“O Céu fica em Vallecas”

José Manuel Horcajo é pároco de São Raimundo Nonato, uma igreja situada no bairro de Vallecas, um dos mais conhecidos de Madri. O autor de dois livros que recolhem histórias ligadas à vida da paróquia, conta nesta entrevista a origem da sua vocação e faz uma reflexão sobre o sacerdócio.

O dinamismo do Pe. José Manuel Horcajo se manifesta mais no olhar do que nos movimentos. Ao contrário do que podemos imaginar ao ler os seus livros, ele não corre, está atento. “Tudo o que há na minha paróquia não procede de um plano previsto ou de ideias que eu tenha elaborado, uma espécie de protocolo imaginado e que estou aplicando, mas da vontade de Deus para cada dia”, afirma. Por isso, o pároco de São Raimundo Nonato se deixa levar: “É a minha amizade com Jesus que me leva”, explica. É assim que compreende o sacerdócio. É assim que se entende a vida da igreja situada ao atravessar a ponte de Vallecas.

“Acho que Deus está me pedindo algo”

O sacerdócio também não foi fruto de um plano: “Nunca pensei ser sacerdote”, assegura. Tanto para ele como para a família e amigos, esta chamada foi uma surpresa e não acreditaram nele quando contou a sua decisão de se ordenar. Diferente foi a reação da sua namorada que, ao saber da notícia, simplesmente disse: “Agora compreendo porque sentia que tinha de rezar muito por você”.

Foi durante um retiro que sentiu a inquietação de que Deus lhe estava pedindo algo, e quando o mencionou ao sacerdote que pregava os exercícios espirituais, conta que foi suficiente dizer “acho que Deus me pede alguma coisa” para imediatamente intuir que essa inquietação podia ser a vocação ao sacerdócio. Saiu muito nervoso daquela conversa, mas encontrou paz seguindo o conselho que recebeu naquele dia: rezar o terço. “Foi o primeiro terço da minha vida! Rezei de forma desestruturada, não sabia como funcionavam aquelas contas. Rezei como pude e, ao terminar, senti uma grande paz. Percebi que Nossa Senhora me dizia: Calma, filho! Isso é de Deus, e você está em nossas mãos!”

“Cada pessoa é um rosto que me pede para ser santo”

Para o Pe. José Manuel, que pertence à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, a amizade e o conselho de outros sacerdotes são um apoio para a exigente missão que desde 2009 desempenha num bairro que se caracteriza por reunir uma alta percentagem de imigrantes. “Nesta paróquia, você tem que motivar as pessoas para lhes dar uma visão e uma esperança”, afirma. Uma meta que para ele, passa em primeiro lugar por aproximar as pessoas dos Sacramentos.

A paróquia, que mantém as portas abertas da manhã à noite, reúne muitas pessoas, que se preparam para receber os Sacramentos: crianças, idosos, famílias inteiras giram em torno da catequese… detrás delas, há um grande número de voluntários. “Expomos o Santíssimo, as pessoas vêm rezar e acontecem coisas”, para o pároco essa é a explicação de tudo o que acontece.

A demanda das pessoas é constante, intensa, em quantidade e variedade. Mas não se acostuma, e isso é, para o Pe. José Manuel, em boa medida graças ao Sacramento da Confissão: “Quando a pessoa me conta os seus problemas, os seus traumas, mesmo que sejam pequenos, tenho um profundo amor de Cristo por essa pessoa, tenho uma ternura especial que não vem de mim”, explica. “Se tudo se resumisse a cartórios, papéis ou reuniões, no final seria apenas mais um caso”.

Não faltam dificuldades e por ocasião de uma campanha contra a paróquia e contra ele, não esconde ter sentido um forte desânimo que o levou a questionar o sentido de tanto sacrifício. “Foi um momento em que pensei: além de ter ajudado as pessoas, elas me pagam dessa maneira. Então, é melhor eu ir para um lugar mais tranquilo e me livrar dos problemas”. Saiu desse momento de fraqueza percebendo que o Senhor o convidava a carregar sua cruz de uma forma especial.

A certeza de que “eles sofreram mais” o motiva a superar as provações diárias e a exigir mais de si mesmo. “São eles que me exigem”, diz convencido, “cada pessoa que chega à minha paróquia é um rosto que me pede que seja santo”.