Semana Santa com o Papa Francisco (2025)

Homilias para as celebrações litúrgicas da Semana Santa: Domingo de Ramos, Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa, Vigília Pascal e Domingo de Páscoa.

Domingo de Ramos - Quinta-feira Santa (Missa Crismal) -Sexta-feira Santa / Via Crucis - Sábado Santo Vigília Pascal - Domingo de Páscua / Bênção Urbi et Orbi


Domingo de Ramos

"Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor" (Lc 19, 38). É assim que a multidão aclama Jesus durante a sua entrada em Jerusalém. O Messias passa pela porta da Cidade Santa, aberta de par em par para acolher Aquele que, poucos dias depois, por ela sairá amaldiçoado e condenado, carregando a cruz.

Hoje também nós seguimos Jesus, primeiro numa procissão festiva e depois num caminho doloroso, inaugurando a Semana Santa que nos prepara para celebrar a paixão, morte e ressurreição do Senhor.

Enquanto observamos, no meio da multidão, os rostos dos soldados e as lágrimas das mulheres, a nossa atenção é atraída por um desconhecido, cujo nome entra inesperadamente no Evangelho: Simão de Cirene. Este homem é conduzido pelos soldados, que "carregaram-no com a cruz, para a levar atrás de Jesus" (Lc 23, 26). Naquele momento, ele voltava do campo, estava de passagem, e deparou-se com um acontecimento que o oprimiu, tal como a madeira pesada sobre os seus ombros.

No caminho para o Calvário, façamos um instante de reflexão sobre o gesto de Simão, procuremos o seu coração, sigamos os seus passos ao lado de Jesus.

Primeiramente, reflitamos sobre o seu gesto, que é tão ambivalente. Por um lado, o Cireneu é obrigado a carregar a cruz: não ajuda Jesus por convicção, mas por obrigação. Por outro lado, vê-se a participar pessoalmente na Paixão do Senhor. A cruz de Jesus torna-se a cruz de Simão. Mas não daquele Simão chamado Pedro, que tinha prometido seguir sempre o Mestre. Aquele Simão desapareceu na noite da traição, após ter dito: "Senhor, estou pronto a ir contigo até para a prisão e para a morte" (Lc 22, 33). Agora, atrás de Jesus, não caminha o discípulo, mas este cireneu. E, contudo, o Mestre tinha ensinado claramente: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me" (Lc 9, 23). Simão da Galileia fala, mas não faz. Simão de Cirene faz, mas não fala: entre ele e Jesus não há diálogo, não se diz uma palavra. Entre ele e Jesus há apenas o madeiro da cruz.

Para saber se o Cireneu socorreu ou não gostou do exausto Jesus, com quem teve de dividir a pena, para compreender se carrega ou suporta a cruz, é preciso olhar para o seu coração. Enquanto o coração de Deus está prestes a abrir-se, trespassado por uma dor que revela a sua misericórdia, o coração do homem permanece fechado. Não sabemos o que habita no coração do Cireneu. Coloquemo-nos no seu lugar: sentimos raiva ou piedade, tristeza ou aborrecimento? Se nos lembramos do que Simão fez por Jesus, lembremo-nos também do que Jesus fez por Simão – e fez também por mim, por ti, por cada um de nós: redimiu o mundo. A cruz de madeira, que o Cireneu carrega, é a de Cristo, que carrega o pecado de todos os homens. Carrega-o por nosso amor, em obediência ao Pai (cf. Lc 22, 42), sofrendo conosco e por nós. É precisamente este o modo inesperado e perturbador com que Cireneu é envolvido na história da salvação, em relação à qual ninguém é estrangeiro, ninguém é estranho.

Sigamos então os passos de Simão, pois eles nos ensinam que Jesus vem ao encontro de todos, em qualquer situação. Quando vemos a multidão de homens e mulheres que o ódio e a violência levam para o caminho do Calvário, lembremo-nos que Deus faz deste caminho um lugar de redenção, porque ele o percorreu dando a sua vida por nós. Quantos cireneus carregam a cruz de Cristo! Somos capazes de reconhecê-los? Vemos o Senhor nos seus rostos dilacerados pela guerra e pela miséria? Perante a injustiça atroz do mal, carregar a cruz de Cristo nunca é em vão, é antes a forma mais concreta de partilhar o seu amor salvador.

A paixão de Jesus torna-se compaixão quando estendemos a mão àqueles que já não aguentam mais, quando levantamos os que caíram, quando abraçamos os que estão desanimados. Irmãos, irmãs, para experimentar este grande milagre da misericórdia, escolhamos como levar a cruz, durante a Semana Santa: não ao pescoço, mas no coração. Não só a nossa, mas também a daqueles que sofrem ao nosso lado; talvez a daquela pessoa desconhecida que o acaso – Mas será mesmo o acaso? – nos fez encontrar. Preparemo-nos para a Páscoa do Senhor tornando-nos cireneus uns dos outros.

Quinta-feira Santa (Misa Crismal)

Caríssimos Bispos e sacerdotes,
queridos irmãos e irmãs!

"O Alfa e o Ómega, aquele que é, que era e que há-de vir, o Todo-Poderoso" (Ap 1, 8) é Jesus. O mesmo Jesus que Lucas nos descreve na sinagoga de Nazaré, entre aqueles que o conheciam desde pequeno e que agora se maravilham com Ele. A revelação – “apocalipse” – oferece-se dentro dos limites do tempo e do espaço: a carne é o ponto de apoio que sustenta a esperança. A carne de Jesus e a nossa. O último livro da Bíblia narra essa esperança. E fá-lo de uma forma original, dissipando todos os medos apocalípticos com o sol do amor crucificado. Em Jesus, o livro da história abre-se e pode ser lido.

Também nós, sacerdotes, temos uma história: renovando as nossas promessas de Ordenação na Quinta-feira Santa, confessamos que só a podemos ler em Jesus de Nazaré. "Aquele que nos ama e nos purificou dos nossos pecados com o seu sangue" (Ap 1, 5) abre também o livro da nossa vida e ensina-nos a encontrar as passagens que revelam o seu sentido e missão. Quando nos deixamos instruir por Ele, o nosso ministério torna-se um ministério de esperança, porque em cada uma das nossas histórias Deus abre um jubileu, isto é, um tempo e um oásis de graça. Perguntemo-nos: estou a aprender a ler minha vida ou tenho medo de o fazer?

Quando o jubileu começa na nossa vida, todo um povo encontra descanso: não só uma vez a cada vinte e cinco anos – assim o espero! –, mas na proximidade quotidiana do padre ao seu povo, na qual se cumprem as profecias de justiça e paz. "Fez de nós um reino, sacerdotes para Deus e seu Pai" (Ap 1, 6): eis o povo de Deus. Este reino de sacerdotes não coincide com um clero. O “nós” que Jesus plasma é um povo cujos limites não se veem, e no qual caem muros e alfândegas. Aquele que diz "Eu renovo todas as coisas" (Ap 21, 5) rasgou o véu do templo e tem reservada para a humanidade uma cidade-jardim, a nova Jerusalém, que tem portas sempre abertas (cf. Ap 21, 25). Assim, Jesus lê e nos ensina a ler o sacerdócio ministerial como puro serviço ao povo sacerdotal, o qual em breve habitará uma cidade que não precisa de templo.

Portanto, para nós sacerdotes, o ano jubilar representa um apelo específico a recomeçar sob o sinal da conversão: peregrinos de esperança, para sairmos do clericalismo e nos tornar arautos de esperança. Certamente, se Jesus é o Alfa e o Ómega da nossa vida, também nós podemos encontrar a oposição experimentada por Ele em Nazaré. O pastor que ama o seu povo não vive à procura de consenso e aprovação a qualquer custo. No entanto, a fidelidade do amor converte, os pobres reconhecem-no em primeira mão, mas, pouco a pouco, inquieta e atrai também os outros. "Olhai: […] Todos os olhos o verão, até mesmo os que o trespassaram. Todas as nações da terra se lamentarão por causa dele. Sim. Amém!" (Ap 1, 7).

Caríssimos, estamos aqui reunidos para repetir e assumir como nosso este "Sim, Amém!". Trata-se da confissão de fé do povo de Deus: “Sim, é verdade, é firme como uma rocha!”. A paixão, morte e ressurreição de Jesus, que estamos prestes a reviver, são o terreno que sustenta firmemente a Igreja e, nela, o nosso ministério sacerdotal. E que terreno é este? Em que húmus podemos não só crescer, mas florescer? Para o compreendermos, temos de regressar a Nazaré, como tão acertadamente intuiu São Charles de Foucauld.

"Veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler" (Lc 4, 16). Temos aqui mencionados pelo menos dois costumes: o de frequentar a sinagoga e o de ler. A nossa vida é mantida por bons hábitos. Eles até podem esmorecer, mas revelam onde está o nosso coração. O coração de Jesus é apaixonado pela Palavra de Deus: aos doze anos, já a compreendia, e agora, uma vez adulto, as Escrituras são a sua casa. Aqui está o terreno, o húmus vital que encontramos ao tornarmo-nos seus discípulos. "Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem" (Lc 4, 17). Jesus sabe o que está procurando. O ritual da sinagoga permitia-lho: depois da leitura da Torah, cada rabino podia encontrar páginas proféticas para atualizar a mensagem. Mas aqui há algo mais: a página da sua vida. Lucas quer dizer o seguinte: entre tantas profecias, Jesus escolhe a que vai cumprir.

Queridos sacerdotes, todos nós temos uma Palavra a cumprir. Cada um de nós tem uma relação com a Palavra de Deus que vem de longe. Colocamo-la ao serviço de todos somente quando a Bíblia continua a ser a nossa primeira casa. Nela, cada um de nós tem páginas que lhe são mais caras, o que é bom e importante! Ajudemos também outros a encontrar as páginas das suas vidas: por exemplo, os noivos, quando escolhem as leituras do seu Matrimônio; ou aqueles que estão de luto e procuram passagens para confiar a pessoa falecida à misericórdia de Deus e às orações da comunidade. Geralmente, há uma página vocacional no início do caminho de cada um de nós. Através dela, se a conservamos, Deus continua a chamar-nos para que o amor não se enfraqueça.

Todavia, é também importante para cada um de nós, e de uma forma especial, a página escolhida por Jesus. Nós seguimo-lo e, por isso mesmo, a sua missão diz-nos respeito e envolve-nos. "Desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito:

“O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque me ungiu
para anunciar a Boa-Nova aos pobres;
enviou-me a proclamar a libertação aos cativos
e, aos cegos, a recuperação da vista;
a mandar em liberdade os oprimidos,
a proclamar um ano favorável da parte do Senhor”.
Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se" (Lc 4, 17-20).

Nesse momento, todos os nossos olhos estão fixos n’Ele, que acaba de anunciar um jubileu e não o fez como quem fala de outrem. Ele disse: "o Espírito do Senhor está sobre mim" como quem conhece de qual Espírito está a falar. E, com efeito, acrescenta: "Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir". Isto é divino: que a Palavra se torne realidade. As ações agora falam, as palavras realizam-se. Isto é novo e potente. "Eu renovo todas as coisas". Não há graça, nem Messias, se as promessas permanecem promessas, se cá em baixo não se tornam realidade. Tudo se transforma.

É este o Espírito que invocamos sobre o nosso sacerdócio: fomos investidos dele e é precisamente o Espírito de Jesus que permanece o protagonista silencioso do nosso serviço. Quando as palavras se tornam realidade em nós, o povo sente o seu sopro. Os pobres – antes de todos os outros –, as crianças, os adolescentes, as mulheres, e também aqueles que na sua relação com a Igreja foram magoados, têm o “faro” do Espírito Santo: distinguem-no de outros espíritos mundanos, reconhecem-no na correspondência, em nós, entre anúncio e vida. Podemos tornar-nos uma profecia cumprida, e isso é bonito! O santo Crisma, que hoje consagramos, chancela este mistério transformador nas diferentes etapas da vida cristã. Mas atenção: nunca desanimar, porque é obra de Deus. Acreditar, sim! Acreditar que Deus não me falha! Deus nunca falha. Recordemos aquelas palavras da Ordenação: "Queira Deus consumar o bem que em ti começou". E assim faz.

É obra de Deus, não nossa: levar a boa nova aos pobres, a libertação aos prisioneiros, a vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos. Se Jesus encontrou esta passagem no livro, hoje continua a lê-la na biografia de cada um de nós. Antes de mais, porque, até ao último dia, é sempre Ele que nos evangeliza, que nos liberta das nossas prisões, que abre os nossos olhos, que nos alivia dos fardos que carregamos aos ombros. E depois porque, ao chamar-nos para a sua missão, inserindo-nos sacramentalmente na sua vida, Ele liberta também os outros através de nós. Por norma, sem que nos apercebamos disso. O nosso sacerdócio torna-se um ministério jubilar, como o d’Ele, mas sem tocar as trombetas: numa entrega que não é estridente, mas radical e gratuita. É o Reino de Deus, aquele de que falam as parábolas, eficaz e discreto como o fermento, silencioso como a semente. Quantas vezes os pequeninos o reconheceram em nós? E nós, somos capazes de dizer obrigado?

Somente Deus sabe como a messe é grande. Nós, os operários, experimentamos o trabalho e a alegria da colheita. Vivemos depois de Cristo, no tempo messiânico. Lancemos para longe o desespero! E, ao invés disso, restituam-se e redimam-se as dívidas; redistribuam-se as responsabilidades e os recursos: o povo de Deus espera por isso. Ele quer participar e, em virtude do Batismo, é um enorme povo sacerdotal. Os óleos que consagramos nesta solene celebração são para a sua consolação e alegria messiânica.

O campo é o mundo. A nossa casa comum tão ferida e a fraternidade humana tão negada, embora indelével, impelem-nos a fazer escolhas. A colheita de Deus é para todos: um campo vivo, no qual o que se semeou cresce cem vezes mais. Na nossa missão, sejamos animados pela alegria do Reino, que compensa todo o esforço. Realmente, todos os agricultores conhecem épocas em que não se vê germinar nada. Também elas não faltam nas nossas vidas. É Deus que faz crescer e que unge os seus servos com o óleo da alegria.

Queridos fiéis, povo da esperança, rezai hoje pela alegria dos sacerdotes. Que chegue até vós a libertação prometida pelas Escrituras e alimentada pelos Sacramentos. Muitos medos habitam em nós e terríveis injustiças nos rodeiam, mas um mundo novo já despontou. Deus amou tanto o mundo que nos deu o seu Filho, Jesus. Ele unge as nossas feridas e enxuga as nossas lágrimas. "Ele vem no meio das nuvens!" (Ap 1, 7). É d’Ele o reino e a glória para todo o sempre. Amém.

Vigília Pascal

É noite quando o círio pascal é levado lentamente até ao altar. É noite quando o canto do Precónio abre o nosso coração à exultação, porque a terra está "inundada por tão grande claridade" e "a luz de Cristo, o Rei eterno, dissipa as trevas de todo o mundo" (Precónio Pascal). Ao fim da noite, realizam-se os acontecimentos narrados no Evangelho que acabamos de proclamar (cf. Lc 24, 1-12): acende-se a luz divina da Ressurreição e a Páscoa do Senhor acontece quando o Sol ainda está por nascer; com os primeiros raios da aurora, vê-se que a grande pedra colocada no sepulcro de Jesus foi removida e algumas mulheres chegam ali revestidas de luto. A escuridão recobre a perplexidade e o medo dos discípulos. Tudo acontece durante a noite.

Assim, a Vigília Pascal recorda-nos que a luz da Ressurreição ilumina o caminho pouco a pouco, irrompe na escuridão da história sem alarido, brilha discretamente nos nossos corações. A ela corresponde uma fé humilde, desprovida de qualquer triunfalismo. A Páscoa do Senhor não é um acontecimento espetacular com o qual Deus se impõe a si mesmo e nos obriga a acreditar n’Ele; não é uma meta que Jesus alcança por um caminho fácil, contornando o Calvário; e nós tampouco podemos vivê-la de maneira despreocupada e sem hesitação interior. Pelo contrário, a Ressurreição é semelhante a pequenos rebentos de luz que fazem paulatinamente o seu caminho, sem fazer barulho, por vezes ainda ameaçados pela noite e pela incredulidade.

Este “estilo” de Deus liberta-nos de uma religiosidade abstrata, iludida ao pensar que a ressurreição do Senhor resolve tudo de um modo mágico. Longe disso: não podemos celebrar a Páscoa sem continuar a enfrentar as noites que trazemos no coração e as sombras de morte que muitas vezes pairam sobre o mundo. Cristo venceu o pecado e destruiu a morte, mas, na nossa história terrena, o poder da sua ressurreição ainda está a cumprir-se. E tal realização, como um pequeno rebento de luz, é-nos confiada, para que a guardemos e a façamos crescer.

Irmãos e irmãs, especialmente durante o ano jubilar, é este o apelo que devemos sentir com força dentro de nós: deixemos brotar a esperança da Páscoa nas nossas vidas e no mundo!

Quando ainda sentimos o peso da morte dentro do nosso coração, quando vemos as sombras do mal que continuam a sua marcha ruidosa no mundo, quando sentimos arder as feridas do egoísmo ou da violência na nossa carne e na nossa sociedade, não desanimemos, voltemos ao anúncio desta noite: ainda que estejamos nas trevas, a luz brilha lentamente; aguarda-nos a esperança de uma vida nova e de um mundo finalmente libertado; um novo começo pode surpreender-nos, mesmo que às vezes pareça impossível, porque Cristo venceu a morte.

Este anúncio, que dilata o coração, enche-nos de esperança. Na verdade, em Jesus ressuscitado temos a certeza de que a nossa história pessoal e o caminho da humanidade, embora mergulhados numa noite em que as luzes ainda aparecem fracas, estão nas mãos de Deus; e Ele, no seu grande amor, não nos deixará vacilar e não permitirá que o mal tenha a última palavra. Ao mesmo tempo, esta esperança, já realizada em Cristo, permanece para nós uma meta a alcançar também por nós: foi-nos confiada para que dela nos tornemos testemunhas credíveis e para que o Reino de Deus possa entrar no coração das mulheres e dos homens de hoje.

Como recorda Santo Agostinho, "a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo marca a vida nova de todos aqueles que n’Ele creem; e este mistério da sua morte e ressurreição deveis conhecê-lo em profundidade e reproduzi-lo nas vossas vidas" (Sermão 231, 2). Reproduzir a Páscoa na nossa vida e tornarmo-nos mensageiros de esperança, construtores de esperança, enquanto tantos ventos de morte ainda sopram sobre nós.

Podemos fazê-lo com as nossas palavras, os nossos pequenos gestos quotidianos, as nossas escolhas inspiradas no Evangelho. Toda a nossa vida pode ser uma presença de esperança. Queiramos sê-lo para aqueles que não têm fé no Senhor, para quem se perdeu pelo caminho, para os que desistiram ou estão curvados sob o peso da vida, para quem está sozinho ou fechado na própria dor, para todos os pobres e oprimidos da Terra, para as mulheres humilhadas e assassinadas, para as crianças maltratadas e para aquelas que nunca nasceram, para as vítimas da guerra. A todos e a cada um levemos a esperança da Páscoa!

Gosto de recordar uma mística do século XIII, Hadewijch de Antuérpia, que, inspirando-se no Cântico dos Cânticos e descrevendo o sofrimento pela ausência do amado, invoca o retorno do amor para que – diz – "a minha escuridão seja transformada" (Hadewijch, Poesie Visioni Lettere, Génova 2000, 23).

Cristo ressuscitado é o ponto de viragem definitivo da história humana. Ele é a esperança que não se extingue. Ele é o amor que nos acompanha e sustenta. Ele é o futuro da história, o destino último para o qual nos dirigimos para sermos acolhidos naquela vida nova em que o próprio Senhor enxugará todas as nossas lágrimas "e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor" (Ap 21, 4). E esta esperança da Páscoa, esta “reviravolta nas trevas”, devemos anunciá-la a todos.

Irmãs, irmãos, o tempo pascal é estação de esperança. "Ainda há medo, ainda há uma dolorosa consciência do pecado, mas há também uma luz que irrompe. [...] A Páscoa traz a boa notícia de que, embora as coisas no mundo pareçam estar cada vez pior, o mal já foi vencido. A Páscoa permite-nos afirmar que, embora Deus pareça distante e nós permaneçamos absorvidos por tantas pequenas coisas, o Senhor caminha conosco. […] São muitos os raios de esperança que iluminam o caminho da nossa vida" (H. Nouwen, Preghiere dal silenzio. Il sentiero della speranza, Brescia 2000, 55-56).

Demos espaço à luz do Ressuscitado! E tornar-nos-emos construtores de esperança para o mundo.

Domingo de Pascua / Bênção Urbi et Orbi

Maria Madalena, ao ver que a pedra do sepulcro tinha sido removida, começou a correr para ir avisar Pedro e João. Também os dois discípulos, tendo recebido aquela surpreendente notícia, saíram e – diz o Evangelho – "corriam os dois juntos" (Jo 20, 4). Os protagonistas dos relatos pascais correm todos! E este “correr” exprime, por um lado, a preocupação de que tivessem levado o corpo do Senhor; mas, por outro lado, a corrida de Maria Madalena, de Pedro e de João fala do desejo, do impulso do coração, da atitude interior de quem se põe à procura de Jesus. Ele, com efeito, ressuscitou dos mortos e, portanto, já não se encontra no túmulo. É preciso procurá-lo noutro lugar.

Este é o anúncio da Páscoa: é preciso procurá-lo noutro lugar. Cristo ressuscitou, está vivo! Não ficou prisioneiro da morte, já não está envolvido pelo sudário e, por isso, não podemos encerrá-lo numa bonita história para contar, não podemos fazer dele um herói do passado ou pensar nele como uma estátua colocada na sala de um museu! Pelo contrário, temos de O procurar, e, por isso, não podemos ficar parados. Temos de nos pôr em movimento, sair para O procurar: procurá-lo na vida, procurá-lo no rosto dos irmãos, procurá-lo no dia a dia, procurá-lo em todo o lado, exceto naquele túmulo.

Procurá-lo sempre. Porque se Ele ressuscitou, então está presente em toda a parte, habita no meio de nós, esconde-se e revela-se ainda hoje nas irmãs e nos irmãos que encontramos pelo caminho, nas situações mais anónimas e imprevisíveis da nossa vida. Ele está vivo e permanece sempre conosco, chorando as lágrimas de quem sofre e multiplicando a beleza da vida nos pequenos gestos de amor de cada um de nós.

Por isso, a fé pascal, que nos abre ao encontro com o Senhor ressuscitado e nos dispõe a acolhê-lo na nossa vida, é tudo menos uma acomodação estática ou um pacífico conformar-se numa segurança religiosa qualquer. Pelo contrário, a Páscoa põe-nos em movimento, impele-nos a correr como Maria de Magdala e como os discípulos; convida-nos a ter olhos capazes de “ver mais além”, para vislumbrar Jesus, o Vivente, como o Deus que se revela e ainda hoje se torna presente, nos fala, nos precede, nos surpreende. Como Maria Madalena, podemos fazer todos os dias a experiência de perder o Senhor, mas todos os dias podemos correr para O reencontrar, sabendo com certeza que Ele se deixa encontrar e nos ilumina com a luz da sua ressurreição.

Irmãos e irmãs, aqui está a maior esperança da nossa vida: podemos viver esta existência pobre, frágil e ferida agarrados a Cristo, porque Ele venceu a morte, vence a nossa escuridão e vencerá as trevas do mundo, para nos fazer viver com Ele na alegria, para sempre. Em direção a esta meta, como diz o Apóstolo Paulo, também nós corremos, esquecendo o que fica para trás e vivendo orientados para o que está à nossa frente (cf. Fl 3, 12-14). Apressemo-nos então a ir ao encontro de Cristo, com o passo ligeiro de Maria Madalena, Pedro e João.

O Jubileu convida-nos a renovar em nós mesmos o dom desta esperança, a mergulhar nela os nossos sofrimentos e as nossas inquietações, a contagiar aqueles que encontramos no caminho, a confiar a esta esperança o futuro da nossa vida e o destino da humanidade. Por isso, não podemos estacionar o nosso coração nas ilusões deste mundo, nem fechá-lo na tristeza; temos de correr, cheios de alegria. Corramos ao encontro de Jesus, redescubramos a graça inestimável de ser seus amigos. Deixemos que a sua Palavra de vida e verdade ilumine o nosso caminho. Como dizia o grande teólogo Henri de Lubac, "bastar-nos-á compreender isto: o cristianismo é Cristo. Verdadeiramente, não há nada mais do que isso. Em Cristo temos tudo" (Les responsabilités doctrinales des catholiques dans le monde d’aujourd’hui, Paris 2010, 276).

E este “tudo”, que é Cristo ressuscitado, abre a nossa vida à esperança. Ele está vivo e ainda hoje quer renovar a nossa vida. A Ele, vencedor do pecado e da morte, queremos dizer:

"Senhor, nesta festa, pedimos-vos este dom: que também nós sejamos novos para viver esta perene novidade. Afastai de nós, ó Deus, a poeira triste da rotina, do cansaço e do desencanto; dai-nos a alegria de acordar, a cada manhã, com os olhos maravilhados, para ver as cores inéditas daquele amanhecer, único e diferente de todos os outros. […] Tudo é novo, Senhor, e nada repetido, nada envelhecido" (A. Zarri, Quasi una preghiera).

Irmãs, irmãos, na maravilha da fé pascal, trazendo no coração todas as expetativas de paz e libertação, podemos dizer: Convosco, Senhor, tudo é novo. Convosco, tudo recomeça.