Dom Álvaro, os jovens e a paz

Homilia pregada em Roma pelo Bem-aventurado Álvaro del Portillo em 1985, por ocasião do Ano Internacional da Juventude.

“Vinde! Vamos subir à montanha do Senhor! Vamos ao Templo do Deus de Jacó. Ele nos vai mostrar a sua estrada e nós vamos trilhar os seus caminhos. [...]. Às nações ele dará a sentença, decisão para povos numerosos: devem fundir suas espadas, para fazer bicos de arado, fundir as lanças, para delas fazer foices. Nenhuma nação pegará em armas contra a outra e nunca mais se treinarão para a guerra. [...]. Ninguém fará mal, ninguém pensará em prejudicar, na minha santa montanha. Pois a terra estará repleta do conhecimento do Senhor, assim como as águas cobrem o mar”[1].

Aceitando o convite do Santo Padre João Paulo II, vocês vieram a Roma neste Ano Internacional da Juventude. Bem-vindos à Cidade Eterna! Nas palavras do profeta Isaías que acabamos de citar, somos lembrados de que a paz, um bem tão grande pelo qual suspiram milhões de pessoas em todos os cantos do mundo, é principalmente uma consequência da livre submissão do homem à Vontade divina, do cumprimento amoroso de suas leis, do esforço por percorrer os seus caminhos.

Como lemos no frontispício da Basílica de Santo Eugênio, opus iustitiae pax[2]: a paz é fruto da justiça, do respeito pela ordem estabelecida pelo Criador, que nos impele a dar a cada um o que lhe é devido, e a Deus o que é de Deus. Onde há amor pela justiça, onde há respeito pela dignidade da pessoa humana, onde não se busca o próprio capricho ou utilidade, mas o serviço a Deus e aos homens, há paz. Hoje se fala muito de paz. No entanto, talvez nunca antes como agora o nosso mundo tenha testemunhado o desencadeamento da guerra e da violência. Repetem-se quase textualmente as exclamações enganosas dos falsos profetas dos tempos antigos, que anunciavam: “Paz! Paz! quando paz verdadeira não existe”[3].

Quais são as causas desses desequilíbrios que incomodam o mundo? O Papa recordou em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz: “A violência e a injustiça têm profundas raízes no coração de cada indivíduo, de cada um de nós”[4]. Já advertiu Jesus, quando disse que “é do coração que saem as más intenções: homicídios, adultérios, imoralidade sexual, roubos, falsos testemunhos e calúnias”[5]: todos os transtornos que os homens são capazes de cometer contra Deus, contra os irmãos e contra eles mesmos, provocando no mais íntimo de suas consciências uma dilaceração, uma profunda amargura, uma falta de paz que necessariamente se reflete no tecido da vida social. Mas também é do coração humano, da sua imensa capacidade de amar, da sua generosidade para o sacrifício, de onde podem surgir – fecundados pela graça de Cristo – sentimentos de fraternidade e de obras de serviço à humanidade, que “como um rio de paz”[6] cooperem para a construção de um mundo mais justo, no qual a paz tenha um cartão de cidadania e impregne todas as estruturas da sociedade.

Se vocês quiserem – como querem – ser operadores de paz, “semeadores de paz e alegria em todos os caminhos da terra”, como dizia são Josemaria Escrivá, é preciso fazer uma grande reserva de paz em seus corações. Assim, da sua abundância, vocês poderão dar a outros homens, começando pelos que estão mais próximos de vocês: parentes, amigos, companheiros, conhecidos. Com palavras do Santo Padre, lembrarei que “o futuro da paz está em seus corações” [7]

Nesta grande tarefa de semear abundantemente a paz, vocês não podem se contentar com apenas bons desejos. “Este desejo – afirma o Papa em sua Mensagem – tem que ser por eles transformado numa firme convicção moral, que abarque a totalidade dos problemas humanos e assente sobre valores cuidadosamente preservados. O mundo precisa de jovens que tenham bebido com toda a seriedade nas fontes da verdade. Tendes de vos pôr á escuta da verdade, e para isso necessitais da pureza de coração; haveis de compreendê-la, e para isso precisais de uma profunda humildade; tendes de vos submeter a ela e de partilhá-la, e para isso tendes necessidade de força para resistir às tentações do orgulho, da autossuficiência e das manipulações. Deveis desenvolver em vós mesmos um profundo sentido de responsabilidade”[8].

Estas palavras do Romano Pontífice são um chamado a empreender com determinação, apoiados pela força divina, a grande tarefa de construir a paz. Esta tarefa começa quando cada um de nós luta contra as tendências desordenadas que se aninham no coração humano, que são o fruto amargo do pecado original e dos pecados pessoais. Porque ‘a paz é algo de muito relacionado com a guerra. A paz é consequência da vitória. A paz exige de mim uma contínua luta. Sem luta, não poderei ter paz’”[9].

Vocês terão recebido a Carta que o Santo Padre escreveu para vocês por ocasião do Ano Internacional da Juventude. Leiam com calma, meditem profundamente. Entre outras considerações, João Paulo II exorta-os a buscar força na Palavra de Cristo, na oração e na frequência dos sacramentos. Desta forma, ele acrescenta, vocês serão “fortes na luta; não uma luta contra o homem, em nome de qualquer ideologia ou prática distante das próprias raízes do Evangelho, mas fortes na luta contra o mal, contra o verdadeiro mal; contra tudo o que ofende a Deus, contra toda injustiça e toda exploração, contra toda falsidade e mentiras, contra tudo o que ofende e humilha, contra tudo o que profana a coexistência humana e as relações humanas, contra todos os crimes que ameaçam a vida : contra todo pecado”[10]

Esta batalha durará toda a nossa existência terrena. “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra?”[11], está escrito no livro de Jó. Não pensem, então, que, com o passar dos anos, a urgência da luta interior irá diminuir. Deus não quer para seus filhos a falsa tranquilidade dos acomodados, nem dos egoístas, nem dos covardes. A vida humana se desenvolve na grande arena do mundo e, como escreve um antigo Padre da Igreja, “vocês estão sob os olhos do público. E não só do gênero humano; também a multidão de anjos contempla suas lutas [...] e o Senhor dos anjos é quem preside a batalha” [12]. Jesus Cristo fica feliz com seu esforço pessoal, quando vocês procuram segui-lo, quando se esforçam por imitá-lo apesar da fraqueza do ser humano. “Nos Jogos Olímpicos – continua dizendo São João Crisóstomo-, o árbitro permanece entre os dois adversários, sem favorecer nem a um nem ao outro, esperando o resultado. Se o árbitro é colocado entre os dois combatentes, é porque sua atitude é neutra. Na batalha que nos confronta com o diabo, Cristo não fica indiferente: está inteiramente ao nosso lado”[13].

Diante das nossas quedas e pecados, a misericórdia divina vem ao nosso encontro, especialmente no sacramento da paz e da reconciliação, o sacramento da Penitência. Aproximem-se à confissão sempre que precisarem, para purificar-se de seus pecados e recuperar a graça de Deus, e, assim, ser capaz de receber a Sagrada Eucaristia, em que “está contido todo o bem espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa e Pão vivo por sua carne, que dá vida aos homens”[14]. Aproximem-se também ao Sacramento da Penitência, e frequentemente, mesmo que não tenham consciência de pecado grave porque, na Confissão, a sua alma será fortalecida para lutar as batalhas da alegria da paz, para a glória de Deus e a salvação das almas.

A juventude é a idade do inconformismo, das rebeldias, do anseio por tudo que é belo, bom e nobre. Por essa razão, é realmente jovem quem mantém esses impulsos vivos em seu espírito, embora o corpo esteja desgastado pela passagem do tempo; e, pelo contrário, é velho – embora tenha poucos anos de idade – quem se deixa subjugar pela rotina, pelo egoísmo, pela velhice do pecado. O Senhor espera a rebelião juvenil de vocês, que abençoo com minhas mãos sacerdotais, contra tudo o que tenta separá-los do cumprimento da lei de Cristo, que é um jugo suave e leve[15].

Rebelem-se contra aqueles que pretendem inculcar em vocês uma visão materialista da vida. Rebelem-se contra aqueles que tentam apagar, com mentiras que drogam o espírito, o seu desejo pela verdade e pelo bem. Rebelem-se contra os torpes mercadores do sexo e das drogas, que tentam ficar ricos às custas de vocês. Rebelem-se contra aqueles que querem aproveitar-se da sua juventude e sua carga ideal, para perpetuar sistemas opressivos da dignidade humana. Rebelem-se contra aqueles que tentam arrancar Deus das suas mentes e das suas vidas, de sua família, do seu local de estudo ou trabalho.

E o que significa essa rebelião para a qual eu os convido? Significa negar obediência a essa semeadura de males e injustiças. Significa não deixar de assumir uma posição clara, não permanecer em uma neutralidade ambígua diante de imposições que mortificam a dignidade do homem. Significa, e esta é a rebelião dos filhos de Deus, não ter medo de testemunhar a Cruz de Cristo diante de um mundo enraizado no egoísmo. Rebelem-se diante dos falsos profetas da paz, que clamam contra a guerra e, ao mesmo tempo, financiam a matança daqueles que estão prestes a nascer. Amem, amem a Deus e às pessoas, pois Amor é o novo nome da rebelião contra o mal. Amem a verdade que nos foi revelada em Cristo, que este é o modo cristão de se rebelar contra as trevas do erro.

O mundo precisa dessa sua rebelião: uma rebelião pela paz. A Igreja a espera. E o Papa deseja urgi-los a este sentido de responsabilidade e compromisso com os valores morais, quando – na Carta que lhes escreveu nestes dias – convida-os a colocar-se diante de Cristo para dialogar honestamente com Ele, sem medo de possíveis exigências que queira lhes colocar.

À pergunta daquele jovem que tinha profundas inquietações em seu coração – “que devo fazer de bom para ter a vida eterna ?”[16] – O Senhor respondeu: “observa os mandamentos” [17]. É a primeira resposta que Jesus dirige a todos sem exceção. Depois acrescentou: ”Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”[18]. Aquele rapaz não soube responder ao chamado de Deus: e saiu triste, porque “a tristeza é a escória do egoísmo”[19], a aliada do demônio. Que isso não aconteça com nenhum de vocês. Com palavras do Papa, eu digo a cada um que “se tal chamado chegar ao seu coração, não o silencie”. Deixe que se desenvolva até a maturidade de uma vocação. Colabore com esse chamado por meio da oração e da fidelidade aos mandamentos. “A colheita é grande!” (Mt 9,37) e há uma grande necessidade de muitos ouvirem o chamado de Cristo [...]. O ‘siga-me’ de Cristo pode ser ouvido por diferentes caminhos, através dos quais caminham os discípulos e testemunhas do divino Redentor”[20]

Correspondam às esperanças que o Romano Pontífice deposita com tanta confiança em vocês, os jovens. Mostrem com as suas vidas que sim, que vocês estão determinados a lutar bravamente em seu interior, para contribuir assim para a causa da paz. Que, naquilo que estiver ao seu alcance, vocês não querem erguer barreiras que os separem do Nosso Pai Deus ou dos nossos irmãos, homens. Esforcem-se por ser cristãos íntegros, homens e mulheres como Deus manda. Em outras palavras, esforcem-se por responder com vigor e entusiasmo ao chamado divino, que os convida a ser santos. É a mensagem, perenemente corrente, contida nas palavras do Fundador do Opus Dei, que muitos de vocês leram e meditaram.

“Um segredo. – Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos.Deus quer um punhado de homens ‘seus’ em cada atividade humana. – Depois... ‘pax Christi in regno Christi’ – a paz de Cristo no reino de Cristo”[21]. Acudamos à Santíssima Virgem, Regina pacis, Rainha da paz. Para que, com a sua intercessão maternal, obtenha para cada um de nós e para todo o mundo este dom divino, tão característico dos filhos de Deus.


[1]Is 2, 3-4; 11, 9.

[2] Cfr. Is 32, 17.

[3] Jer 6, 14.

[4] São João Paulo II, Mensagem para a Jornada Mundial da Paz, 8-XII-1984, n. 1.

[5] Mt 15, 19.

[6] Is 66,12

[7] São João Paulo II, Mensagem para a Jornada Mundial da Paz, 8-XII-1984, n. 3.

[8] São João Paulo II, Mensagem para a Jornada Mundial da Paz, 8-XII-1984, n. 10.

[9] São Josemaria Escrivá, Caminho, n. 308.

[10] São João Paulo II, Carta apostólica por ocasião do Ano Internacional da Juventude, 31-III-1985, n. 15.

[11] Jó 7, 1

[12]São João Crisóstomo, Catequese III, 8.

[13] São João Crisóstomo, Catequese III, 9.

[14] Concílio Vaticano II, decr. Presbyterorum Ordinis, n. 5.

[15] Cfr. Mt 11, 30.

[16] Mt 19, 16.

[17] Ibid. 17.

[18] Ibid. 21.

[19] São Josemaria Escrivá, Amigos de Dios, n. 92.

[20] São João Paulo II, Carta apostólica por ocasião do Ano Internacional da Juventude, 31-III-1985, n. 8-9..

[21] São Josemaria Escrivá, Caminho, n. 301.