Um santo sempre jovem

Conferência do Cardeal Herranz no simpósio 'São Josemaria e os jovens': “Os jovens gostam da verdade”.

Este magnífico Simpósio se enquadra na preparação da próxima 'Jornada Mundial da Juventude' e, por isso, também naquilo que o Santo Padre considera uma necessidade real e urgente para a Igreja, e mais ainda para a sociedade civil.

Refiro-me à urgência de enfrentar o desafio da prioridade educativa da juventude e, mais concretamente, de não deixar que a cultura do superficial e do efêmero, própria da sociedade consumista, destrua os anseios que, nos corações jovens, clamam por ideais nobres e grandes, capazes de dar verdadeiramente sentido e beleza à sua existência.

Vocês me convidaram para falar do tema do Simpósio: ‘São Josemaria e os jovens’. Centenas de milhares – talvez milhões – de jovens em todo o mundo meditaram as seguintes palavras de São Josemaria, um santo que conhecia bem a vocês e com quem tive a sorte de conviver dia-a-dia durante vinte e dois anos maravilhosos: “Que a tua vida não seja uma vida estéril. - Sê útil. - Deixa rasto. - Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor...”. Por essa já bem firme familiaridade entre a juventude e São Josemaria, e porque os jovens se interessam sobretudo pelos testemunhos de vida, permitam que eu – jovem cardeal de oitenta anos – intercale nesta conferência proposições doutrinais e também recordações pessoais, centradas em três datas concretas.

À direita São Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei. À esquerda , o Cardeal D. Julián Herranz, autor deste artigo.

Primeira data: 21 de Novembro de 1950

Ao princípio da tarde desse dia, em um centro madrileno do Opus Dei situado no primeiro andar de uma casa perto da Rua de Padilla, morria repentinamente de um ataque cardíaco Suso Garrido, um jovem universitário de vinte anos, que tinha se preparado com grande entusiasmo para ir à Itália no dia seguinte com destino ao Colégio Romano, centro internacional de formação do Opus Dei em Roma. São Josemaria, presente em Madri nesses dias, veio imediatamente rezar junto do corpo de Suso e para estar conosco que, como é compreensível, estávamos muito impressionados pelo que acontecera.

Eu não conhecia pessoalmente o fundador do Opus Dei. Este primeiro encontro com ele, com o Padre, ia deixar na minha alma um tesouro de paz espiritual e de esperança sobrenatural, que os sessenta anos decorridos desde então não puderam anular ou esfumar no passado.

Um encontro assim, em circunstâncias tão singulares, além de me ajudar a compreender a riqueza espiritual e o espírito jovem de São Josemaria, confirmou-me na decisão da entrega total a Deus que eu tinha tomado uns dias antes, com vinte anos – como os de Suso – de juventude aberta cheia de sonhos para o futuro. Vou explicar melhor.

Eu tinha conhecido a mensagem do Opus Dei nesse Verão, durante o serviço militar em um acampamento de universitários. Aprendi pouco a pouco a procurar manter uma amizade sincera com Cristo, cultivada na leitura e meditação do Evangelho e na Eucaristia.

Compreendi cedo que na realidade era Ele quem tinha me procurado, e a nossa a amizade foi crescendo com toda a naturalidade, bem imerso nas tarefas vulgares, e não apesar dessas mesmas tarefas, da vida no acampamento: instrução em ordem aberta e em ordem fechada, atletismo, aulas teóricas e manobras de estratégia militar, desfiles… Com os meus amigos do Opus Dei aprendi a levar a sério o ser cristão, a lutar por ser fiel aos compromissos batismais de santidade pessoal e empenho apostólico.

Já antes, e como muitos dos meus companheiros de estudo ou de esportes, sentia na minha alma um anseio de coisas grandes, de dedicar a minha vida a ideais elevados, ainda que fossem árduos. Era uma inquietação serena, que refletia bem estas palavras de um poeta que gostava de ler, José María Valverde: “Tu, amigo, tu que tens vinte anos, diz-me: o que vais fazer com eles?”. Encontrei a resposta em outra pergunta com igual ímpeto juvenil, que um sacerdote, Josemaria Escrivá, fazia aos jovens em um livro de espiritualidade, Caminho: “Não desejaríeis gritar à juventude que fervilha à vossa volta: - Loucos!, largai essas coisas mundanas que amesquinham o coração... e muitas vezes o aviltam..., largai isso e vinde conosco atrás do Amor?” (n. 790).

Essas “coisas mundanas” eram então, como hoje, os falsos deuses das três principais concupiscências que tentam o homem ferido pelo pecado original: o ídolo da avareza e do poder a todo o custo (“concupiscência dos olhos”), o ídolo da luxúria e da droga (“concupiscência da carne”) e o ídolo do poder (“soberba da vida”). Três concupiscências que acompanham inseparavelmente a natureza humana caída. O autor de Caminho sabia disso, mas o que São Josemaria Escrivá pedia aos jovens era que não deixássemos que o nosso coração se envilecesse rendendo-se vergonhosamente – por falta de luta ascética – ao culto de qualquer desses ídolos. Isso seria sacrificar no altar dos falsos e efêmeros ‘paraísos’ as nossas mais nobres e profundas aspirações, a nossa sede de verdadeira liberdade e felicidade.

Amigos, podem compreender com que alegria li agora, passados sessenta anos, as seguintes palavras de Bento XVI na sua Mensagem para a “Jornada Mundial da Juventude” do próximo ano em Madri: “Sentir o desejo do que é realmente grande faz parte do ser jovem. Trata-se apenas de um sonho vazio que se desvanece quando uma pessoa se torna adulta? Não, o homem em verdade foi criado para o que é grande, para o infinito. Qualquer outra coisa é insuficiente. Santo Agostinho tinha razão: «o nosso coração está inquieto, até que não descansa em Ti» (…) O encontro com o Filho de Deus proporciona um dinamismo novo a toda a existência. Quando começamos a ter uma relação pessoal com Ele, Cristo revela-nos a nossa identidade e, com a sua amizade, a vida cresce e realiza-se em plenitude”.

“Vi com alegria como penetra nos moços — nos de hoje como nos de há quarenta anos — a piedade cristã, quando a contemplam feita vida sincera; quando entendem que estar em oração é falar com o Senhor como quem fala com um pai, com um amigo, sem anonimato, com um trato pessoal, numa conversa íntima”

“Vinde conosco atrás do Amor”. Aquela frase do jovem sacerdote Josemaria ecoava no meu coração aos vinte anos como o “Segue-me!” de Jesus aos seus primeiros discípulos junto ao mar da Galileia. Infundia-me temor e ao mesmo tempo agradava-me o pensamento de que esse chamamento divino pudesse ser também para mim. Outra frase daquele jovem sacerdote – “O Amor … bem vale um amor!” (Caminho, n. 171) – feriu-me como uma baioneta.

A graça de Deus fez-me audaz e decidi entregar-me completamente a Cristo, deixar tudo para entrar mais leve no futuro, jogar a minha existência toda com uma só cartada: a cartada do Amor de Deus. Passaram sessenta anos, e garanto que nunca me arrependi: foram, são, sessenta anos de felicidade. Graças a Deus!

Mas voltemos àquele dia 21 de Novembro de 1950, em Madri. Eu tinha diante de mim o autor de Caminho, o fundador do Opus Dei, rezando diante do corpo de um jovem, que a morte acabara de levar com apenas 20 anos de idade. Impressionou-me a expressão enérgica e, ao mesmo tempo doce, do rosto de São Josemaria e o seu olhar ferido pela dor, mas sereno, como trespassado por um íntimo abandono em Deus, por uma alegria espiritual. Ao terminar o responso falou-nos do sentido cristão da vida e da morte; disse-nos com estas palavras ou outras parecidas: “Meus filhos: para nós a morte significa entrar na Casa do Pai e encontrarmo-nos definitivamente com a Vida. Suso soube amar a Deus, foi fiel à sua Vontade e venceu a última batalha desta guerra de paz e de amor. Já está junto do Amor… o Amor com maiúscula!”

Precisamente esta expressão de São Josemaria – a vida como “guerra de paz e de amor” – leva-me à recordação de outra das três datas a que aludi.

Segunda data: 31 de Dezembro de 1971

Era o dia 31 de Dezembro de 1971 pela tarde, na Sede Central do Opus Dei em Roma. Em um momento de reunião familiar com os membros do Centro do Conselho Geral, São Josemaria leu-nos uma nota pessoal recolhida nesse dia: “Este é o nosso destino na terra: lutar, por amor, até ao último instante. Deo gratias! (Graças a Deus!)”

Se o cristão deve conceber sempre o seu “destino na terra”, a sua vida na dupla dimensão ascética e apostólica, como uma “guerra de paz e de amor”, esta exigência vocacional era particularmente intensa naqueles anos da vida da Igreja e do mundo. São Josemaria sofria imensamente perante a confusão doutrinal e disciplinar que reinava em amplos setores da Igreja e ainda mais da sociedade civil, especialmente entre os jovens. A “crise pós-conciliar”, produzida por interpretações erradas do Concílio Vaticano II, tinha levado a uma redução temporalista da mensagem evangélica, colocando Deus à margem e pondo o homem como o centro, com os consequentes abusos litúrgicos e disciplinares, inúmeros abandonos sacerdotais e progressiva diminuição de vocações.

No âmbito da sociedade civil, a chamada “revolução de Maio de 68”, mistura explosiva de ideias de Marx, Freud e Marcuse, produziu, principalmente em nações europeias e americanas mudanças sociais evidentes: contestação da noção e exercício da autoridade (tanto religiosa e civil, como paterna), desprezo do conceito natural e cristão de família e de casamento, falso ‘feminismo’ e absoluta “liberdade sexual”, etc. Contra alguns ideais nobres, a princípio, rapidamente afogados por tendências anárquicas prevalentes, impôs-se uma filosofia libertária e niilista, onde não havia lugar para Deus, nem para a consciência moral, nem para os valores autênticos que enobrecem a dignidade da pessoa.

Josemaria Escrivá, que tinha lido para nós essa exortação a “lutar por amor até o último instante”, completava, poucos dias depois, setenta anos. Não era o sacerdote jovem que eu tinha conhecido em Madri no remoto ano de 1950. Mas o vigor juvenil de sua alma era o mesmo, tanto assim que tinha escrito referindo-se a um terceiro e indiretamente a si mesmo: “Apesar dos anos, andava sempre com a juventude madura do amor” ( Forja, n. 493). Por isso, diante da hecatombe espiritual a que acabo de me referir e pensando sobretudo nos jovens que estavamsofrendo-a e naqueles que ele previa – como aconteceu – que deviam confrontar-se com ela no futuro, disse: “Não vamos ficar inativos”. Consequente com o propósito de “lutar por Amor”, repetia-nos com frequência este lema recolhido depois em Sulco: Tarefa do cristão: afogar o mal em abundância de bem. Não se trata de campanhas negativas, nem de ser anti-nada. Pelo contrário: viver de afirmação, cheios de otimismo, com juventude, alegria e paz; ver com compreensão a todos: os que seguem a Cristo e os que O abandonam ou não O conhecem. - Mas compreensão não significa abstencionismo nem indiferença, mas atividade (n. 864).

“Andava sempre, apesar dos anos, com a juventude madura do Amor”. (Forja, n. 493).

E São Josemaria, apoiado em uma intensa oração de petição, desenvolveu um esforço enorme para pôr em marcha numerosíssimas iniciativas apostólicas em todo o mundo, especialmente para a formação integral dos jovens: colégios e universidades, iniciativas editoriais, clubes juvenis, escolas de ensino profissional, etc. E dava prioridade à formação espiritual, ao encontro pessoal de amizade com Cristo. Explicou em uma entrevista: “Vi com alegria como penetra nos moços — nos de hoje como nos de há quarenta anos — a piedade cristã, quando a contemplam feita vida sincera; quando entendem que estar em oração é falar com o Senhor como quem fala com um pai, com um amigo, sem anonimato, com um trato pessoal, numa conversa íntima; quando se procura que ressoem em suas almas aquelas palavras de Jesus Cristo, que são um convite ao encontro confiante: vos autem dixi amicos, eu vos chamei amigos; quando se faz um apelo forte à sua fé para que vejam que o Senhor é o mesmo ontem hoje e sempre” (Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, n. 102).

Sempre com esse empenho de formação humana e espiritual dos jovens, promoveu a preparação de uma Bíblia popular com comentários doutrinais e ascéticos que facilitassem a meditação da Sagrada Escritura e especialmente a intimidade com a Santíssima Humanidade de Cristo.

Estimulou a difusão e estudo do catecismo e de livros espirituais de doutrina segura e, face ao esfriamento da vida de piedade – especialmente da prática dos Sacramentos –, fomentou entre centenas de milhares de jovens a vida eucarística e o amor à confissão sacramental. “Cor meum vigilat”, “o meu coração vigia”, ouvíamos ele repetir frequentemente. E acrescentava: “Meus filhos: não se deve tolerar que, em tempo de paz, ou na vida militar, que uma sentinela adormeça. Mas em tempo de guerra… Não podemos adormecer”.

Queridos amigos: comove-me pensar na grande atualidade destes ensinamentos e iniciativas apostólicas de São Josemaria, quando leio as seguintes palavras do Papa na sua Mensagem para a “Jornada Mundial da Juventude”: “Há uma forte corrente de pensamento laicista que deseja afastar Deus da vida das pessoas e da sociedade, propondo e tentando criar um ‘paraíso’ sem Ele. Mas a experiência ensina que o mundo sem Deus se converte num ‘inferno’, onde prevalecem o egoísmo, as divisões nas famílias, o ódio entre as pessoas e os povos, a falta de amor, de alegria e de esperança”. E, com expressões que eram também familiares a São Josemaria, o Papa aconselha aos jovens: “Escutai-O [a Cristo] como o verdadeiro Amigo com quem partilhar o caminho da nossa vida. Com Ele a vosso lado sereis capazes de afrontar com valentia e esperança as dificuldades, os problemas, também as desilusões e os fracassos. […] Nos Sacramentos, Ele aproxima-se de modo particular e se nos entrega. Aprendei a ‘ver’ e ‘encontrar’ Jesus na Eucaristia, onde está presente e próximo até entregar-se como alimento para o nosso caminho; no Sacramento da Penitência, onde o Senhor manifesta a sua misericórdia oferendo-nos sempre o perdão. […] Conhecei-O mediante a leitura dos Evangelhos e do Catecismo da Igreja Católica; falai com Ele na oração, confiai n’Ele”.

São ensinamentos que São Josemaria repetiu até à morte e continua agora repetindo. Mas esta realidade leva-me à terceira e última data que quero recordar, brevemente para não cansar vocês.

Terceira data: 26 de Junho de 1975

No dia 22 de Maio, um mês antes da sua morte, São Josemaria tinha escrito em uma das suas notas espirituais: “Da outra vida só nos separa um véu tão tênue que vale a pena estar sempre disposto a empreender essa viagem com alegria” (J. Herranz, En las afueras de Jericó, p. 204). Realmente, estava bem-disposto, com a alma sempre jovem gozosamente abandonada no seu Pai Deus, quando esse ‘tênue véu’ se levantou para ele, pouco depois do meio-dia do dia 26 de Junho de 1975.

Depois de beijar o seu rosto e de rezar intensamente de joelhos orando pela sua alma ao Senhor, os seus filhos presentes preparam carinhosamente o corpo do Padre a fim de o trasladar para o lugar sagrado, a igreja de Santa Maria da Paz.

Nos bolsos da batina encontramos junto do Terço duas coisas, que me parece oportuno mencionar na conclusão deste Simpósio porque simbolizam bem o que indiretamente – referindo-se a outra pessoa imaginária – ele tinha escrito de si mesmo: “Apesar dos anos, andava sempre com a juventude madura do amor” (Forja, n. 493). Essas duas coisas que encontramos nos bolsos eram: um agenda ou caderninho de notas e – compreendendo que isto podia surpreender a alguns dos presentes – um apito mais parecido àqueles com que os chefes das estações de caminhos-de-ferro dão partida aos trens, do que os que usam os árbitros de futebol. Vou-me referir primeiro à agenda.

Na sua Mensagem para a próxima “Jornada Mundial da Juventude” o Papa escreveu : “Cristo não é um bem somente para nós mesmos, mas é o bem mais precioso que temos para partilhar com os outros”. É isso precisamente o que sempre fez São Josemaria. Na agenda encontrada no bolso da batina, onde costumava anotar os seus sentimentos de ardente enamorado e apóstolo de Cristo, tinha escrito alguns dias atrás: “Amo a Cristo com toda a força do meu coração jovem… Jovem com 73 anos? Sim, sim, sempre jovem: com a juventude de Cristo que é eterna”.

É sabido que, muitos anos antes do Concílio Vaticano II, quando começou a ensinar a doutrina sobre o chamamento universal à santidade e ao apostolado, implícita no sacramento do Batismo, alguém lançou o boato em Madri de que aquele sacerdote muito jovem estava louco. E ele comentou: “Sim, têm razão, louco de amor a Cristo!”. E esse amor fazia-o feliz. Costumava repetir-nos e deixou escrito: “O que é preciso para conseguir a felicidade não é uma vida cômoda, mas um coração enamorado.” (Sulco, n.795).

O empenho apostólico constante de São Josemaria era o de levar os jovens a conhecer e amar Jesus, o Deus-Homem que se humilha, que nos ama, abraça as fadigas e as alegrias do trabalho humano, que se cansa, que sente a fome e a sede, que nos chama amigos e entrega a sua vida por cada um de nós…

Por isso, o seu empenho apostólico constante – que me tocou quando tinha vinte anos – era o de levar os jovens, e em geral todas as almas, ao encontro pessoal com Cristo, seguindo – como acontece também no amor humano – os sucessivos passos necessários do enamoramento, que resumia assim: “Procurar Cristo, relacionar-se com Cristo, conhecer Cristo, amar Cristo”. Relacionar-se, conhecer e amar a Santíssima Humanidade de Cristo, do Verbo encarnado, do Deus-Homem que se humilha, que nos ama e nos procura, que abraça as fadigas e as alegrias do trabalho humano, que se cansa, que sente a fome e a sede, que chora pelo amigo morto, que mostra uma infinita capacidade de amor e de misericórdia, que nos chama amigos e entrega a sua vida por cada um de nós… São Josemaria vivia e ensinava apaixonadamente a procurar este encontro pessoal com Cristo, que iluminava cada hora do seu dia laborioso vivido com dinamismo apostólico e espírito contemplativo. Uma perfeita unidade de vida, de que muitos fomos testemunhas.

E o apito? Perguntará alguém. Para que servia o apito a São Josemaria? Servia-lhe, como eloquente e simpático símbolo, para pôr o trem em marcha, para despertar as almas, talvez adormecidas ou distraídas, colocá-las decisivamente em marcha, com audácia juvenil e confiança em Deus, arrastando apostolicamente outros com a força de uma boa locomotiva, sem medo à neve e às agruras do caminho. Com frequência, brincando, São Josemaria tocava o apito junto do ouvido de um ou de outro de nós, para estimular, se fosse necessário, o nosso dinamismo apostólico.

A última vez que o vi fazer isto, ao ouvido de um jovem alemão, foi dois ou três dias antes de sua morte. Recordo-o agora, novamente, lendo as seguintes palavras de outro alemão universal, Bento XVI, na sua ‘Mensagem’ aos jovens: “A cultura atual, em algumas partes do mundo, sobretudo no Ocidente, tende a excluir Deus, ou a considerar a fé como um ato privado, sem nenhuma relevância na vida social. Embora o conjunto dos valores, que são o fundamento da sociedade, provenha do Evangelho […] constata-se uma espécie de eclipse de Deus”.

Como antes recordamos, São Josemaria percebia já vivamente esta realidade: a tendência comum do materialismo marxista e do materialismo hedonista para afastar Deus das almas e da vida normal das pessoas. E sofria ao ver que – face à pressão social dos meios de comunicação e do que se começava a chamar ‘politicamente correto’ – muitos cristãos adaptavam a sua própria vida a uma das seguintes tendências: “deixar-se levar pela corrente” pagã do mundano e do efêmero, perdendo a própria identidade cristã; ou então “auto-marginalizar-se” da sociedade, fechando-se comodamente, na defensiva, em uma torre de marfim de um ecossistema próprio. São Josemaria considerava profundamente falso este dilema, porque nenhuma dessas tendências corresponde às exigências da vocação divina à santidade e ao apostolado recebidas com a fé cristã e o Batismo. Por isso disse com palavras profundamente atuais, como são todos os seus ensinamentos: Não duvidem, meus filhos; qualquer modo de evasão das honestas realidades diárias é para os homens e mulheres do mundo coisa oposta à vontade de Deus. Pelo contrário, devem compreende agora — com uma nova clareza — que Deus os chama a servi-Lo em e a partir das tarefas civis, materiais, seculares da vida humana. Deus nos espera cada dia: no laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no seio do lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Não esqueçamos nunca: há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, algo que a cada um de nós compete descobrir.

Conclusão

Queridos amigos! Uma vez mais, hoje, com atitudes e ensinamentos de São Josemaria, quis recordar, ao dar por concluído este Simpósio, que ele nos estimula a viver – e a ensinar a muitos a descobrir – a beleza e a grandeza de ter Deus como Amigo, de saber encontrar cada dia a Cristo – o Verbo encarnado, morto e ressuscitado – não à margem das realidades temporais da nossa vida corrente, mas sim no meio delas: “Lembrai-vos de São João: Eu vos escrevo, jovens, porque sois valentes, e a palavra de Deus permanece em vós, e vencestes o maligno. É o próprio Deus que nos apressa, para a eterna juventude da Igreja e da humanidade inteira. Podemos transformar em divino tudo o que é humano, assim como o rei Midas convertia em ouro tudo o que tocava!” (Amigos de Deus, n. 221).

Vou terminar. Mas já que vocês moram na Espanha, especialmente perto da próxima ‘Jornada Mundial da Juventude’, não queria fazê-lo sem contar um episódio simples, mas agradável, que vivi junto do Papa que canonizou São Josemaria, João Paulo II, em um memorável encontro com jovens espanhóis, a 3 de Maio de 2003, no aeroporto de ‘Cuatro Vientos’ de Madri. Trata-se de um comentário relacionado com a música rock, que me pareceu bastante esclarecedor do ambiente em que se desenrolou aquela fantástica reunião dialogada do Papa com centenas de milhares de rapazes e moças.

Uma mulher polícia da escolta que nos acompanhou a Madri, de regresso do encontro, comentou comigo, estupefata com o espetáculo a que tinha assistido:

-“Este Papa arrasta os jovens mais que os Rolling Stones!”

Sorri e disse-lhe: “Sério...? Mas o Papa não canta nem toca violão…”

Ela respondeu, apontando para o coração: “Não. Mas quando fala faz tocar uma musiquinha aqui dentro”.

Quando São João Paulo II fala, faz tocar uma musiquinha aqui dentro (no coração)

Quando já em Roma, e depois de hesitar um pouco por causa do rock, me decidi a contar ao Papa o comentário, e ele me disse: “Os jovens gostam da verdade”. Estava mais que claro… e continua a estar.

A nós, queridos amigos, cabe-nos não decepcionar os jovens. E procurar que outros não os enganem. Podemos estar bem certos de que no serviço a este grande ideal apostólico contaremos sempre com a intercessão de São Josemaria e do Venerável João Paulo II.

Conferência de encerramento proferida pelo Cardeal Herranz no simpósio 'São Josemaria e os jovens' em Jaén, 19 e 20 de Novembro de 2010.

Julián Card. Herranz Casado