“Deus caritas est”, diz o texto latino de São João que o Papa quis escolher como título da sua primeira encíclica. “Deus é amor", lê-se em quase todas as traduções dessa frase. A caridade e o amor identificam-se? Em parte sim e em parte não. O Catecismo da Igreja Católica recorda que a caridade é a virtude pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, por amor a Deus. Mais adiante, afirma que "a caridade assegura e purifica nossa capacidade humana de amar".
É um fato que o homem tem necessidade de amar e de ser amado. O amor fiel, correspondido, delicado, é o anelo mais profundo do coração. A existência inteira consiste em uma procura do amor verdadeiro, em uma luta para superar os obstáculos que se erguem diante de nós e dentro de cada um de nós.
Jesus Cristo é a plenitude da Revelação: n'Ele conhecemos a Deus; n'Ele conhecemos plenamente o homem, como ensina o Concílio Vaticano II, e como repetia com frequência João Paulo II. Em Cristo descobrimos a nossa vocação e a nossa grandeza. E parte essencial dessa descoberta é a caridade, o amor que Jesus Cristo enobrece e purifica. Porque Cristo nos trouxe, com seu Amor, o "gaudium", a alegria e a paz.
Com a palavra "amor" aconteceu uma espécie de inflação: talvez a utilizemos demais, às vezes para nos referirmos a sentimentos efêmeros ou, inclusive, como faz notar o Papa, a manifestações de egoísmo. No entanto, com o termo "caridade" parece haver acontecido o contrário, uma espécie de restrição semântica: nós o empregamos talvez demasiado pouco, apenas para nos referirmos a certas atividades, exercidas por algumas pessoas, em casos especiais. Mas a caridade não se manifesta de forma excepcional, pois faz parte da própria identidade cristã: "nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros", disse o Senhor. Os pagãos reconheciam os cristãos por essa característica: "vede como se amam", exclamavam. O amor cristão constitui uma disposição moral que se projeta em uma enorme variedade de ações. Caridade significa servir, compreender, consolar, escutar, sorrir, acompanhar, corrigir, animar, pedir perdão e perdoar, dar e receber. A caridade se expande como que em círculos concêntricos: das relações pessoais até a sociedade inteira.
Na origem da família encontra-se o amor dos esposos, que cria o ambiente onde nasce a vida; o lar que acolhe com afeto o novo ser; o clima propício para amadurecer como pessoa.
O mundo do trabalho fica enriquecido pela caridade. Exercer a própria profissão de acordo com o preceito evangélico significa realizá-la por amor, com o desejo de servir, colocando o coração, pensando nos demais. Santificar o trabalho equivale a convertê-lo em expressão de amor a Deus e em ocasião de entrega aos demais, impregnando-o de justiça e de caridade. A geografia da Igreja está embelezada por esses focos de luz: lugares onde os cristãos procuram trabalhar e servir em silêncio, por amor. Basta pensar na África, o continente mais necessitado da cooperação de todos. Lá, a Igreja manifesta o seu amor, também "como ato eclesial", nas palavras de Bento XVI, como parte essencial de sua missão. A caridade estimula a magnanimidade, leva a não permanecermos indiferentes ante as necessidades dos demais. O Santo Padre resume assim esse processo de expansão da caridade: “O amor é «divino», porque vem de Deus e nos une a Deus, e, através deste processo unificador, transforma-nos em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja «tudo em todos»” (n. 18). Aqui se encontra a explicação da perene juventude da Igreja.
Na caridade reside também a chave da "nova evangelização". Essencialmente, a tarefa de difundir o Evangelho consiste em conseguir que muitas pessoas experimentem a caridade cristã, que as suas inteligências se abram à luz da fé graças à linguagem do amor, esse idioma universal que todos somos capazes de entender. A fé, com efeito, como escreve São Paulo, opera mediante a caridade.
São Josemaría Escrivá afirmava sem rodeios: "o principal apostolado que nós os cristãos devemos realizar no mundo, o melhor testemunho da fé, é contribuir para que dentro da Igreja se respire o clima da autêntica caridade".
Cristo, na Última Ceia, qualificou como "novo" o preceito da caridade: "um novo mandamento vos dou, que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei". Era novo então, e continua a sê-lo agora, para todos, dois mil anos depois. Se abordamos a leitura e a meditação da encíclica com a sadia curiosidade de quem sabe que pode descobrir algo de novo, com a inteligência e o coração abertos, encontraremos a permanente novidade dessa maravilhosa revelação: Deus é amor, que irradia em todos e cada um dos homens. E cumprir-se-á o desejo de Bento XVI: que esta encíclica "ilumine e ajude a nossa vida cristã".