Santidade acessível

"A inscrição de Josemaría Escrivá no catálogo dos santos sem dúvida fará ressoar com mais força esse apelo para que os cristãos não se conformem com a mediocridade de uma vida simplesmente honesta e correta, mas aspirem a ser realmente santos".

A Igreja católica, na manhã do dia 6 de outubro, dá um novo passo em direção ao que se poderia chamar de “acessibilidade” da santidade, com a canonização do Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Fundador do Opus Dei, cuja mensagem central é que todos os cristãos podem atingir a santidade mediante o cumprimento esforçado de todos os seus deveres, orientando para Deus e para o serviço do próximo os afazeres normais de cada dia.

A inscrição de Josemaría Escrivá no catálogo dos santos — a partir de hoje, São Josemaría Escrivá — sem dúvida fará ressoar com mais força esse apelo para que os cristãos não se conformem com a mediocridade de uma vida simplesmente honesta e correta, mas aspirem a ser realmente santos (isto é: virtuosos, heróicos na constância, rezadores, alegres, sacrificados e apostólicos) no desempenho de seu trabalho profissional e de seus deveres cotidianos. Este apelo coincide com uma das prioridades de João Paulo II ao longo do seu pontificado.

Com efeito, logo após a sua eleição em 1978, o Papa anunciou que o programa de seu pontificado seria implementar o Concílio Vaticano II. Esse programa vem sendo executado com uma determinação e uma precisão que não cessam de surpreender a muitos que se consideravam os arautos do pós-concílio. Livre de reducionismos dialéticos (progressistas vs conservadores; tradicionalistas vs reformistas; verticalismo espiritualista vs horizontalismo politizante; etc.), com uma perspectiva mais ampla e universal, e uma ótica aguda da crise da Igreja e da humanidade, o Sumo Pontífice tem ido ao âmago das idéias mestras do Concílio. Um desses pontos fulcrais é a chamada universal à santidade, tema constante da pregação de João Paulo II, nestes quase 25 anos à frente da Sé de Pedro.

A Igreja reconhece em São Josemaría Escrivá um dos importantes precursores dessa mensagem, pois desde a fundação do Opus Dei em 1928, pregou incansavelmente que a santidade se destina a todos os batizados. São Josemaría insistiu em que, apesar de pecadores, podemos e devemos viver plenamente a vida cristã: “Querer atingir a santidade — apesar dos erros e das misérias pessoais, que hão de durar enquanto vivermos – significa esforçar-se com a graça de Deus por viver a caridade, plenitude da lei e vínculo da perfeição. A caridade não é algo abstrato, significa entrega real e total ao serviço de Deus e de todos os homens” (Questões atuais do cristianismo, n. 62). Essa proposta, que hoje, para muitos, pode parecer óbvia, permanecera latente por séculos no Evangelho.

Recentemente, na Carta Apostólica “Novo Millennio Ineunte”, o Papa — ao estabelecer as metas pastorais para a Igreja no início do novo Milênio colocou em primeiro lugar a de apresentar vigorosamente a todos a meta da santidade, e sublinha que «esse ideal de perfeição não deve ser objeto de equívoco, vendo nele um caminho extraordinário, que pode ser percorrido apenas por algum “gênio” da santidade» (n. 31). Por isso, conclui, «é hora de propor de novo a todos, com convicção, essa “medida alta” da vida cristã ordinária». Ao estabelecer agora que São Josemaría seja honrado em toda a Igreja, o Santo Padre reafirma essa prioridade.

Como é sabido, o espírito do Opus Dei frisa sobretudo a santificação do trabalho — trabalho bem feito, realizado com amor a Deus e desejos de servir — e, o que é importante, oferece meios práticos e ao alcance de qualquer trabalhador para que esse ideal possa ser encarnado em sua vida. Entende-se, assim, que esta canonização ajuda a tornar acessível a todos aquela proposta programática do Concílio intitulada “Vocação universal à santidade” (cfr. Lumen gentium cap. V), que poderia parecer distante e utópica, mas que nunca deixou de estar no coração do Papa.

Monsenhor Vicente Ancona Lopez é o Vigário Regional da Prelazia do Opus Dei no Brasil.

    Monsenhor Vicente Ancona Lopez // Jornal da Tarde