Um Segundo à Eternidade

“São Josemaría foi um santo,«com os pés na terra e a cabeça no céu». Um homem que amou o mundo apaixonadamente, mas para devolvê-lo ao Criador, através do oferecimento dos deveres quotidianos do cristão, fazendo tudo por amor”.

"Fotografar é a arte de parar o tempo", disse De Plá. O fugaz instante em que o raio de luz incide numa simples folha de capim, é escolhido pelo olhar atento e sensível do fotógrafo; o verde se transfigura em luminosidade e se 'eterniza' no papel. É capim, mas parece...ouro!

O mesmo se poderia dizer que ocorre com a vida. As realidades mais simples podem se transfigurar e elevar-se a um plano superior, fora do tempo, pois adquirem peso de eternidade. É o que acontece com os santos.

Mesmo em suas ações mais comuns, atingem a Deus e reverberam a luz divina a todos aqueles que conviveram com eles.

No passado 6 de outubro de 2002, o Papa João Paulo II canonizou Josemaría Escrivá de Balaguer, o Fundador do Opus Dei. Com esse ato a Igreja atesta que ele está no céu. O 26 de junho de 1975 foi o dia em que o tempo parou para ele: faleceu perto do meio dia, por uma falha cardíaca. De manhã, tivera uma reunião em Castelgandolfo, com diversas universitárias do Opus Dei. Uma das professoras tirou a última foto de Monsenhor Escrivá. A fotografia é implacável: o Fundador sorri e está atento a elas; nota-se o cansaço em seu rosto, mas também seu garbo e elegância para superá-lo. Poucas horas depois ele já estava na eternidade. Morreu como viveu, trabalhando. E procurando transformar em vida o espírito do Opus Dei: santificar o trabalho sendo contemplativo no meio do mundo. Como ele mesmo disse: "Plenamente mergulhado no seu trabalho diário entre os demais homens, seus iguais, atarefado, ocupado, em tensão, o cristão tem que estar ao mesmo tempo totalmente mergulhado em Deus".

São Josemaría foi um santo,"com os pés na terra e a cabeça no céu". Um homem que amou o mundo apaixonadamente, mas para devolvê-lo ao Criador, através do oferecimento dos deveres quotidianos do cristão, fazendo tudo por amor.

Dizia ele: "Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida de todos os dias, ou não o encontraremos nunca."

Em maio de 1974, eu tive a felicidade de conhecer esse santo. Passou 15 dias em São Paulo.

Dia 24 estive com ele em uma reunião reduzida. Entrou na sala rapidamente, com uma agilidade que me impressionou muito, pois ele já tinha 72 anos. Como muitas pessoas observaram, sua alma puxava pelo seu corpo.

Penso que nele se cumpriam aquelas palavras de Picasso: "é preciso muito tempo para aprender a ser jovem". Eu era jovem, mas foi nesse dia em que compreendi o verdadeiro conteúdo dessa palavra pois ele era um sacerdote enamorado de Deus e tinha uma vibração interior jovial.

No ensolarado 28 de maio, muitas pessoas estivemos com ele em Aparecida, para rezar o terço.

Ele foi de helicóptero, partindo de S. Paulo, e sobrevoou São José dos Campos. Enquanto avistava a capital do Vale, fez o sinal da cruz, abençoando a cidade.

Na manhã do dia 1º de junho de 1974, meus pais, minha irmã e eu, pegamos a marginal Tietê no nosso 'fusca' verde, em direção ao Palácio das Convenções do Anhembi. Naquele auditório, umas 4.000 pessoas pudemos ver e ouvir a Monsenhor Escrivá. Alguns faziam perguntas; a maioria meditava nas suas respostas. Eram rápidas, vivas, profundas e alegres. O idioma não foi obstáculo: nos santos a carne e os ossos são um espelho perfeito do amor de Deus em suas almas.

Perguntaram-lhe sobre como santificar-se no trabalho ou no casamento, como educar os filhos, ou como aproximar os colegas à fé. Afortunadamente o encontro foi filmado em 16 mm; se 'fotografar é a arte de parar o tempo', penso que filmar é colocá-lo novamente em movimento. É difícil reproduzir no papel o clima que se criou, cordial e descontraído. Um engenheiro pegou o microfone e perguntou: Por que há tão poucos santos no Brasil, o país mais católico do mundo?

Monsenhor Escrivá sorriu e disse:

"Olha, meu filho! Os santos não fazem ruído. Provavelmente perto de ti haverá tantas pessoas que aos olhos de Deus são muito agradáveis e verdadeiramente santas. Não tenhas dúvida de que este momento de loucura é momento de santidade, e de que nesta cidade, há muitas almas maravilhosas, ocultas."

Qual a ligação entre um segundo e a eternidade? Estão muito próximos, apenas uma batida do nosso coração separa um do outro. Conforme dizia Vinícius de Morais "a coisa mais divina que há no mundo é viver cada segundo como nunca mais." Josemaría Escrivá viveu cada segundo da sua vida metido em Deus. Verdadeiramente, no coração deste homem que amava tanto a Cristo, uniram-se o tempo e a eternidade!

Odete Maria Pinto Ferreira é artista plástica

    Odete Maria Pinto Ferreira // Vale Paraibano