Uma visita a Santa Maria da Paz

Era a primeira vez que Kristina vinha passar o Natal conosco. Nos anos seguintes viria um mês no Natal e dois meses no verão, entre Junho e Agosto. E cada vez que vinha era a alegria de nos sentirmos pais, e ela recebia o dom de sentir-se filha.

Poucos dias depois da chegada das crianças da Bielorrússia, a Associação de Modugno, responsável pela sua autorização de residência em Itália – a mesma que tornou possível receber Kristina – organizou uma visita a Roma para ver o Papa. Foi numa quarta-feira, dia da audiência papal na sala Nervi, que acolhe os peregrinos quando as condições meteorológicas não permitem que se realize em espaço aberto, na Praça de São Pedro.

Terminada a audiência com o Papa, as crianças e os estrangeiros, que naturalmente estavam cansados, tivemos duas horas de tempo livre antes de nos encontrarmos no parque de estacionamento do autocarro que nos esperava. Era a ocasião propícia.

Há pouco tempo tinha lido um livro sobre o Opus Dei e uma biografia do seu Fundador, São Josemaria Escrivá, um santo do séc. XX. Tinha muita curiosidade de visitar, ainda que brevemente, a sede central da Obra, Villa Tevere, na rua Bruno Buozzi.

Perguntei se podia afastar-me do grupo e deixei Kristina com a minha mulher, renunciei ao almoço e fui pegar um táxi, o meio mais rápido pelo pouco tempo de que dispunha.

Para onde vai? – Perguntou-me o taxista num sotaque marcadamente "romano".

Vou a Villa Tevere, na rua Bruno Buozzi, esquina com a rua de Villa Saccheti.

– O senhor vai à sede... de, como se chama,"lopussdei"?

– Sim, é mesmo para onde quero ir.

– Gostaria – ia-me dizendo o taxista falando enquanto conduzia – de acompanha-lo pois parece-me que para onde vai está enterrado um santo... Escobar, será?

– Escrivá, São Josemaria Escrivá, sim. É o Fundador do Opus Dei.

Corrigia, evitando acrescentar "de Balaguer" para não complicar o assunto.

Mas porque é que é tão importante? Fez alguma coisa de especial?

– Todos os santos são importantes. Ele disse que cada homem, convertido em filho de Deus pelo Batismo, pode santificar-se sem fazer coisas extraordinárias, mais ainda, fazendo extraordinariamente bem as coisas habituais. Por exemplo, o senhor é taxista, pode trabalhar de dois modos: de forma rotineira, inclusive um pouco superficial ou, pelo contrário, pode realizá-lo dando glória a Deus através desse trabalho e realizá-lo tão bem que poderá chegar a santificar-se. Em resumo, para ser santo não é indispensável ser monge, eremita ou morrer mártir, como se acreditava antigamente.

– Sabe? Há já algum tempo tinha prometido a mim próprio pedir que me levassem a fazer uma visita rápida a esse lugar! – Disse-me o taxista enquanto procurava, em vão, um lugar para estacionar o carro.

– Chegamos e sabe que hoje.... Importa-se que vá com você? Nesse momento tinha parado o carro com duas das rodas em cima do passeio da rua estreita de Villa Sacchetti.

Não, venha, era o que faltava! Respondi-lhe temendo que, na realidade, dificultasse a minha visita com o pouco tempo de que dispunha.

Era uma tarde no início do inverno. Toquei à porta e fomos recebidos com muita amabilidade apesar de, a essa hora, a sede estar fechada. Estávamos entrando quando se aproximou um sacerdote jovem, alto, elegante de batina. Com sotaque espanhol perguntou-nos se precisávamos de alguma coisa e convidou-nos a irmos com um jovem de casaco e gravata.

Descemos a escada num ambiente refinado e elegante, passamos diante do busto de São Josemaria, de mármore branco, e chegamos a um local, como uma capela, onde, no chão, estava uma lousa enorme, de mármore negro, com uma inscrição em letras douradas que dizia "El Padre" (O Pai). Por baixo o selo do Opus Dei, uma cruz inscrita num círculo que expressa a missão da colocar Cristo no meio do mundo, ou o "chamamento universal à santidade". Em baixo, duas datas: 9.I.1902 e 26.VI.1975.

O nosso companheiro afastou-se, recolhido em oração, ajoelhado numa esquina. Eu fiquei em pé, embaraçado, impressionado pela solenidade do lugar e comecei a rezar e a repetir em voz baixa o Pai-Nosso e a Ave-Maria, o Glória e um responso. Nesse momento vi o taxista que se tinha convertido na minha sombra, ajoelhado com o olhar fixo no túmulo.

Depois de uns minutos, olhamos para o nosso acompanhante e saímos. Explicou-nos que nesse local esteve inicialmente enterrado o Fundador, o Padre mas, anos depois, trasladou-se o corpo para a igreja que se encontra no piso de cima, ficando debaixo do altar. Ali quem se encontrava era o seu primeiro sucessor, o bispo e Servo de Deus, Álvaro del Portillo, falecido em 1994.

Depois, dirigimo-nos para a Igreja, muito bela. Ali, tudo era bonito e a presença da imagem de Santa Maria da Paz impunha-se. Num banco, de joelhos, recolhido em oração, estava o sacerdote que nos tinha recebido à entrada. Olhou-nos e sorriu. Tenho a certeza de que rezava por nós.

Fomos até ao altar. Diante de nós encontrava-se o sarcófago revestido de prata com os restos mortais de São Josemaria. Havia uma placa com a inscrição: São Josemaria Escrivá de Balaguer e de novo a datas de nascimento 9.I.1902 e da morte, 26.VI.1975. De cada lado da inscrição, dois medalhões de bronze com o seu rosto. O nosso acompanhante inclinou-se e beijou um deles. Eu persignei-me. De soslaio, vi o taxista – que não tinha proferido uma só palavra desde que havíamos entrado – com as mãos juntas e percebi que rezava.

Poucos minutos depois, com grande pena minha, disse ao acompanhante que tinha de ir-me embora. Brevemente, contei-lhe a razão pela qual ali estava e que devia reencontrar-me com o grupo, a minha mulher e a menina – em São Pedro.

Terminei a visita em pouco tempo, e pude voltar de ônibus. Indicaram-me a parada e já na rua, agradeci-lhes o modo como me tinham acolhido. O jovem acompanhante despediu-se e disse que rezaria por nós.

Na rua, o taxista agradeceu-me e disse-me que não esqueceria aquela visita e que a partir daquele momento voltaria a rezar de novo...

Como disse que se chamava o Santo? Ah! Escrivá, é isso

— Adeus!

E entrou no táxi estacionado com as duas rodas em cima da calçada.