O Cardeal Wojtyla conheceu Álvaro del Portillo quando lhe foi apresentado por D. Andrea Deskur, amigo íntimo e companheiro de seminário do cardeal Wojtyla, durante o Concílio Vaticano II, num encontro na Basílica de São Pedro.
Voltaram a encontrar-se em novembro de 1977, quando foi convidado para almoçar por D. Álvaro na sede central do Opus Dei. Em 17 de agosto de 1978, tiveram um segundo encontro à hora do almoço, em que esteve também presente D. Andrea Deskur. D. Álvaro aproveitava essas ocasiões para explicar ao Cardeal aspectos do espírito do Opus Dei e das iniciativas apostólicas promovidas em todo o mundo.
Antes dos encontros mencionados, o Cardeal Wojtyla visitou três vezes uma residência universitária romana dirigida por fiéis do Opus Dei, a RUI. Os sacerdotes que, animados por São Josemaria, trabalhavam no CRIS (Centro Romano di Incontri Sacerdotali), organizavam conferências na RUI sobre temas de atualidade. Como sou testemunha direta, posso contar alguns detalhes.
O jovem Cardeal Wojtyla
Em outubro de 1971, programamos umas conferências sobre «A crise da sociedade permissiva». Abriu o ciclo o Professor Jérôme Lejeune, o descobridor das causas da síndrome de Down, que tinha começado a sua grande batalha a favor da vida e procurava fazer ver a gravidade do aborto. A sua conferência intitulava-se «Quando começa um homem?». Era a primeira vez que o Professor Lejeune fazia uma conferência em Roma. A segunda conferência do ciclo esteve a cargo de Augusto Del Noce, professor da Universidade de Roma «La Sapienza» e tinha como título «Nas raízes de uma crise». A terceira era da responsabilidade do Cardeal Joseph Höffner, Arcebispo de Colônia. Nesses dias, estava a decorrer em Roma um sínodo de Bispos sobre dois temas: sacerdócio e justiça. O Cardeal Höffner era o relator do primeiro tema e foi convidado para falar sobre «O sacerdote na sociedade permissiva». Por esse motivo, mandamos também convites aos padres sinodais e, efetivamente, assistiram muitos.
Recordo que, quando estava cumprimentando as pessoas que chegavam para ouvir a conferência do Cardeal Höffner, vi um Cardeal, jovem, que eu não conhecia. Soube que era o Cardeal Karol Wojtyla, Arcebispo de Cracóvia. Conversei com ele e perguntei-lhe se lhe podíamos fazer uma entrevista sobre o sacerdócio, para ser publicada em diversas línguas. Atraía-nos dar a conhecer a voz de um Arcebispo que sofria com a falta de liberdade do sistema comunista. Aceitou e, ao cabo de umas semanas, entregou-nos 31 folhas escritas à mão, em polonês. Publicamos o texto em italiano, na série CRIS-Documenti que tínhamos começado a editar. Posteriormente, publicou-se também em várias línguas, em diversos países.
Em novembro de 1972 organizamos outras conferências sobre o tema «Violência, Justiça e Redenção». Os conferencistas foram o professor Sergio Cotta, catedrático da Universidade de Roma «La Sapienza», que falou sobre «As raízes culturais da violência», o professor Joseph Pieper, catedrático da universidade alemã de Münster, que proferiu uma conferência intitulada «A justiça hoje», e D. Franz Hengsbach, Bispo de Essen — e mais tarde Cardeal — que presidia Adveniat, a instituição do episcopado alemão para ajudar a Igreja na América Latina. Dom Hengsbach falou de «A libertação operada por Cristo». Também nessa ocasião esteve presente o Cardeal Wojtyla.
Uma conferência memorável
Estes antecedentes moveram-nos a convidá-lo para dar uma conferência. Aceitou e programou-se para outubro de 1974. O tema do ciclo era: «Exaltação do homem e sabedoria cristã». A primeira conferência foi do professor Peter Berglar, catedrático da Universidade de Colônia, sobre «A história universal e o Reino de Deus»; a segunda foi dada pelo professor Antonio Millán Puelles, catedrático da Universidade de Madri, sobre «O problema ontológico do homem como criatura» e a do Cardeal Wojtyla intitulava-se «A evangelização e o homem interior».
Publicamos a seguir o texto da conferência na coleção CRIS-Documenti. Os organizadores sugeriram ao Cardeal Wojtyla que citasse algumas palavras do fundador do Opus Dei. Na sua conferência, quase no final, acrescentou estas palavras: «De que maneira, plasmando a paz da terra, o homem plasmará o seu rosto espiritual? Poderemos responder com a expressão tão feliz e, a pessoas de todo o mundo tão familiar, que Monsenhor Josemaria Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei, difundiu desde há tantos anos: “santificando cada um o próprio trabalho, santificando-se no trabalho e santificando com o trabalho”» (Cfr. La fede della Chiesa. Interventi del Card. Karol Wojtyla. Milão: Ares, 1978. Pág. 76).
Os primeiros encontros com o novo Papa
No dia seguinte à eleição de João Paulo II, D. Álvaro del Portillo teve a imprevista ocasião de encontrar e ser abraçado pelo novo Papa, no Hospital Gemelli, onde estava internado o Cardeal Deskur, porque um dia antes tinha sofrido um derrame cerebral e o Santo Padre foi logo visitá-lo. D. Álvaro, exatamente à mesma hora, tinha também ido ao hospital com o mesmo propósito.
Poucos dias depois, D. Álvaro Del Portillo quis ir rezar à Mentorella, um pequeno santuário mariano no Lácio, onde o Cardeal Wojtyla costumava ir quando estava em Roma. Daí, enviou um postal ao Santo Padre dizendo-lhe que contasse com as milhares de missas que os fiéis do Opus Dei estavam oferecendo pelo Papa. Poucos dias depois, o Romano Pontífice telefonou-lhe para agradecer. D. Álvaro pediu a D. Stanislaw Dziwisz, secretário particular de João Paulo II, para poder se encontrar com o Papa, que o recebeu no dia seguinte; foi uma audiência de caráter familiar que teve lugar nos aposentos privados do Papa.
Não muito tempo depois, no dia 5 de dezembro de 1978, D. Álvaro fez-lhe chegar a notícia de que para o dia seguinte, festa de São Nicolau, tinha preparadas as laranjas que os polacos costumam oferecer nessa data. O Papa ficou surpreendido de que tivesse conhecimento desse costume e aceitou que fosse na manhã seguinte. D. Álvaro, juntamente com as laranjas, levou-lhe vários livros do fundador do Opus Dei que interessaram muito ao Papa e que depois colocou no gabinete onde trabalhavam os que o ajudavam a preparar discursos, homilias, etc.
Naqueles meses, tive a graça de que o Papa – que tinha previsto uma viagem ao México para se reunir com a Conferência do Episcopado Latino-americano – me pedisse que fosse almoçar com ele, para lhe falar em espanhol.
E a Basílica encheu-se
O Santo Padre ganhou um grande afeto a D. Álvaro, pela diligência com que seguiu algumas questões em que lhe pediu ajuda. Uma foi por ocasião da ordenação episcopal do seu sucessor na sede de Cracóvia, D. Macharski, que o Papa desejava celebrar na basílica de São Pedro no dia 6 de janeiro de 1979. O Papa queria que a cerimônia tivesse lugar no altar da Confissão – o altar central da basílica, situado debaixo do baldaquino de Bernini – mas disseram-lhe que, como era provável que não fosse muita gente à ordenação, seria melhor que tivesse lugar no altar da Cátedra, que fica no fundo da Basílica. O Papa, num almoço, disse-me que perguntasse a D. Álvaro o seu parecer. D. Álvaro pediu-me que dissesse ao Papa que podia celebrar no altar da Confissão e que lhe assegurasse que assistiriam muitas pessoas. Efetivamente, D. Álvaro del Portillo mobilizou muitíssima gente de toda a Itália e a Basílica encheu-se. O Papa estava feliz e no final da missa agradeceu ao Opus Dei.
Noutra ocasião, o Papa fez saber a D. Álvaro que, quando estava em Cracóvia, celebrava todos os anos, no Advento e na Quaresma, uma missa para estudantes universitários. Pedia sugestões a D. Álvaro para retomar esse seu costume em Roma e este sugeriu que se fizessem convites impressos, para serem distribuídos pessoalmente, em que constasse o dia e a hora da Missa e se indicasse que duas horas antes haveria confissões. Também lhe sugeriu que se colocassem na Basílica de São Pedro uns 40 confessionários. O Papa ficou encantado com a ideia e a missa para universitários celebrou-se a partir de 1979.
Uma visita matinal
Como já disse, em 1979 o Papa tinha decidido ir ao México, com o objetivo de participar num importante encontro com o episcopado latino-americano, na cidade de Puebla, para tratar de questões de importante atualidade para a Igreja naquele momento, como a teologia da libertação. Com esse fim, desejava atualizar os seus conhecimentos da língua espanhola. Graças a Deus, tive a enorme sorte de que, através de D. Stanislaw, o Papa me chamasse para tomar o café da manhã ou almoçar com ele e falar em espanhol; foram uns meses inesquecíveis. Aproveitando as minhas visitas, D. Álvaro fazia chegar ao Papa pequenos presentes, por exemplo, uma fita cassete com canções mexicanas, entre elas uma intitulada “La Morenita”.
D. Álvaro encarregou-me também de levar ao Papa um vídeo sobre o Opus Dei, que o conhecido locutor da televisão italiana Alberto Michelini tinha preparado, entrevistando casais de diversos países. No final, no documentário apareciam algumas passagens da homilia em espanhol que o cardeal König, Arcebispo de Viena, tinha lido quando, em agosto de 1978, tinha ordenado uns 40 sacerdotes do Opus Dei no santuário mariano de Torreciudad. Levei o vídeo dizendo-lhe que no final havia palavras em espanhol. O Papa agradeceu. Um detalhe bem divertido é que uma manhã – costumava telefonar-me na noite anterior – ligou-me D. Stanislaw para que fosse tomar o café da manhã com o Santo Padre. Por diversos motivos, cheguei tarde e o Santo Padre já estava na sala de jantar; estava olhando para a televisão que tinha em frente e ria muito. Estava vendo o vídeo que D. Álvaro lhe tinha enviado e, concretamente, uma cena em que o jornalista interrogava um casal africano, com o seu filho. A senhora respondia velozmente às perguntas, enquanto o marido não fazia senão acenar pausadamente com a cabeça. Então o Papa disse-me: «Olha, as mulheres falam e nós, os homens, temos que estar calados».
Canções mexicanas para rezar
Recordo-me também de outro episódio que ocorreu uns anos depois, em 1981, quando o Papa estava internado no Hospital Gemelli, depois do atentado contra a sua vida. Um dos dias em que D. Álvaro ali foi para dizer quanto rezava pelo Santo Padre, disse a D. Stanislaw que sairíamos de Roma dentro de poucos dias e que desejava contar com a bênção do Papa, para a viagem. D. Stanislaw pediu-nos, a D. Álvaro, a D. Javier Echevarría e a mim que entrássemos. D. Álvaro ajoelhou-se diante da cama do Papa, beijou o seu braço e pediu-lhe a bênção. Quando, depois de algum tempo, já estávamos saindo, D. Álvaro reparou que João Paulo II tinha algo em cima do seu corpo que, talvez, o pudesse incomodar e perguntou-lhe o que era. O Papa responde-lhe: «A fita com canções mexicanas que o senhor me mandou em 1978 e que me ajudam a fazer oração».
A imagem de Nossa Senhora na Praça de São Pedro
Outro fato significativo teve lugar uns meses antes, próximo do congresso UNIV, organizado pelo Instituto per la Cooperazione Universitaria que algumas pessoas do Opus Dei organizam. Trata-se de uma reunião internacional para estudantes de muitos países, que se organiza em Roma durante a Semana Santa, com o fim de tratar algum tema de atualidade. Durante essas jornadas, pedia-se sempre uma audiência com o Santo Padre, já desde o pontificado de Paulo VI. João Paulo II recebeu os jovens congressistas todos os anos do seu pontificado, exceto na segunda-feira santa de 2005, porque estava já muito doente, embora mandasse uma mensagem lida pelo Cardeal Sandri, substituto da Secretaria de Estado. Durante a audiência concedida ao UNIV em 1980, um universitário do Opus Dei comentou ao Santo Padre que na Praça de São Pedro havia muitas imagens de santos, mas nenhuma de Nossa Senhora e que lhe parecia que se deveria lá pôr alguma. O Papa respondeu-lhe: «Molto bene, molto bene!».
Contaram esse fato a D. Álvaro e logo a seguir pediu ao arquiteto Javier Cotelo que pensasse onde se poderia colocar uma imagem de Nossa Senhora, que se visse bem da Praça de São Pedro, de maneira que atraísse os olhares de todos os cristãos que vão a Roma videre Petrum, para ver o Papa. O arquiteto Cotelo fez um projeto que previa a colocação de um mosaico da imagem Mater Ecclesiae (cujo original está dentro da Basílica) num lugar bem visível da praça, uma esquina do palácio apostólico. O Papa gostou muito da ideia e indicou que se levasse a cabo. No dia 8 de dezembro de 1981, durante a recitação do Angelus, o Papa abençoou a imagem da janela do seu gabinete.
Naquela ocasião, o Papa comentou: «No espaço desta fantástica praça faltava uma imagem, que evocasse também visivelmente a presença d’Aquela a quem “a Igreja católica, instruída pelo Espírito Santo, venera como Mãe amantíssima com afeto de piedade filial” (Lumen gentium, 53). Estou contente por inaugurar, na solenidade da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria, este testemunho do nosso amor e devoção [...]. Agora abençoei a imagem da Virgem “Mãe da Igreja”, manifestando o desejo de que todos os que vierem a esta Praça de São Pedro elevem para Ela o olhar, para lhe dirigir, com sentido filial confiança, a própria saudação e a própria oração».
Para D. Álvaro esta decisão do Papa foi uma enorme e comovedora alegria. Também pela delicadeza do Santo Padre, que o convidou dois dias depois a concelebrar na sua capela privada e a tomar o café da manhã com ele. João Paulo II expressou a sua satisfação por ter colocado a imagem da Virgem Mater Ecclesiae naquele lugar. E mais tarde fazia-lhe chegar, como recordação agradecida, o grande cartão onde se desenhou a imagem para preparar o mosaico.
A última saudação
D. Álvaro del Portillo teve a grande alegria de participar na beatificação de Josemaria Escrivá de Balaguer, celebrada pela Papa no dia 17 de maio de 1992. E um enorme detalhe do carinho foi a visita de João Paulo II à igreja prelatícia de Santa Maria da Paz, no dia da morte de D. Álvaro, para rezar diante dos restos mortais desse seu filho fiel.