Por que crise? Eis aqui uma resposta inesperada

Humberto Belli analisa algumas das causas dos problemas que enfrenta a sociedade atual e propõe uma solução a partir de uma expressão do fundador do Opus Dei: "Estas crises mundiais são crises de santos"

Poucos duvidam que atravessamos uma crise. Percebe-se por toda a partes e se intui que é profunda. O que não é tão clara é nossa compreensão sobre as suas raízes. Normalmente, as explicações são superficiais ou incompletas. Uma explicação muito popular é culpar os governos. Outras vezes, culpam-se categorias inteiras de pessoas, como uma classe social ou uma raça. Sociólogos, políticos sociais e economistas procuram, frequentemente, causas "estruturais".

As crises são causadas quando algum componente básico de um sistema falha, se corrompe, ou está ausente. Se os rins não funcionam bem, o organismo entra em crise, isto é, fica doente. Se o pilar que sustenta uma construção apodrece, o edifício entra em crise.

Analisando este tema, Josemaría Escrivá de Balaguer cunhou uma expressão tão provocativa, por ser inesperada, como profunda: "As crises mundiais são crises de santos".

Ele toca uma verdade tão simples como contundente: O ingrediente básico da sociedade são os homens e mulheres que a compõem. Para que a sociedade, ou o mundo, funcionem bem, é preciso que haja suficientes homens e mulheres bons. Sem eles, nenhuma arquitetura ou engenharia humana podem fazer com que as sociedades funcionem adequadamente. Não importa quantas constituições inventemos ou quais sistemas políticos prefiramos. Se há uma crise, isto é, uma carestia de pessoas boas, haverá crise na sociedade. Quanto maior o déficit dessas pessoas, maior a severidade da crise.

Pois bem, qual é a conexão entre pessoas boas e santos? Por que Escrivá não disse que as crises mundiais são crises de pessoas boas mas crises de santos? Observar quem são eles nos ajudará a responder essa questão. Os santos são pessoas empenhadas a fundo na entrega mais completa a Deus e aos outros, com total esquecimento de si mesmas. Evidentemente, este tipo de pessoas não aparece nem se dá com facilidade. Somos seres egoístas, sensuais e vaidosos, e nada repele mais a nosso eu -e a nossa cultura hedonista- que aquilo que nos faça sofrer ou sacrificar prazeres, famas e privilégios. A presença de um santo, ou de uma santa, é uma façanha e uma afirmação do mais nobre da raça humana.

No entanto, esses seres, que aparecem excepcionalmente, quando aparecem, têm um impacto extraordinário. Talvez este seja um mistério que os cientistas sociais não tenham conseguido compreender, mas que os historiadores constataram. O santo é revolucionário, no sentido de quem causa mudanças profundas. Teresa de Calcutá, uma freirinha de origem albanesa, sem pretensões, entregou a sua vida pelos leprosos e moribundos malcheirosos da cidade mais pobre da Terra, e teve um profundo impacto na consciência do século XX. O mesmo aconteceu em seu tempo com São Francisco de Assis. Não sei se está corroborado, mas há quem atribua a Lênin a frase: "Dêem-me cinco Franciscos de Assis e farei que a terra gire ao contrário". Convém reparar que existem também santos anônimos, inseridos nas realidades comuns, que atuam como a levedura na massa e produzem mudanças culturais não menos transcendentais.

O segredo do poder dos santos consiste em que deixam transparecer a Deus. Ao submeter-se de forma íntima, profunda e decidida a Deus, o absorvem e o comunicam. Deus atua neles e através deles, e então seres ordinários se tornam extraordinários. Deles brota, como bem o coloca o evangelho, "Rios de água viva," caudais de ações, muitas vezes silenciosas mas sempre muito eficazes.

O santo atinge resultados também porque é pessoa de fé. A fé conquista impossíveis. Lança os homens contra obstáculos humanamente insuperáveis. Os santos o fazem não confiando neles mesmos mas em Deus. O que explica que se lancem com uma grande valentia, sendo, talvez, por natureza um covarde ou um medroso. A fé, a proximidade de Deus, o poder da convicção, potencializam, até níveis assombrosos, as limitadas capacidades naturais.

A Nicarágua precisa hoje em dia de santos para sair de sua crise. O problema é que talvez não seja isso o que procurem produzir os nossos lares e as nossas escolas. Talvez tenhamos muitos jovens que aspiram ao êxito escolar e profissional. No entanto, quantos deles aspiram também à santidade? Será a santidade um ideal obsoleto ou o único que vale a pena? Às vésperas do primeiro centenário desse homem de fé e santidade que foi Josemaría Escrivá, vale a pena meditar nestas verdades singelas e simples. Elas encerram o remédio para os nossos males.

Humberto Belli é Presidente do Ave Maria College da Nicarágua

    Humberto Belli Pereira // La Prensa (Nicarágua)