Papa Francisco: "Deus Se enamorou da nossa pequenez"

As lágrimas das crianças e a paciência de Deus são as duas mensagens que giram em torno das palavras do Papa Francisco na homilia da missa de Natal e da mensagem da benção Urbi et orbi

MENSAGEM «URBI ET ORBI» DO PAPA FRANCISCO

Queridos irmãos e irmãs, bom Natal!

Jesus, o Filho de Deus, o Salvador do mundo, nasceu para nós. Nasceu em Belém de uma virgem, dando cumprimento às profecias antigas. A virgem chama-se Maria; o seu esposo, José.

São as pessoas humildes, cheias de esperança na bondade de Deus, que acolhem Jesus e O reconhecem. Assim o Espírito Santo iluminou os pastores de Belém, que acorreram à gruta e adoraram o Menino. E mais tarde o Espírito guiou até ao templo de Jerusalém Simeão e Ana, humildes anciãos, e eles reconheceram em Jesus o Messias. «Meus olhos viram a salvação – exclama Simeão – que ofereceste a todos os povos» (Lc 2, 30-31).

Sim, irmãos, Jesus é a salvação para cada pessoa e para cada povo!

A Ele, Salvador do mundo, peço hoje que olhe para os nossos irmãos e irmãs do Iraque e da Síria que há tanto tempo sofrem os efeitos do conflito em curso e, juntamente com os membros de outros grupos étnicos e religiosos, padecem uma perseguição brutal. Que o Natal lhes dê esperança, como aos inúmeros desalojados, deslocados e refugiados, crianças, adultos e idosos, da Região e do mundo inteiro; mude a indiferença em proximidade e a rejeição em acolhimento, para que todos aqueles que agora estão na provação possam receber a ajuda humanitária necessária para sobreviver à rigidez do inverno, retornar aos seus países e viver com dignidade. Que o Senhor abra os corações à confiança e dê a sua paz a todo o Médio Oriente, a começar pela Terra abençoada do seu nascimento, sustentando os esforços daqueles que estão activamente empenhados no diálogo entre Israelitas e Palestinianos.

Jesus, Salvador do mundo, olhe para quantos sofrem na Ucrânia e conceda àquela amada terra a graça de superar as tensões, vencer o ódio e a violência e embocar um caminho novo de fraternidade e reconciliação.

Cristo Salvador dê paz à Nigéria, onde – mesmo nestas horas – mais sangue foi derramado e muitas pessoas se encontram injustamente subtraídas aos seus entes queridos e mantidas reféns ou massacradas. Invoco paz também para outras partes do continente africano. Penso de modo particular na Líbia, no Sudão do Sul, na República Centro-Africana e nas várias regiões da República Democrática do Congo; e peço a quantos têm responsabilidades políticas que se empenhem, através do diálogo, a superar os contrastes e construir uma convivência fraterna duradoura.

Jesus salve as inúmeras crianças vítimas de violência, feitas objecto de comércio ilícito e tráfico de pessoas, ou forçadas a tornar-se soldados; crianças, tantas crianças vítimas de abuso. Dê conforto às famílias das crianças que, na semana passada, foram assassinadas no Paquistão. Acompanhe todos os que sofrem pelas doenças, especialmente as vítimas da epidemia de ébola, sobretudo na Libéria, Serra Leoa e Guiné. Ao mesmo tempo que do íntimo do coração agradeço àqueles que estão trabalhando corajosamente para assistir os doentes e os seus familiares, renovo um premente apelo a que sejam garantidas a assistência e as terapias necessárias.

Jesus Menino. Penso em todas as crianças assassinadas e maltratadas hoje, seja naquelas que o são antes de ver a luz, privadas do amor generoso dos seus pais e sepultadas no egoísmo duma cultura que não ama a vida; seja nas crianças desalojadas devido às guerras e perseguições, abusadas e exploradas sob os nossos olhos e o nosso silêncio cúmplice; seja ainda nas crianças massacradas nos bombardeamentos, inclusive onde o Filho de Deus nasceu. Ainda hoje o seu silêncio impotente grita sob a espada de tantos Herodes. Sobre o seu sangue, estende-se hoje a sombra dos Herodes do nosso tempo. Verdadeiramente há tantas lágrimas neste Natal que se juntam às lágrimas de Jesus Menino!

Queridos irmãos e irmãs, que hoje o Espírito Santo ilumine os nossos corações, para podermos reconhecer no Menino Jesus, nascido em Belém da Virgem Maria, a salvação oferecida por Deus a cada um de nós, a todo o ser humano e a todos os povos da terra. Que o poder de Cristo, que é libertação e serviço, se faça sentir a tantos corações que sofrem guerras, perseguições, escravidão. Que este poder divino tire, com a sua mansidão, a dureza dos corações de tantos homens e mulheres imersos no mundanismo e na indiferença, na globalização da indiferença. Que a sua força redentora transforme as armas em arados, a destruição em criatividade, o ódio em amor e ternura. Assim poderemos dizer com alegria: «Os nossos olhos viram a vossa salvação».

Com estes pensamentos, a todos bom Natal!

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR - HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

«O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles» (Is 9, 1). «Um anjo do Senhor apareceu [aos pastores], e a glória do Senhor refulgiu em volta deles» (Lc 2, 9). É assim que a Liturgia desta santa noite de Natal nos apresenta o nascimento do Salvador: como luz que penetra e dissolve a mais densa escuridão. A presença do Senhor no meio do seu povo cancela o peso da derrota e a tristeza da escravidão e restabelece o júbilo e a alegria.

Também nós, nesta noite abençoada, viemos à casa de Deus atravessando as trevas que envolvem a terra, mas guiados pela chama da fé que ilumina os nossos passos e animados pela esperança de encontrar a «grande luz». Abrindo o nosso coração, temos, também nós, a possibilidade de contemplar o milagre daquele menino-sol que, surgindo do alto, ilumina o horizonte.

A origem das trevas que envolvem o mundo perde-se na noite dos tempos. Pensemos no obscuro momento em que foi cometido o primeiro crime da humanidade, quando a mão de Caim, cego pela inveja, feriu de morte o irmão Abel (cf. Gn 4, 8). Assim, o curso dos séculos tem sido marcado por violências, guerras, ódio, prepotência. Mas Deus, que havia posto suas expectativas no homem feito à sua imagem e semelhança, esperava. Deus esperava. O tempo de espera fez-se tão longo que a certo momento, quiçá, deveria renunciar; mas Ele não podia renunciar, não podia negar-Se a Si mesmo (cf. 2 Tm 2, 13). Por isso, continuou a esperar pacientemente face à corrupção de homens e povos. A paciência de Deus... Como é difícil compreender isto: a paciência de Deus para connosco!

Ao longo do caminho da história, a luz que rasga a escuridão revela-nos que Deus é Pai e que a sua paciente fidelidade é mais forte do que as trevas e do que a corrupção. Nisto consiste o anúncio da noite de Natal. Deus não conhece a explosão de ira nem a impaciência; permanece lá, como o pai da parábola do filho pródigo, à espera de vislumbrar ao longe o regresso do filho perdido; e todos os dias, com paciência. A paciência de Deus!

A profecia de Isaías anuncia a aurora duma luz imensa que rasga a escuridão. Ela nasce em Belém e é acolhida pelas mãos amorosas de Maria, pelo afecto de José, pela maravilha dos pastores. Quando os anjos anunciaram aos pastores o nascimento do Redentor, fizeram-no com estas palavras: «Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). O «sinal» é precisamente a humildade de Deus, a humildade de Deus levada ao extremo; é o amor com que Ele, naquela noite, assumiu a nossa fragilidade, o nosso sofrimento, as nossas angústias, os nossos desejos e as nossas limitações. A mensagem que todos esperavam, que todos procuravam nas profundezas da própria alma, mais não era que a ternura de Deus: Deus que nos fixa com olhos cheios de afecto, que aceita a nossa miséria, Deus enamorado da nossa pequenez.

Nesta noite santa, ao mesmo tempo que contemplamos o Menino Jesus recém-nascido e reclinado numa manjedoura, somos convidados a reflectir. Como acolhemos a ternura de Deus? Deixo-me alcançar por Ele, deixo-me abraçar, ou impeço-Lhe de aproximar-Se? «Oh não, eu procuro o Senhor!» – poderíamos replicar. Porém a coisa mais importante não é procurá-Lo, mas deixar que seja Ele a procurar-me, a encontrar-me e a cobrir-me amorosamente das suas carícias. Esta é a pergunta que o Menino nos coloca com a sua mera presença: permito a Deus que me queira bem?

E ainda: temos a coragem de acolher, com ternura, as situações difíceis e os problemas de quem vive ao nosso lado, ou preferimos as soluções impessoais, talvez eficientes mas desprovidas do calor do Evangelho? Quão grande é a necessidade que o mundo tem hoje de ternura! Paciência de Deus, proximidade de Deus, ternura de Deus.

A resposta do cristão não pode ser diferente da que Deus dá à nossa pequenez. A vida deve ser enfrentada com bondade, com mansidão. Quando nos damos conta de que Deus Se enamorou da nossa pequenez, de que Ele mesmo Se faz pequeno para melhor nos encontrar, não podemos deixar de Lhe abrir o nosso coração pedindo-Lhe: «Senhor, ajudai-me a ser como Vós, concedei-me a graça da ternura nas circunstâncias mais duras da vida, dai-me a graça de me aproximar ao ver qualquer necessidade, a graça da mansidão em qualquer conflito».

Queridos irmãos e irmãs, nesta noite santa, contemplamos o presépio: nele, «o povo que andava nas trevas viu uma grande luz» (Is 9, 1). Viram-na as pessoas simples, as pessoas dispostas a acolher o dom de Deus. Pelo contrário, não a viram os arrogantes, os soberbos, aqueles que estabelecem as leis segundo os próprios critérios pessoais, aqueles que assumem atitudes de fechamento. Contemplemos o presépio e façamos este pedido à Virgem Mãe: «Ó Maria, mostrai-nos Jesus!»