“Sou uma garimpeira de tempo”

Gabriela Méndez diz que tem de ser uma “garimpeira de tempo” para roubar os minutos do dia. Fala-nos de suas quatro filhas, do seu trabalho em uma escola, de sua vida social, e de suas grandes paixões: a pintura e a música.

Pouco a pouco, vou me acostumando a ser uma espécie de “garimpeira de tempo” para roubar os minutos do dia. Todas as sobras de tempo servem. Agora, por exemplo, poderia dar outras duas pinceladas num quadro que os amigos me pediram (são minhas primeiras encomendas pictóricas), afasto os pincéis, e mudando de assunto, conto algo da minha história.

Não tenho um relato extraordinário, e, aos meus 31 anos, seria presunção escrever uma espécie de autobiografia. Mas, como insistem, começarei por dizer que meu pai é supernumerário do Opus Dei e, com minha mãe, forma um casal de jovens avós que me apóiam muito.

Estudei em Peñaubiña, um colégio de fomento de Oviedo (Espanha), e, depois, fiz o curso de Direito na Universidade de Oviedo. Desde pequena, participei das atividades de um clube da Obra, Montealegre, embora de forma inconstante, sempre que me permitiam as minhas obrigações familiares.

Tenho grandes amigas supernumerárias e numerárias, mas devo salientar o papel de uma amiga supernumerária que foi fundamental na minha decisão de tornar-me do Opus Dei. Eu via tudo claro, mas a sua história e sua vida foram muito encorajadoras no momento de confiar nas possibilidades de compaginar a minha amizade com Deus em uma vida normal e de muita ocupação (e isso no tempo que ainda não era mãe...).

Um pai fantástico e um quarteto de cordas

Outro pilar fundamental da minha vida é meu marido, Alfonso. Agora que ele não me ouve, falarei bem dele. Reúne tantas qualidades que às vezes julgo que não o mereço. Talvez destacasse sua capacidade intelectual, que está transbordando nas possibilidades arquitetônicas de nossa casinha... Valorizo, também, sua sensibilidade e, sobretudo, seu senso de humor, que é fundamental nesta vida (daí o nosso gosto comum para o grupo musical formado por comediantes argentinos: Les Luthiers). Para resumir, Alfonso é um pai fantástico, um gênio, mas não um gênio doido pela matemática, desses que escrevem fórmulas nas janelas de sua casa. Gosta de escrever frases curtas em uma caderneta Moleskine, ou, conforme o caso, numa folha dobrada. É simplesmente um tipo genial, que no seu aspecto mais sério, dedica-se à advocacia.

Temos quatro filhas: Gabriela (7 anos), Candela (4 anos), Lola (2 anos) e Estela (6 meses). Elas têm essa virtude especial de se entenderem quando todas falam ao mesmo tempo (menos a de 6 meses, evidentemente, que se soma à sinfonia emitindo ruídos variados). Já nos deram amostras abundantes, tão próprias das crianças, que consistem em dar aos pais lições particulares sobre coisas importantes. Como, por exemplo, quando roubaram a carteira da minha irmã. Num dia desses relatava-nos o roubo, com muita raiva e indignação e, de repente, Gabriela (então com 6 anos recém cumpridos) tentou remediar a situação e apareceu com as suas escassas poupanças na mão, ajudando com tudo quanto tinha, para reparar o dano e o bom humor de sua tia. “Pega tia, é para quando tiver outra carteira”.

Malabarismo na vida cotidiana

Trabalho como funcionária em uma escola chamada Peñamayor... Atendo aos pais, atuo como secretária da diretoria da escola... Ao meu trabalho pode-se aplicar o rótulo de “multitarefas”. É um trabalho agradável que procuro oferecer a Deus todos os dias, com todos os prós e os contras que me aparecem na jornada.

No entanto, o desafio do meu trabalho não é pequeno: manter sempre vivo o sorriso. Tento ter Jesus presente no meu trabalho e isso me ajuda a realizá-lo na melhor maneira possível, como imagino que Ele realizaria se estivesse no meu lugar.

Quanto ao modo de conciliar o trabalho profissional com a família, faço um malabarismo como tanta gente. É o caso de se organizar e aprender a delegar, porque tem coisas que, embora não estejam feitas como você o faria, são delegáveis, e tem coisas  - por exemplo, a educação das crianças - que não são delegáveis em absoluto. Devemos formar uma boa equipe. Gosto de passar essa idéia para a família: a estimulante idéia de “equipe”, que se entende bem.

E, de alguma forma, parte da equipe é a pessoa que me ajuda em casa, que é muito mais do que uma simples ajuda: é como um anjo da guarda.

Um dia típico? Acordamos e, após a higiene pessoal, tudo começa. Tentamos (e às vezes conseguimos!) fazer com que o café da manhã seja familiar; e assim conseguimos uma solução paliativa para o fato não almoçarmos todos juntos durante a semana. Depois de me arrumar é a escola e o trabalho, trabalho e mais trabalho. Na parte da tarde, pego as meninas, tenho os trabalhos comuns de casa; jantar e pôr as meninas para dormir. Em seguida, Alfonso e eu tentamos - e isto sim que conseguimos - conversar um pouco. Até nós nos rendermos ao sono.

Nesse emaranhado de atividades, procuro que seja essencial a minha amizade com o Senhor: Missa, oração do rosário. O ideal seria ter um horário mais ou menos fixo, mas atualmente oscila muito. Devem ser coisas da vida cotidiana.

Grande parte do nosso tempo é gasto (bendito gasto!) com os amigos: familiares e casais amigos com os quais nunca se esgota a conversa; e isso - acredito, é garantia de verdadeira amizade.

Hobbies e “Operación Triunfo”

E na minha vida existe, ainda, o que normalmente se chamam de “hobbies” e, no meu caso, constituem algo mais. Refiro-me à música clássica (passei vários anos no Coro da Universidade de Oviedo e ali nos conhecemos Alfonso e eu), e à música popular (recomendo a todos o último concerto de Jorge Drexler), e, sobretudo, à pintura.

Não sou muito de sonhar, porque isso de “sonhos” lembra um pouco o Operación Triunfo” (no Brasil, “FAMA”) e ao “sucesso” no curto prazo. Não persigo esse êxito; procuro, sobretudo, que a minha vida dê frutos. E nesse empenho estou, dia-a-dia, agradecendo a Deus por todos os pequenos roubos de tempo.