Mário de Andrade, em Prisão de Luxo, diz que nós, brasileiros, "somos na terra o grande milagre do amor". Nessa frase poética, capta com profundidade uma realidade simples e cotidiana, que repentinamente se tornou mais luminosa aos seus olhos. A poesia é um dos caminhos para atingir a verdade.
Outro caminho é o da pesquisa científica e da reflexão. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, escreve: "Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’". O cientista confirma o poeta.
Esse depoimento adquire um alcance imprevisto quando reiterado por um homem de Deus que – sem estudar nossos poetas e antropólogos – olha para os brasileiros e afirma surpreendido: "Vi que vos tratais de uma maneira fraterna e emocionei-me" (biografia de Hugo de Azevedo, p. 346). É um terceiro caminho para chegar à verdade: o dos santos, que contam com a sabedoria de Deus e os dons do Espírito Santo, e às vezes atingem num relance a essência das realidades que os cercam.
No caso, a afirmação é do bem-aventurado Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei. Esteve no Brasil durante quase três semanas em 1974, um ano antes de falecer. Nessas semanas, encontrou-se com milhares de brasileiros, de toda a nossa geografia, e conversou longamente com vários deles. Este homem de Deus, que conheceu bem quase todos os países do Ocidente, era portador de uma mensagem evangélica universal destinada a encarnar-se e inculturar-se em cada país. Por esta razão, ao observar cada nação, possuía uma sensibilidade especial – dom de Deus – e, potencializado por uma vasta cultura, captava as suas características essenciais. Dizia nessas ocasiões: "Não vim para ensinar, mas para aprender de vocês!" Aqui no Brasil viu características e possibilidades que o surpreenderam.
O que viu? O Brasil! "A primeira coisa que vi foi uma mãe grande, formosa, fecunda, terna, que abre os braços a todos, sem distinção de línguas, de raças, de nações, e a todos chama filhos" (Perfil do Fundador do Opus Dei, p. 245). Observou nos brasileiros um impulso interior que nos leva a pôr facilmente nas palavras e ações o que possa contribuir para tornar amável e aprazível o trato com os nossos semelhantes. Cativou-o esse clima de fraternidade simples, tão característico do Brasil. O que para nós é a coisa mais natural do mundo – a diversidade e mistura de povos e sotaques, o espontâneo e descontraído relacionar-se no quotidiano, o acolhimento cordial nos primeiros contatos, a prestimosidade etc. – pareceu-lhe uma imensa riqueza cultural de matriz católica.
Via nessa realidade uma bênção especial de Deus não só para nós, pois projetou, com base nisso, o bem que os brasileiros poderemos fazer no mundo inteiro: "Entendo que o brasileiro é e será um grande povo missionário, um grande povo de Deus, e que as grandezas do Senhor vós as sabereis cantar em toda a terra".
Hoje se cumprem cem anos do nascimento de Josemaría Escrivá – que foi beatificado em 1992 e teve reconhecido, no último dia 20 de dezembro, um milagre atribuído a sua intercessão –, considerado pela Igreja uma de suas figuras eminentes do século 20. Não deve passar em branco essa sua contribuição tão certeira para a compreensão de nossa identidade. Apontou-nos uma vocação histórica: difundir um milagre de amor, espalhá-lo pelo mundo.
Mons. Vicente Ancona Lopez é Vigário Regional da Prelazia do Opus Dei no Brasil