O meu testemunho sobre D. Álvaro del Portillo

Apresentamos o testemunho de Salvador Aragonés, jornalista e doutor em Jornalismo, que trabalhou como correspondente durante nove anos em Roma e conheceu de perto D. Álvaro del Portillo.

Salvador Aragonés

A beatificação de Álvaro del Portillo , Prelado do Opus Dei, causou-me uma grande alegria, e ainda mais por ter sido reconhecido o seu milagre junto com o anúncio da canonização de João XXIII e de João Paulo II, dois santos que na sua ação pastoral mudaram o rumo da história, tanto da Igreja (o Concílio Vaticano II) como do mundo (a queda do império soviético na Europa).

Um homem fidelíssimo a S. Josemaria

Álvaro del Portillo não foi um homem, sob o ponto de vista mediático, de primeira linha. Foi uma pessoa que serviu a Igreja passando despercebido e que procurou ao longo da sua vida ser fiel, melhor dizendo, fidelíssimo (embora como o jornalista não gosto demasiado de superlativos) à Igreja, ao Papa (aos papas) e sobretudo ao fundador do Opus Dei, S. Josemaria Escrivá, sem fazer ruído. Era o seu modo de ser: servir, passar oculto, servir, com um esforço até ao limite do heroico, a Igreja e em concreto o sacerdócio e o laicato, como demonstrou nas suas intervenções, apesar de pouco conhecidas, no Concílio Vaticano II. Seguiu aqui o conselho de S. Josemaria de “servir a Igreja, como a Igreja quer ser servida”.

Conheci-o nos anos sessenta do século passado, e houve um detalhe que me surpreendeu sobremaneira. S. Josemaria falava com um grupo de centenas de pessoas em Pamplona, e num momento ante a pergunta de um dos assistentes disse sem levantar o tom de voz: “Álvaro, teremos de rever tal ponto dos estatutos do Opus Dei”. Álvaro del Portillo, que se encontrava a uns 25-30 metros de S. Josemaria falando com outras pessoas, respondeu: “Sim, Padre”. Eu pensei: Teria ouvido? Depois me dei conta, noutras ocasiões semelhantes, de que apesar de estar ocupado com outros trabalhos, o seu pensamento e coração estavam sempre unidos com o Fundador do Opus Dei.

Informou os jornalistas no dia do falecimento do Fundador do Opus Dei

No dia do falecimento de S. Josemaria Escrivá, a 26 de junho de 1975, fui à sede do Opus Dei na rua Bruno Buozzi para obter algumas informações ou declaração entre as pessoas que então tinham responsabilidade de governo no Opus Dei, que ainda não era Prelazia Pessoal se bem que estivesse no caminho jurídico para essa fórmula canônica. Havia um jornalista realmente crítico na sala de espera, junto de mim, até ao ponto que queria ir-se embora porque dizia “aqui não haverá ninguém para nos dar qualquer informação, vão ver, isto aqui é tudo secreto”, comentou.

De repente apareceu a figura serena de Mons. Álvaro del Portillo, que era Secretário-geral do Opus Dei. Ninguém esperava por ele. Informou com todo o pormenor como decorrera o dia do fundador nesse 26 de Junho até ao momento do seu falecimento. Surpreendeu-me a sua grande serenidade e o detalhe com que contou os fatos até ao pormenor . Disse que tinha ido pela manhã ao centro que as mulheres do Opus Dei têm nos arredores de Roma, chamado Villa delle Rose, e que lhes dissera que elas “também tinham alma sacerdotal” como estabeleceu o Concílio. Comentou-nos que Nossa Senhora o tinha escutado pois lhe pedira que o deixasse morrer “sem dar trabalho” aos seus filhos, e de fato morrera repentinamente com uma paragem cardíaca. D. Álvaro del Portillo realçou também uma virtude de S. Josemaria: a humildade. Depois, perante a surpresa de todos, convidou-nos a visitar o corpo de S. Josemaria na Igreja Prelatícia de Santa Maria da Paz , “para rezarmos por ele”, disse. O santo estava revestido com os paramentos sacerdotais com uma casula roxa e tinha um rosto sereno. Nós, os jornalistas, ficamos impressionados pela quantidade de informações e abertura informativa que nos foi prestada sobre este falecimento. Eram momentos – tem havido muitos – em que o Opus Dei era criticado por alguns meios de comunicação pelo seu secretismo.

A família: “o melhor negócio do mundo”

O segundo momento histórico que recordo de Álvaro del Portillo, é uma reunião que teve com um grupo de fiéis do Opus Dei a 12 de Setembro de 1975, uns dias antes da sua eleição como novo Presidente Geral do Opus Dei, como era denominado então antes de ser Prelazia pessoal. Estávamos apertados ali numa sala da sede central. A grande maioria eram pessoas casadas e com filhos procedentes de diversos países ainda que boa parte fossem italianos e catalães. Álvaro del Portillo, com essa capacidade de síntese que tinha, quis resumir para nós, a traços largos, a semente, a doutrina que Deus, através de S. Josemaria, quis semear no mundo. Aos que éramos casados disse-nos que o melhor que tínhamos, “o melhor negócio neste mundo” era a família. Portanto tínhamos que amar muito as nossas mulheres e os nossos filhos. Disse-nos que éramos cofundadores do Opus Dei porque tínhamos recebido diretamente do fundador o espírito do Opus Dei, e isso nos obrigava a transmitir, “íntegra e inalterável”, essa mensagem que era divina, de Deus. Pediu-nos também – entre muitas outras coisas – que recorrêssemos à intercessão do Fundador para aquilo que considerávamos o bem da Igreja e daqueles que estão ao nosso lado. Que procurássemos servir-nos de "indústrias humanas". Finalmente recordou-nos que seguíssemos o exemplo do Fundador, que tinha três amores: Cristo, a Virgem Maria e o Papa.

Álvaro del Portillo, homem de uma inteligência e de uma capacidade de trabalho muito pouco comuns, soube passar totalmente despercebido ante os olhos do mundo. Parecia que não fazia nada e o que fazia dava a impressão que qualquer pessoa o podia fazer. Sabia estar tanto com um cardeal como com uma criança. Recordo a ocasião em que recebeu toda a nossa família em 1993. Uma nossa filha de poucos anos disse alguma coisa, e nós, por ser pequena, não lhe demos importância, mas D. Álvaro sim, e pediu que a ouvíssemos, pois podia ser importante o que queria dizer, ou pelo menos era importante para ela.

Trabalhou com discrição e humildade

Quando a 15 de Setembro de 1975 foi eleito Presidente Geral do Opus Dei – eu era então correspondente de imprensa em Roma –, quis recolher a opinião de vários cardeais e de altos eclesiásticos sobre a sua figura. E fiquei altamente surpreendido que na Cúria Romana lhe dessem muito valor pelo trabalho realizado e pela sua discrição e humildade. Recordo a opinião do secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, D. Jérôme Hammer. “Aqui nesta Congregação não temos opinião, vamos homenageá-lo e ter esperança de que não abandone os seus trabalhos na mesma”. E D. Álvaro não os abandonou.