O processo de canonização de São Josemaria

Constantino Ánchel, doutor em teologia e pesquisador do Centro de Estudos Josemaria Escrivá, narra, neste episódio de “Fragmentos de história”, o processo de canonização de São Josemaria e oferece detalhes sobre as últimas etapas desse processo, assim como alguns milagres e favores obtidos por milhares de pessoas através da intercessão do fundador do Opus Dei.

Historia del proceso de canonización de san Josemaría | Podcast de Fragmentos de historia

Sumário

- Primeiros passos

- Resultados imediatos

- Medidas processuais prévias

- A introdução da causa. Algumas reações

- Início da fase processual

- Comunicação de diversos favores à Postulação

- O milagre da Beatificação

- O processo canônico do milagre

- Mudanças na legislação e clausura dos processos

- Reações à clausura dos processos

- Declaração do milagre

- A opinião pública diante do anúncio da beatificação

- Caminho da canonização. O milagre realizado em favor do doutor Nevado

- Declaração do milagre e canonização


Constantino Ánchel detalha alguns aspectos fundamentais da canonização de Josemaria Escrivá.

No dia 26 de junho de 1975, Deus chamou à sua presença Josemaria Escrivá. A partir desse dia, muitos fiéis cristãos já estavam convictos de que Deus havia premiado a sua vida santa e de que ele já gozava da bem-aventurança do céu. Tal certeza apoiava-se no conhecimento de sua vida santa, na leitura e meditação de seus escritos e no bem que Deus havia realizado através do Opus Dei fundado por ele.

Imediata e espontaneamente, muitas pessoas começaram a recorrer à sua intercessão diante de Deus, em busca de vários tipos de favores; surgia ao mesmo tempo a possibilidade e o interesse em solicitar o início dos trâmites para que a Igreja reconhecesse a sua santidade e o elevasse aos altares.

Primeiros passos do processo de canonização de Josemaria Escrivá

O Bem-aventurado Álvaro de Portillo acolheu esses desejos. Poucos dias depois da morte de São Josemaria, escreveu uma carta aos fiéis do Opus Dei, contando-lhes detalhadamente os últimos dias do Fundador, inclusive o dia de seu falecimento. Muitas pessoas já comentavam que era preciso dar início a providências no sentido de que a Igreja reconhecesse Monsenhor Josemaria como um novo intercessor no céu.

Pouco depois, Álvaro del Portillo começou a agir nesse sentido. Primeiramente pediu aos fiéis da Obra que conservassem algum material que tivessem e que proporcionasse um conhecimento real e fundamentado da santidade de vida de Josemaria Escrivá. Começou, por outro lado, a preparar a documentação necessária para dar início ao processo de canonização.

A fim de organizar esses trabalhos, foram estabelecidos escritórios em vários países, que foram chamados Históricos, com a finalidade de coordenar, junto com a Postulação da Causa, todos os trabalhos. Em Madri, eles começaram em 8 de julho de 1975, com a chegada do pe. Benito Badrinas, nomeado Vice-Postulador. Em Roma, o pe. Fabio Capucci foi nomeado Postulador.

Resultados imediatos

Nos primeiros cinco anos, chegou-se a bons resultados, graças à colaboração de muitas pessoas. Perto de quatro mil pessoas escreveram relatos com recordações de São Josemaria. Faziam igualmente parte do material obtido cerca de vinte mil cartas do fundador. Várias centenas de bispos enviaram cartas Postulatórias. Um número importante de personalidades da vida pública, civil e eclesiástica, manifestou-se igualmente.

Nesse período, foram publicados três esboços biográficos de São Josemaria, escritos respectivamente por Salvador Bernal, François Gondrand e Peter Berglar. Andrés Vázquez de Prada publicou outra biografia em 1983.

Centenas de milhares de estampas com uma oração a São Josemaria foram impressas e publicaram-se igualmente Folhas Informativas para dar a conhecer a sua figura; nos dez primeiros anos dessa publicação, ela chegou a ter mais de meio milhão de assinantes, só na Espanha. Ao mesmo tempo, centenas de cartas comunicando favores recebidos por sua intercessão chegavam à Postulação.

Medidas processuais prévias

Enquanto isso, tomavam-se providências em Roma para propor o início da causa de canonização. Interessa fazer um pequeno comentário a respeito da legislação da Santa Sé sobre as causas de canonização. Em 1969, São Paulo VI modificou a legislação, para agilizar os trabalhos processuais. Passaria a haver, concretamente, uma única fase de instrução, ou seja, a dos interrogatórios às testemunhas, e ficou estabelecido que a causa só poderia ter início pelo menos cinco anos após a morte do candidato.

Tendo em conta a nova legislação e de acordo com o prazo estabelecido pelas novas normas, em 1980, cinco anos depois do falecimento do fundador, o Opus Dei solicitou a Introdução da Causa de Canonização. A petição foi apresentada na diocese de Roma, porque foi nessa cidade que Josemaria morreu.

A petição incluía cerca de 6.000 cartas procedentes de mais de cem países, pedindo o início da causa. Entre essas chamadas Cartas Postulatórias havia muitas de cardeais, arcebispos, bispos (mais de um terço do episcopado mundial) e superiores de ordens e congregações religiosas. A abundante documentação entregue incluía testemunhos pessoais, favores, artigos de imprensa e publicações que mostravam a transcendência da vida de Josemaria Escrivá.

A introdução da causa. Algumas reações

O decreto de Introdução da Causa foi publicado pelo cardeal Poletti, Vigário de Roma, em 19 de fevereiro de 1981. A partir de então, Josemaria Escrivá recebeu o título de Servo de Deus.

Antes de continuar, eu gostaria de explicar porque foram publicados alguns comentários que se referiam à rapidez com que se tinha procedido. Essas opiniões provinham do desconhecimento da nova legislação, pelo que afirmavam que os prazos não tinham sido respeitados.

Começo da fase processual

Devido ao fato de que uma boa parte das testemunhas chamadas encontrava-se na Espanha ou falava espanhol, a Postulação pediu que além do tribunal de Roma, fosse constituído um outro em Madri. A Congregação das Causas dos Santos acedeu a este pedido no dia 14 de março.

A abertura do processo romano, presidida pelo cardeal Poletti, teve lugar em Roma em 12 de maio de 1981 e em 18 de maio o cardeal Tarancón presidiu a abertura do processo em Madri.

Antes da abertura dos processos, a Postulação apresentou uma relação das possíveis testemunhas, explicando porque deveriam ser chamados a declarar. Elas deviam cobrir todo o arco da vida do Servo de Deus, os membros do Opus Dei chamados deviam ser menos de quarenta por cento e era preciso incluir as chamadas testemunhas contrárias, isto é, pessoas que tendo conhecido e tratado o Servo de Deus, não estavam de acordo com a possibilidade de que ele fosse elevado aos altares. A Congregação para as Causas dos Santos acrescentou mais algumas testemunhas à lista já apresentada.

Antes também, a Congregação, apresentou um questionário para ser respondido pelas testemunhas. Ele é constituído de duas partes: por um lado, a vida do Servo de Deus e por outro, como viveu as virtudes cristãs. Para elaborar esses questionários, a Congregação utilizou a documentação apresentada pela Postulação, que incluía também livros e outras publicações contrárias ao fundador.

Os tribunais de Roma e Madri são constituídos

A praxe sobre este assunto variava de acordo com a diocese, mas com o tempo o modo de proceder foi se unificando. Naquela época, na diocese de Roma, havia um único tribunal que recebia as declarações de todas as causas da diocese e estipulava para cada uma um dia da semana em que as testemunhas fariam suas declarações.

Em Madri, o procedimento era diferente. Na época da instrução do processo de Josemaria Escrivá, estavam em andamento quatro outras causas (a de Pedro Poveda; a da M. Maravillas de Jesús, a do P. Menni e mais uma). Para cada caso o arcebispo de Madri, juiz de todas as causas, nomeava um tribunal diferente. No caso de Josemaria Escrivá, o Juiz foi o P. Rafael Pérez, agostiniano, que havia trabalhado na Congregação para as Causas dos Santos, em Roma. Era assistido por dois juízes, um promotor da fé e um notário, que fazia a ata das sessões. Além disso, para cada cargo, foram nomeados suplentes que substituíam os titulares em caso de ausência de algum deles. Evidentemente, nenhum membro do tribunal podia ser membro do Opus dei: todos pertenciam ao clero secular, exceto o P. Pérez e o P. Manuel Garrido, beneditino.

Foram cerca de uma centena as testemunhas e mais duas ou três, chamadas ex officio por cada um dos tribunais. Em Madri, houve sessões de segunda a sexta, durante três anos. Em Roma, uma por semana, durante um pouco mais de tempo.

No final, houve algumas sessões destinadas a juntar às atas do processo documentos de diferente índole, relativos a Josemaria Escrivá.

Comunicação de diversos favores à Postulação

Enquanto os processos seguiam seu curso, a Postulação recebia numerosa correspondência sobre a difusão da devoção ao Servo de Deus e também relatando favores recebidos por sua intercessão. Alguns relatos tinham indícios de que poderia tratar-se de uma graça extraordinária.

Para beatificar uma pessoa, a Santa Sá pede que se ateste uma graça de caráter extraordinário, chamada milagre. Nesse caso, é necessário um processo ante um tribunal canônico específico. Pede ainda o que se chama tecnicamente de fama de milagres.Isso quer dizer que se pode garantir que uma série de favores poderiam, por sua importância, ser considerados milagres. Isso se dá no caso de favores ligados a curas médicas, já que nesses casos é muito pouco provável que a cura se dê por causas naturais. Para que a fama de milagres ficasse bem documentada, a Postulação entregou à Congregação dois volumes de 1.200 páginas com o relato e a documentação referente a 20 curas de caráter extraordinário atribuídas à sua intercessão e selecionadas ente 36 que se encontram arquivadas e mais 75.000 relatos assinados sobre favores de diversa índole.

O milagre da beatificação de Josemaria Escrivá

Entre os favores recebidos, houve um que logo chamou a atenção dos médicos. Tratava-se da cura de um quadro médico complexo: a paciente era uma religiosa Carmelita da Caridade, de San Lorenzo de El Escorial, em Madri, a Irmã Concepción Boullón Rubio.

Eis sua história: esta religiosa, desde o início dos anos setenta começou a sofrer uma série de incômodos por causas múltiplas. Surgiram tumores em várias partes do seu corpo, especialmente um no ombro que dificultava o descanso e o sono. Ao mesmo tempo, teve uma hérnia de hiato que causou uma úlcera que sangrava e, em consequência, uma anemia grave. Em 1976, os médicos classificaram seu estado de caquexia. Ficou extremamente fraca, quase não saía de seu quarto, não participava dos atos da comunidade e sua voz quase não se ouvia de modo que para falar por telefone com a família, fazia-o por intermédio de outra religiosa. Não se sabia a natureza dos tumores e os médicos receavam fazer uma biópsia por causa da sua fraqueza.

Os médicos definiram o quadro como uma lipocalcinegranulomatose tumoral em muitos lugares que doíam e a tornavam quase inválida, tendo o tumor do ombro esquerdo o tamanho de uma laranja. Acrescentava-se a isso uma patologia concomitante descrita nos seguintes termos: Estado caquético em paciente com úlcera gástrica e hérnia de hiato complicada por grave anemia hipocrômica.

Estando assim a situação, uma noite, em junho de 1976, passou tão mal que pensou que estava morrendo. Encomendou-se a Deus e por fim conciliou o sono. Na manhã seguinte, ao levantar-se foi ao banheiro. Ao colocar os chinelos, notou que um dos pés do chinelo estava folgado, pois o tumor havia desaparecido. No banheiro percebeu que já não havia o volume no ombro esquerdo. Voltou ao quarto para ver se esse tumor havia rompido e se havia sangue nos lençóis, mas não havia nada. Como se sentia bem, tomou banho, vestiu-se e foi fazer as orações matinais da comunidade, com grande surpresa da superiora e das outras religiosas. Quando lhe perguntaram o que havia acontecido, disse com toda simplicidade que estava curada.

Paulatinamente começou a ter uma vida normal e como ainda estava isenta de suas tarefas, a superiora pediu-lhe um dia que acompanhasse outra religiosa ao médico. No consultório, o médico surpreendeu-se ao vê-la e a Irmã Concepción disse-lhe com toda naturalidade que a doente era a outra. O médico não perguntou nada, pensando que eram coisas de freiras.

Uns dias depois, suas irmãs que moravam em Montalbán (Teruel) telefonaram e ela conversou normalmente. As irmãs se surpreenderam e perguntaram o que tinha acontecido. Ela respondeu que tinha se curado. As irmãs insistiram outra vez e perguntaram a quem ela tinha rezado. Ela respondeu que a ninguém. Suas irmãs disseram então que elas, sim, tinham rezado por ela a Monsenhor Escrivá. E explicaram por que e como o tinham feito: uns meses antes haviam lido em uma revista opiniões negativas sobre o fundador do Opus Dei, recentemente falecido. Elas, que gostavam do Opus Dei, pois tinham um parente na Obra, aborreceram-se tanto que tiveram uma reação peculiar, e disseram: para que se veja que esses comentários negativos são falsos pediram a Deus que curasse sua irmã por intercessão de Monsenhor Escrivá. Além disso, todos os dias desde então, rezavam o rosário por esta intenção.

Quando a Irmã Concepción ouviu isto sentiu interiormente a certeza de que sua cura se tinha realizado por intercessão do fundador da Obra. Recordava depois, que desde os anos quarenta, rezava todos os dias na Santa Missa pelo Opus Dei, especialmente desde que um parente seu que era da Obra contou das dificuldades que estava enfrentando e do bem que experimentava em sua vida seguindo este caminho.

O processo canônico do milagre

Quando esta notícia chegou à Vice-Postulação de Madri, tomaram-se as medidas para documentar o caso. Era preciso pedir informações médicas e o testemunho dos médicos que a tinham atendido nesses anos. E obter as declarações das pessoas que conviviam com a Irmã Concepción e das suas irmãs, que haviam pedido sua cura.

Uma vez concluído este trabalho, foi solicitado ao arcebispo de Madri, o cardeal Enrique y Tarancón, que se fizesse o necessário para iniciar o processo super miro, isto é, sobre o milagre. Para isso foi nomeado um tribunal que incluía um perito médico enviado pela vice postulação de Roma para dar assessoria ao tribunal quanto aos temas técnicos.

O tribunal foi erigido no dia 21 de janeiro de 1982 e as sessões, presididas pelo juiz da Rota Feliciano Gil de las Heras começaram. A clausura do processo foi em 3 de abril, as atas originais foram guardadas no Arquivo da Arquidiocese de Madri e uma cópia autêntica foi enviada a Roma à Congregação das Causas dos Santos; essa cópia seria estudada quando o processo de vida e virtudes terminasse e o Papa declarasse o Servo de Deus como Venerável.

Mudanças na legislação e clausura dos processos

Um ano e meio antes do final da fase de instrução dos processos, tanto romano quanto madrileno, o Papa São João Paulo II modificou a legislação sobre as Causas dos Santos que, do ponto de vista prático e imediato, insistia na inclusão de documentação histórica de modo que se facilitasse a apresentação de um perfil do candidato aos altares ao povo de Deus. Com isso, foi necessário incluir mais documentação antes da clausura dos processos.

No dia 26 de junho de 1984, o cardeal Ángel Suquía encerrou o processo de Madri. Dois anos mais tarde, em 8 de novembro de 1986, o cardeal Poletti encerrou o processo romano. Este último demorou mais pela necessidade de incluir a documentação solicitada pela nova regulamentação.

Para se ter uma ideia do trabalho desses anos, juntando os dois processos houve mais de 980 sessões e 92 testemunhas fizeram declarações; todas elas haviam conhecido e tratado pessoalmente Josemaria Escrivá, sendo que mais da metade não pertencia ao Opus Dei.

Tais declarações foram reunidas em 22 volumes, com um total de 11.000 páginas.

A essas declarações processuais, acrescentaram-se mais de 100 relatos, escritos por testemunhas da vida do fundador que foram selecionados entre os mais de 10.000 arquivados na postulação.

Na fase final da instrução dos processos, foi incluída uma série de documentos em 11 volumes que completavam informações sobre a vida de Josemaria Escrivá em diferentes âmbitos, como os familiares, eclesiásticos, civis, acadêmicos etc. Concluída a fase processual pareceu conveniente acrescentar mais documentação em 5 volumes, frutos da pesquisa realizada em 400 arquivos públicos e particulares, civis e eclesiásticos.

Por último foram entregues os escritos do Fundador, tanto os publicados como os inéditos: 13.000 páginas e 71 volumes. O tribunal romano encarregou 4 teólogos censores que não pertenciam ao Opus Dei para um estudo crítico das obras de Josemaria Escrivá; dois deles para as obras publicadas e dois para as obras inéditas.

Reações à clausura dos processos

Quando a notícia da clausura do processo madrileno saiu na imprensa, uma série de pessoas que discordavam da santidade do fundador solicitaram para serem ouvidas pelo tribunal. Alegavam que pouco depois do início do processo, haviam pedido isso ao arcebispo de Madri e lhe haviam entregue escritos com suas recordações. O juiz da causa pediu ao arcebispo que lhe entregasse essa documentação que, por algum motivo não chegara ao tribunal. Nesse espaço de tempo havia mudado o arcebispo de Madri e a documentação foi enviada ao juiz. O tribunal fez um estudo detalhado dessa documentação e decretou que não havia razão para tal reclamação. De acordo com o direito, os tribunais têm a obrigação de ouvir as testemunhas contrárias, ou seja, as que podem trazer alguma prova ou indício que ponha em dúvida a santidade do candidato. Estabelece, no entanto, que não devem ser ouvidas as testemunhas hostis, como eram nesse caso. O resultado deste processo foi enviado à Congregação dos Santos em Roma que, tendo-o estudado, confirmou a resolução do arcebispado de Madri.

Estudo na Congregação para as Causas dos Santos e Declaração de Venerável

Terminados os processos, começava a fase de estudo. Congregação para as Causas dos Santos nomeou como Relator o dominicano Ambrosio Eszer. Ele devia dirigir o trabalho da postulação na elaboração da Positio, ou seja, a exposição sistemática das provas sobre a vida e virtudes do Servo de Deus, mostradas tanto pelas declarações das testemunhas como pelo resultado da pesquisa histórico-documental.

Na elaboração da Positio trabalhou uma equipe de especialistas em Teologia, História da Igreja e Direito Canônico, com a colaboração de especialistas em informática. Um ano e meio depois, em junho de 1988, o Relator, Padre Eszer, apresentou a Positio à Congregação.

Quando a Congregação para as Causas dos Santos a recebeu, nomeou uma série de Consultores, presididos por Mons. Petti, Promotor Geral da Fé. Em 19 de setembro de 1989, tendo estudado a documentação, pronunciou-se a favor da heroicidade de virtudes do Fundador. Seguiu-se o estudo pela Congregação de cardeais e bispos que, no dia 20 de março de 1990, também se pronunciou a favor unanimemente.

Finalmente, o Santo Padre São João Paulo II promulgou em 9 de abril de 1990, o Decreto de virtudes heroicas em virtude do qual Josemaria Escrivá foi declarado Venerável.

Declaração do milagre

A declaração de Venerável era necessária para estudar a documentação do processo de milagre. Dado esse passo, e como o milagre era de natureza médica, ele foi estudado pela chamada Consulta Médica, isto é, um grupo de médicos especialistas que assessoram a Congregação para as Causas dos Santos. Concluíram unanimemente, no dia 30 de junho, que a cura não era explicável por causas naturais.

O passo seguinte estava a cargo de um Congresso peculiar de consultores teólogos nomeados pela Santa Sé; cabia-lhes verificar, pelas provas apresentadas, que havia uma relação direta entre a oração dirigida ao Servo de Deus e a cura. No dia 14 de julho de 1990 deram um parecer unânime. Um ano depois, a Congregação ordinária de Cardeais e Bispos da Congregação para as Causas dos Santos, determinou, também unanimemente, o caráter milagroso da cura atribuída ao Servo de Deus.

Só restava que o Santo Padre, tendo em vista estes pareceres, promulgasse o decreto correspondente a essa cura milagrosa, o que foi feito em 6 de julho de 1991.

Cumprido os requisitos exigidos pela legislação, o Papa São João Paulo II determinou em setembro de 1991 que a cerimônia se realizasse no dia 17 de maio de 1992 na Praça de São Pedro, em Roma.

Opinião pública diante do anúncio da beatificação de Josemaria Escrivá

Até esse momento, a opinião pública não havia mostrado especial interesse pelo assunto, mas de repente, desencadeou-se uma campanha de opinião contrária à beatificação, especialmente nos meios laicistas, alimentada por alguns eclesiásticos, religiosos e ex-membros do Opus Dei que, por quaisquer razões que tivessem, sentiam-se feridos e foram porta-vozes de todo tipo de críticas com as quais pretendiam impedir a beatificação.

Todas essas críticas se desvaneceram quando no dia 17 de maio de 1992, São João Paulo II beatificou Josemaria Escrivá na abarrotada Praça de São Pedro. Um ambiente de piedade, de alegria, de convivência e, por que não, de festa foi a melhor resposta aos preconceitos e críticas recebidas.

Caminho da Canonização. O milagre realizado em favor do doutor Nevado

A beatificação constitui o passo prévio para a canonização, pela qual o Bem-aventurado passa a ser chamado santo. Para chegar a isso é necessário, normalmente, que a Igreja reconheça um novo milagre, obtido pela intercessão do Bem-aventurado e realizado depois da beatificação. Dizemos normalmente porque o Papa, em alguns casos, pode dispensar deste milagre para a canonização.

No que diz respeito a Josemaria Escrivá, houve logo um favor que apresentava traços de cura extraordinária. Foi o caso de um médico de Almedralejo, o doutor Manuel Nevado Rey.

Eis em síntese sua história: o doutor Nevado tinha sido diretor de uma clínica em Almedralejo, onde se atendia vários tipos de doenças, exceto as que requeriam meios extraordinários. Os casos mais frequentes eram traumatismos, fraturas, etc. No começo dos anos sessenta o hospital adquiriu um aparelho de Raios X, conhecido como a Bola de Siemens. Para os médicos, o uso de Raios X para tratar fraturas representou um avanço extraordinário, pois podiam ver claramente o estado da fratura. Para o uso desse aparelho havia instruções para que os médicos usassem proteção tanto no rosto como nas mãos. No rosto era necessário, pois permitia ver a fratura através de um vidro especial, mas nas mãos era preciso usar luvas especialmente incômodas, de modo que muitos médicos, por comodidade não as usavam, ignorando os problemas que a radiação podia causar.

O doutor Nevado contou que durante anos, até o começo da década de noventa, ele expôs as mãos à influência de Raios X em milhares de intervenções. Como consequência, no começo de 1990 ele havia deixado de operar por ter perdido sensibilidade nas mãos e alguns de seus dedos ficavam protegidos com esparadrapo.

Ao longo da sua carreira profissional o doutor Nevado tinha adquirido algumas terras. Em novembro de 1992 precisou ir ao Ministério da Agricultura, em Madri com o fim de solicitar uma subvenção da União Européia para melhorias que queria realizar em suas terras. Enquanto esperavam, ele e sua esposa, apareceu um engenheiro, que era do Opus Dei e que logo percebeu o estado das mãos do médico; perguntou-lhe o motivo daquilo e o doutor Nevado explicou-lhe tudo e que fora obrigado a deixar de operar. O engenheiro deu-lhe uma estampa do Bem-aventurado Josemaria sugerindo que lhe pedisse a cura. Ele foi chamado para ser atendido e despediu-se do casal.

Mais tarde o doutor Nevado comentou com a mulher o caso curioso: tinha ido ao Ministério para resolver um assunto de vinho e cepas e tinham saído com uma estampa do Bem-aventurado Josemaria. Desde então começou a rezar esporadicamente pedindo sua cura.

Perto do Natal o casal foi a Viena para participar de um Congresso Médico; aproveitaram para visitar a cidade. Ao entrarem em uma Igreja viram que havia estampas do Bem-aventurado Josemaria à disposição e comentou com a mulher como ficara surpreso. Naquele momento experimentou a necessidade de pedir ao Bem-aventurado a sua cura, sem nenhuma fórmula especial, apenas manifestando interiormente a petição.

Em Almendralejo continuou com sua atividade médica no hospital de Zafra, localidade vizinha. Um dia, depois do Natal, o engenheiro que lhe tinha dado a estampa telefonou-lhe para lhe dar o resultado das medidas do Ministério. O engenheiro ia ligar outro dia porque o médico não estava em casa. Na terceira vez como não conseguia encontrá-lo pediu a sua mulher um telefone do trabalho; ela respondeu que não era possível pois naquele dia estava em Zafra fazendo cirurgias. O engenheiro, surpreendido, perguntou à esposa do médico, que era enfermeira, se as lesões de suas mãos estavam curadas. Ela então percebeu que algo especial havia acontecido. Falou depois com o marido e percebeu que algo sobrenatural tinha acontecido com suas mãos.

Relato do doutor Nevado: “Em novembro de 1992, quando fui ao Ministério da Agricultura, estava com os dedos das mãos muito afetados pela exposição a Raios X. Na mão esquerda, os dedos índice, médio e anular; na direita, o índice e o médio principalmente. Eu tinha diversas placas de hiperqueratose e ulcerações de diferentes tamanhos nos três dedos mencionados na mão esquerda – até com 2 cm de diâmetro – e outras várias lesões no dorso das mãos e nas falanges da mão esquerda.

Essas lesões me incomodavam bastante e tive que deixar de operar. Muitas pessoas não as percebiam porque eu as ocultava. Posso dizer que nenhum médico me aconselhou algum tratamento porque é sabido que não se pode fazer nada pela radiodermatite. Algum deles me disse que eu usasse vaselina ou lanolina para suavizá-las, coisa que eu já vinha fazendo.

Desde o momento em que me pus sob a intercessão do Bem-aventurado Josemaria Escrivá, minhas mãos foram melhorando e em aproximadamente quinze dias as lesões desapareceram e minhas mãos ficaram como estão agora, em perfeito estado.

É evidente que essa cura não pode ser explicada por motivos naturais. Eu já disse que a radiodermatite é incurável e que não utilizei nenhum medicamento. Eu pensava em procurar um dermatologista que me fizesse um transplante de pele para fechar as ulceras, mas não cheguei a fazer nada. Mesmo procurando que vissem as minhas mãos, há muitas pessoas que podem dar testemunho das ulceras que elas tinham: evidentemente minha mulher, um dos meus filhos que é médico anatomopatologista, dois médicos dermatologistas a quem as mostrei algumas vezes: Isidro Parra e o professor Ginés Sánchez Hurtado.

Conto aqui a cura da minha radiodermatite tal como aconteceu. Eu temia que aparecesse uma metástase o que seria inclusive um prognóstico negativo. A radiodermatite foi curada e só posso atribuir isso a intercessão do Bem-aventurado Josemaria Escrivá.

Desde a cura voltei a trabalhar normalmente e a fazer cirurgia geral”.

Declaração do milagre e canonização de Josemaria Escrivá

Quando esta notícia chegou à Postulação iniciaram os trâmites para o processo de milagres na cúria diocesana de Badajoz. Em julho de 1994 o processo se encerrou e foi enviado a Roma.

No dia 10 de julho de 1997, a Consulta médica da Congregação dos Santos afirmou por unanimidade que a cura no doutor Nevado de “cancerização de radiodermatite crônica grave no 3º estágio, em fase de irreversibilidade” foi “muito rápida, completa e duradoura; cientificamente inexplicável”.

No dia 9 de janeiro de 1998 os Consultores Teólogos pronunciaram-se com um voto positivo unânime e no dia 21 de setembro de 2001 a Congregação Ordinária de Cardeais e Bispos confirmou unanimemente o caráter milagroso, atribuído ao Bem-aventurado Josemaria Escrivá, da cura do doutor Nevado.

No dia 20 de dezembro de 2001, na presença do Papa, foi feita a leitura do decreto sobre o milagre.

O Papa determinou a data de 6 de outubro de 2002 para realizar a cerimônia da canonização que aconteceu em uma abarrotada Praça de São Pedro e adjacências.