Spe Salvi: Encíclica sobre a Esperança

Foi publicada “Spe salvi”, a segunda Encíclica de Bento XVI, que está dedicada à esperança cristã. O texto é aberto com a passagem da Carta de São Paulo aos Romanos: “Spe salvi facti sumus” (é na esperança que fomos salvos).

Com a salvação, diz o Papa, “ nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho ”.

Os cristãos “ têm um futuro: não é que conheçam em detalhe o que os espera, mas sabem em termos gerais que a sua vida não acaba no vazio ”. “ O Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova ”.

“Chegar a conhecer Deus, o verdadeiro Deus: isto significa receber esperança”, explica o Santo Padre. É algo que entenderam muito bem os efésios, que antes do encontro com Deus tinham muitos deuses, porém “ estavam sem esperança, sem Deus ”. O problema para os que vivemos sempre com o conceito cristão de Deus, sublinha o Santo Padre, é o estar acostumado com o Evangelho: “ tal esperança que provém do encontro real com este Deus quase nos passa despercebida ”.

O Papa recorda que Jesus não trazia “ uma mensagem sócio-revolucionária semelhante à de Espártaco ” e “ não era um guerreiro em luta por uma libertação política, como Barrabás ou Bar-Kochba ”. O que Jesus trazia “ era algo de totalmente distinto: o encontro com o Senhor de todos os senhores, o encontro com o Deus vivo e, deste modo, o encontro com uma esperança que era mais forte do que os sofrimentos da escravatura e, por isso mesmo, transformava a partir de dentro a vida e o mundo ”, “ apesar de as estruturas externas permanecerem as mesmas ”.

Cristo nos torna verdadeiramente livres: “ deixamos de ser escravos do universo e das suas leis ”. Somos livres porque “ o céu não está vazio ”, porque o Senhor do universo é Deus, que “ em Jesus Se revelou como Amor ”.

O Papa observa que “ Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa desejável ”. “ A atual crise da fé – continua – é sobretudo uma crise da esperança cristã ”. “A restauração do «paraíso» perdido, já não se espera da fé, mas da ligação recém-descoberta entre ciência e prática ”, donde surgirá “ o reino do homem ”. A esperança se transforma deste modo em “ fé no progresso ”, assentada sobre duas colunas: “ Razão e liberdade ” que “ parecem garantir por si mesmas, em virtude da sua intrínseca bondade, uma nova comunidade humana perfeita ”.

Digamos isto de uma forma mais simples: o homem tem necessidade de Deus; de contrário, fica privado de esperança ”- escreve o Papa. “ O homem não poderá jamais ser redimido simplesmente a partir de fora ”. “ O homem é redimido pelo amor ”. Um amor incondicional, absoluto: “ A verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora «até ao fim» ”.

O Papa indica quatro lugares para aprender e exercitar a esperança. O primeiro é a oração: “ Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Se não há mais ninguém que me possa ajudar, Ele pode ajudar-me ”.

Depois da oração, a ação: “ a esperança em sentido cristão é sempre esperança também para os outros. ” “ E é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas não caminhem para o « fim perverso » ”, mas contribua para “que o mundo se torne um pouco mais luminoso e humano ”.

“O presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceitado, se levar a uma meta”

Também o sofrimento é um lugar para aprender da esperança. “ Certamente é preciso fazer tudo o possível para diminuir o sofrimento ”, no entanto “ não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor ”. É também fundamental saber sofrer com os demais e pelos demais. “ Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem é uma sociedade cruel e desumana ”.

Finalmente, outro lugar para aprender a esperança é o Juízo de Deus. “ Existe a ressurreição da carne. Existe uma justiça. Existe a «revogação» do sofrimento passado, a reparação que restabelece o direito ”. O Papa se mostra “ convencido de que a questão da justiça constitui o argumento essencial – em todo o caso o argumento mais forte – a favor da fé na vida eterna ”. É impossível que “ injustiça da história seja a última palavra. Mas, na sua justiça, Ele é conjuntamente também graça ”. “ A graça não exclui a justiça... No fim, no banquete, eterno, não se sentarão à mesa indistintamente os malvados junto com as vítimas, como se nada tivesse acontecido ”.

Os oito capítulos da Encíclica têm por título: “A fé é esperança”; “O conceito de esperança baseada sobre a fé no Novo Testamento e na Igreja primitiva”; “A vida eterna – o que é?”; “A esperança cristã é individualista?”; “A transformação da fé-esperança cristã no tempo moderno”; “A verdadeira fisionomia da esperança cristã”; “«Lugares» de aprendizagem e de exercício da esperança”; “I. A oração como escola da esperança”; “II. Agir e sofrer como lugares de aprendizagem da esperança”; “III. O Juízo como lugar de aprendizagem e de exercício da esperança”; “Maria, estrela da esperança”.