lutar contra nossas más tendências, a deixar-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito. Recebendo mais frequentemente, por meio deste sacramento, o dom da misericórdia do Pai, somos levados a ser misericordiosos como ele”[9].

Neste sentido, o Papa Francisco anima-nos a recorrer com frequência a este sacramento, sem que a experiência constante de nossa pouca valia constitua motivo para o desalento. Nas conhecidas palavras que pronunciou antes da recitação de seu primeiro Ângelus como Pontífice, na praça de São Pedro, ele recordava que “Deus nunca se cansa de perdoar. Nunca. ‘E, padre, qual é o problema?’ O problema é que somos nós que nos cansamos, não queremos, cansamo-nos de pedir perdão. (...) Ele é o Pai amoroso que sempre perdoa, que tem esse coração misericordioso com todos”[10]. Quando sabemos abrir a alma com simplicidade e regularidade, mostrando também as faltas que cometemos repetidamente em nossas vidas, percebemos a proximidade de Deus: o desejo de um Pai de estar sempre perto de seu filho.

Força para recomeçar

É significativo que Bento XVI, falando a umas crianças que se preparavam para receber a Primeira Comunhão, tenha dito: “É verdade que nossos pecados são quase sempre os mesmos, mas limpamos nossas casas, nossos quartos, pelo menos uma vez por semana, embora a sujeira seja sempre a mesma, para viver em um lugar limpo, para recomeçar; do contrário, talvez a sujeira não se veja, mas se acumula. Algo semelhante vale também para a alma, para mim mesmo; se não me confesso nunca a alma se descuida e, no final, estou sempre satisfeito comigo mesmo e então não compreendo que também devo esforçar-me por ser melhor, que devo avançar. E esta limpeza da alma que Jesus nos proporciona no sacramento da Confissão, ajuda-nos a ter uma consciência mais desperta, mais aberta, e assim também a amadurecer espiritualmente e como pessoa humana. Resumindo, duas coisas: só é necessário confessar-se em caso de pecado grave, mas é muito útil confessar-se regularmente para manter a limpeza, a beleza da alma, e amadurecer pouco a pouco na vida”[11].

A Confissão, portanto, atua como luz e como força para combater as inclinações que nos puxam para baixo: a graça sacramental e a generosa satisfação do penitente têm caráter medicinal e curam, em parte, as relíquias que o pecado sempre deixa na alma. Recorrei semanalmente (...) ao santo Sacramento da Penitência, ao santo sacramento do perdão divino. Revestidos da graça, passaremos através das montanhas, e subiremos a encosta do cumprimento do dever cristão, sem nos determos[12].

A festa pela conversão do filho estendeu-se a todo o lar paterno

Ao mesmo tempo, sabemos que não estamos sozinhos na luta por corresponder ao amor de Deus. A decisão de uma pessoa de converter-se ou afastar-se d’Ele incide nos outros membros do Corpo de Cristo. Na parábola do filho pródigo é fácil imaginar, por exemplo, como a repentina e dolorosa partida do filho afetaria a todos: nos dias seguintes haveria provavelmente caras tristes, os empregados sentiriam pena ao ver o Pai esperando todo dia por seu filho, o trabalho seria mais custoso e talvez, com um certo desânimo, trocariam poucas palavras no dia a dia.

Mais para a frente, são Lucas conta que, quando o filho voltou, puseram-se a celebrar o fato[13]. A festa pela conversão do filho estendeu-se a todo o lar paterno. Os criados sentiriam a mesma alegria que o Pai e agora, seria talvez mais fácil e tolerável realizar qualquer tarefa doméstica. A volta repentina do filho implicaria sem dúvida mais pressa no trabalho de preparação da festa. Imaginamos, no entanto, os trabalhadores acedendo com gosto aos pedidos do Pai: Trazei-me depressa a melhor veste e vista-lhe; ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés. Trazei também o novilho gordo e matai-o; e comamos e façamos uma festa. Este meu filho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado[14]. A Igreja nos ensina, com efeito, que, pela comunhão dos santos, a nossa correspondência à graça de Deus – também quando consiste em voltar à casa do Pai – fortalece e estimula os outros fieis em sua vida cristã.

Uma ajuda para chegar ao porto

Peço diariamente à nossa Mãe que saibamos abrir a alma na direção espiritual, para que a luz da graça ilumine toda a nossa conduta![15]. A confissão frequente constitui uma forma de direção e acompanhamento espiritual, sobretudo se recorremos habitualmente ao mesmo ministro do sacramento, o que é muito recomendável, dentro da plena liberdade pessoal de cada fiel. Esse confessor, conhecendo pouco a pouco a alma do penitente, o seu caráter e circunstâncias pessoais de família, trabalho e saúde, está em condições de dar o conselho oportuno, animar na luta e formar a consciência. Além disso, a frequência do exame prévio à confissão vai melhorando o juízo sobre a própria conduta, estimula a procurar orientação e aumenta a humildade e a dor de amor. Preparai a vossa confissão semanal, e fazei-a com muita delicadeza. A mim, dá-me muita alegria recorrer a este meio da graça, porque sei que o Senhor me perdoa e me enche de fortaleza. E estou persuadido de que, com a prática piedosa da Confissão sacramental, se aprende a ter mais dor e, portanto, mais amor[16].

Convém, portanto, que o exame ajude a chegar à raiz dos pecados e faltas, para detectar o que pode ofender a Deus e afastar-nos dele, mesmo que sejam coisas pequenas. A prática de um breve exame de consciência no final do dia demonstra-se muito útil. No exame, por exemplo, diante de uma falta podemos pensar: “vou dizer isso na confissão”, e ficamos repletos de esperança ao saber que a graça sacramental nos ajudará a enfrentar a luta nesse campo onde fomos derrotados. O esforço do exame, com a luz do Espírito Santo, e a compunção abrem imediatamente a alma à graça, que já começa a curá-la e a fortalecê-la.

Receber com frequência o perdão divino leva, além disso, pela mão da Virgem, Mater misericordiae, a ser também misericordiosos com o próximo

Neste caminho rumo à santidade, é com efeito o divino Paráclito quem se encarrega de formar progressivamente em nossa vida os traços do rosto de Cristo, e quem nos ajuda a recuperar a semelhança divina perdida com o pecado. É Ele quem nos sugere e estimula a confessar regularmente os nossos pecados e nos faz experimentar no sacramento a ternura do Pai, o amor do Filho e a força do Espírito, mais potente que qualquer pecado.

A partir da experiência de nossos limites e de um arrependimento sincero o Espírito Santo, pastor de nossas almas[17] nos obtém uma maior humildade e a dor de amor que nos fazem progredir na vida cristã: “quando começas a detestar o que fizeste, então tuas obras boas começam porque reconheces tuas obras más. O começo das obras boas é a confissão das obras más. Reconheces a verdade e vens para a Luz”[18]. Receber com frequência o perdão divino leva, além disso, pela mão da Virgem, Mater misericordiae, a ser também misericordiosos com o próximo, assemelha-nos a Deus naquilo em que mais e melhor manifesta o seu poder: a capacidade de perdão e de misericórdia.

Vicente Bosch


[1] Missal Romano, oração coleta do 26º domingo do Tempo Comum.

[2] De nosso Padre, Notas de sua pregação oral, citadas em Dos meses de catequesis, II, PP. 537-538. Veja o vídeo em que São Josemaria diz estas palavras.

[3] Cfr. Lc 5, 20.

[4] Cfr. Lc7, 47.

[5] Cfr. Jo 8, 11.

[6] Col 1, 20.

[7] Jo 20, 22-23.

[8] Francisco, Exort. Apost. Evangelii gaudium, 24-XI-2013, n. 3.

[9] Catecismo da Igreja Católica, n. 1458.

[10] Francisco, Ângelus, 17-III-2013.

[11] Bento XVI, Encontro de catequese e oração com as crianças da Primeira Comunhão, 15-X-2005.

[12] Amigos de Deus, n. 219.

[13] Cf. Lc 15, 24.

[14] Lc 15, 22-24.

[15] Sulco, n. 339.

[16] A sós com Deus, n. 259.

[17] É Cristo que passa, n. 174.

[18] Santo Agostinho, In Ioannis Evangelium tractatus, 12, 13.