Mulher e Universidade na Espanha (1910-1936)

Apresentamos um artigo de Mercedes Montero, Doutora em Ciências da Informação e em História, que explica o contexto do ponto 946 de Caminho e a situação da mulher na sociedade espanhola dos anos 30. O texto original foi publicado na revista “Studia et Documenta”, nº 6 (2012).

Fonte: rtve

Mulher e Universidade na Espanha (1910-1936). Contexto histórico do ponto 946 de Caminho

Sumário: O presente artigo tem dois objetivos. O primeiro é explicar a situação da educação universitária feminina na Espanha nos primeiros trinta anos do século XX. O segundo, investigar de onde procede a frase “a elas não faz falta que sejam sábias: basta que sejam discretas”, que não é original de São Josemaria. Ambas questões podem trazer informação interessante para situar em seu contexto histórico o ponto 946 de Caminho.

Palavras-Chave: Mulher – Educação – Universidade – Josemaria Escrivá – Caminho – Espanha – 1910-1936

O Opus Dei promoveu no mundo inteiro numerosas iniciativas centradas no desenvolvimento humano, cultural e social das mulheres. Foram levadas a cabo por desejo expresso de São Josemaria ou sob a inspiração de seus ensinamentos. Não é possível enumerar todas elas no contexto deste artigo. Mas a modo representativo, podemos citar desde Montefalco (México)[1], uma das mais antigas, outras nascidas no século XXI, como El Terral (2002, Barcelona, bairro de El Raval)[2] ou o projeto TOT Training of Trainers (2003, Quênia)[3]. Também as catorze residências femininas que, na atualidade, se estendem pela geografia espanhola, são um índice da realidade antes referida. Contudo, certos setores acadêmicos e de opinião pública levam anos obstinados em apresentar o Opus Dei e o seu fundador como um segmento imobilista dentro da Igreja e da sociedade, empenhado – segundo eles – em potenciar “um modelo conservador de mulher centrado na reprodução, preocupada em potenciar suas qualidades femininas, que sujeita sua vida profissional à doméstica e que se submete voluntariamente aos homens, reconhecendo que seu principal valor não reside no intelecto, mas sim na modéstia”[4]. Tal tipo de afirmações costumam sustentar-se apresentando como prova, o ponto 946 de Caminho.

As fontes utilizadas neste estudo foram cerca de oitenta obras, o que supõe uma parte significativa da literatura científica sobre o tema, publicada desde o final do século XIX até a atualidade[5]. Irão aparecendo citadas ao longo deste trabalho. Ainda que tenham sido consultadas obras estrangeiras com a finalidade de comparar, a presente investigação se centra exclusivamente na Espanha, por ser o país natal de São Josemaria. Caminho é um livro para todos os tempos, mas foi escrito num ambiente sócio cultural muito concreto, de certo modo bastante díspar do que existia em outras nações na mesma época. Este fato pode ser comprovado no tema que nos ocupa, a educação superior da mulher.

O ponto 946 de Caminho, que está situado no capítulo O apóstolo, diz textualmente:

Se quereis entregar-vos a Deus no mundo, mais do que sábios (quanto a elas, não é preciso serem sábias; basta que sejam discretas), tendes que ser espirituais, muito unidos ao Senhor pela oração: deveis trazer um manto invisível que cubra todos e cada um dos vossos sentidos e potências – orar, orar e orar; expiar, expiar e expiar[6].

Pedro Rodríguez, na edição crítico-histórica de Caminho, indica que este texto procede de outro muito similar, escrito por São Josemaria em 19 de agosto de 1931. Como explica este autor, a mensagem essencial do ponto é a afirmação da radical primazia da graça de Deus e a vida de união com Ele, que estão acima de qualquer ciência humana. No que diz respeito à frase concreta, objeto de nosso estudo, “Ellas no hace falta que sean sabias...”, afirma Rodriguez que se trata de uma “expressão sumamente ligada à realidade da mulher na época, em que as jovens tinham muito pouco acesso à Universidade”[7]. Vamos ocupar-nos, portanto, de descrever, com maior amplitude, como era a realidade dessas jovens que chegavam à educação superior. Para tanto, e embora o ponto de Caminho esteja redigido em 1931, torna-se necessário retroceder várias décadas no tempo e estudar com certa amplitude a história. É preciso começar exatamente em 1872.

A travessia do deserto (1872-1910)

María Dolores Maseras foi a primeira universitária espanhola. Matriculou-se em 1872 para estudar Medicina na Universidade de Barcelona. Depois dela e até 1881, mais nove jovens começaram seus estudos em diversas universidades da península. Parece que foi em 1878, quando Maseras solicitou o título às autoridades educativas de Madri, o momento em que advertiram a presença feminina na universidade. A partir daí começaram os problemas sérios: passou-se de negar-lhes o título pelo fato de serem mulheres a conceder-lhes, mas sem que isso as capacitasse para exercer nenhuma profissão. Finalmente chegou-se a proibir, de modo expresso, a matrícula de moças no ensino médio e universitário. As mulheres, contudo, perseveraram, introduzindo-se furtivamente pelas frestas que uma legislação improvisada e, por vezes, contraditória, deixava abertas. Efetivamente, em 1888 não houve mais remédio senão permitir às jovens o acesso a todos os níveis educativos, mas sempre na condição de ensino livre, não oficial (quer dizer, não podiam assistir às aulas, somente fazer as provas). E também mediante uma prévia petição expressa ao Ministério correspondente (o do Fomento), que podia conceder ou não a matrícula solicitada. A situação se prolongou até 1910, data em que a mulher espanhola finalmente pôde matricular-se livremente na universidade e no ensino oficial. Os que desenvolveram esta política educativa foram gabinetes liberais e ministros de ideias progressistas (as mais progressistas que existiam na Espanha na época), como José Luís de Albareda. Este foi o homem que devolveu a cátedra aos professores expulsos da Universidade de Madri em 1875 e que, pouco depois, fundaram a Instituição Livre de Ensino[8].

No transcurso desses quase quarenta anos de errática trajetória legal, entre proibições, cautelas, burocracias, papeladas e decisões administrativas arbitrárias, um total de setenta e sete mulheres conseguiram ter acesso à universidade na Espanha. Delas, cinquenta e três terminaram os estudos e alcançaram o título de licenciadas ou doutoras[9]. Ninguém as ajudou, salvo apenas seu ambiente familiar e as simpatias de algum catedrático compreensivo. Foi uma conquista solitária por ter acesso ao conhecimento que, em muitos casos, realizaram mulheres muito jovens, quase meninas. Não tiveram apenas que enfrentar os preconceitos do Ministério de Fomento, mas também uma compacta mentalidade dominante nos mais variados segmentos da sociedade espanhola, que somente via na mulher a esposa e a mãe, ocupações que – ao que parece – não requeriam saberes especiais. Os mais avançados, contudo, reconheciam, neste âmbito, certa necessidade de educação, que capacitasse à mulher para sua missão na vida, a de melhor companheira do varão e de melhor mãe. Em 1895, Adolfo Posada, um conhecido membro da Instituição Livre de Ensino, escrevia o seguinte:

A educação nacional e a cultura pátria, o lar doméstico, a posição social dos esposos, naquilo que a conduta das esposas depende, não perderiam nada se cada dia elevássemos mais a condição intelectual e moral da mulher, até o ponto de conseguir dela uma colaboração mais ativa em todas as nossas coisas, uma companheira mais íntima e mais à altura do que é seu amigo para toda a vida ou deve ser no mundo [...]. A influência da mulher culta, ilustrada, bem-educada e, portanto, não impertinente, mas discreta, se refletiria não apenas na elevação do nível da família, tornando esta [...] uma cooperadora indispensável na obra da educação, bem como teria uma grandíssima transcendência social”[10].

Em sentido muito semelhante, expressou-se também Concepción Arenal, que na sua obra La instrucción del pueblo, de 1875, tinha escrito: “Urge arrancar no homem o erro e a ignorância, isto é muito mais urgente na mulher, pela influência que exerce na educação da família, nos costumes e pelo que contribui para que a religião não degenere em práticas supersticiosas. Não é preciso que as mulheres sejam sábias, mas é indispensável que sejam racionais”[11].

Contudo, apesar dos anseios de harmonia educativa entre os sexos, presentes tanto em Concepción Arenal como em Alfonso Posada, a realidade da mulher espanhola resultava bastante penosa. Concepción Sáiz Otero, uma ilustre pedagoga da época, descrevia-a nos últimos trinta anos do século XIX, como um “ser passivo, destinado (fora da função da maternidade, sempre augusta) a converter-se em peso morto da sociedade”, posto que “nas classes médias e altas, a cultura geral feminina mal podia representar-se matematicamente por alguns décimos acima de zero (ler, escrever, recitar o Catecismo e... somar, não muito expeditamente), e as das classes baixas estava tão abaixo de zero, que quase não existia”[12] Carmen Baroja, de família da alta burguesia, irmã de um famoso romancista e de um pintor, escreveu com desalento, em seus apontamentos autobiográficos: “Minha vida [...] se iniciou como que em duas fases e assim continuou sempre. Uma, as amigas, a vida aborrecida de senhorita burguesa, com minha mãe, costurando e trabalhando em casa. Outra, com leituras, com o que eu ouvia de meus irmãos e no que eu pensava[...]. Quando jovem tinha a obsessão de minha inutilidade e de que o tempo passava sem que eu fizesse nada de proveito”[13].

Parece que na Espanha era preciso sentir verdadeira vocação pelos estudos para enfrentar toda uma série de obstáculos administrativos e uma compacta mentalidade social que não se preocupava com a endêmica situação da “deseducação feminina”.

Alguns exemplos de mentalidade antiuniversitária referentes à mulher (fim do século XIX e princípio do XX)

As primeiras tentativas de educação feminina num nível amplo, de ideias, não de mera instrução, vieram do reitor da Universidade Central, Fernando de Castro[14], em 1869. Contudo, recordemos que os motivos que o moveram foram fundamentalmente impedir que elas – com a mentalidade tradicional moldada pela Igreja que se lhes atribuía sem discussão – influenciassem os seus maridos. Motivações ideológicas, claramente, como vários autores puseram em evidência[15].

De maneira um tanto acrítica costuma culpar-se à Igreja do atraso educativo da mulher espanhola. Porém, há que afirmar que também os setores intelectuais agnósticos e afastados do credo católico, sentiam certo desassossego ante a ideia de uma mulher demasiado sábia. E mais, se esta pretendia levar à prática – de algum modo – os conhecimentos adquiridos.

Manuel Bartolomé Cossío, ilustre membro da Instituição Livre Ensino, sentia notável mal-estar ante o fato de que uma mulher pudesse acessar à docência superior. Segundo o seu parecer, as mulheres podiam substituir os homens – como professores – nas Escolas Normais de meninas, mas não se lhes devia permitir o ensino nos mesmos centros dedicados a varões, porque a sua relativa inferioridade impedia-lhes essa participação[16]. Quando Emília Pardo Bazán, uma grande escritora, foi nomeada catedrática da Universidade de Madri por Alfonso XIII (1916), em honra a seus méritos literários, os catedráticos (todos varões) expressaram unanimemente a sua discordância e os alunos (todos varões) fizeram-lhe boicote, nunca comparecendo às aulas. Nestas circunstâncias Cossío escreveu a Pardo Bazán:

Minha felicitação, pois, já que a senhora gosta – eu creio que, na senhora, é mau gosto – ir à Universidade.

Mas, querida Emília, deixe-me agora que, protegido por nossa velha amizade [...] lhe pergunte: Não sendo pelo bolo, que à senhora nem pode, nem deve interessar, não acredita que a sua glória, a verdadeira, a realmente sua, a que a senhora se criou, a que ninguém lhe pode dar nem tirar, a que o mundo sempre e em todas as partes lhe reconhecerá, seria glória muito mais glória sem Conselhos, nem Academias, nem Universidades?[17]

Outro grande liberal, José Ortega y Gasset, viu a mulher como um ser de cabeça confusa e como uma forma de humanismo inferior à varonil[18]. Igualmente, na primeira década do século XX, lamentou a educação “racionalista” que as mulheres americanas recebiam nos colleges[19]. Por outro lado, e segundo sua própria filha, Ortega sentia “certo desgosto” ante o ingresso das mulheres no mundo profissional[20]. E jamais uma delas esteve presente na tertúlia da Revista de Occidente. Nem sequer María Zambrano, por quem o filósofo sentia predileção intelectual.

De qualquer maneira, na Espanha do início do século XX, o problema não eram as mulheres que queriam ir à universidade ou as que depois queriam trabalhar. A verdadeira tragédia era o nível de analfabetismo: 71,4% da população feminina não sabia ler nem escrever[21]. Neste contexto, as moças que chegaram à universidade antes de 1910 eram, socialmente, invisíveis. E continuaram a sê-lo muitos anos depois, pois o seu número foi sempre relativamente escasso.

Os quadros que apresentamos a seguir ilustram o que afirmamos.

  • Porcentagem e números totais de mulheres na universidade espanhola (1919-1930)

Fonte: elaboração pessoal a partir de Rosa María Capel e María Luísa Barrera Peña, Ana López Peña[22]

  • Número de mulheres nas distintas carreiras universitárias (1920-1930)

Fonte: elaboração pessoal a partir de Raquel Vásquez Ramil, Rosa María Capel y Ramón Ezquerra[23]

As universitárias no centro da tormenta pela regeneração da Espanha (1910-1931)

Quando se permitiu o livre acesso das mulheres espanholas à universidade, estas ficaram efetivamente situadas no centro da grande polêmica que dividia o país. Espanha passava por quase dois séculos de decadência e prostração, e existia o convencimento de que somente a educação podia regenerar a nação e dar-lhe esperanças para o futuro. Nisto desenvolveu um papel essencial a Instituição Livre de Ensino, fundada em 1976 por Francisco Giner de los Ríos.

A Instituição teve para muitos espanhóis um problema fundamental: a sua neutralidade religiosa, quando não seu anti-catolicismo expresso. Era uma convicção real, da parte de muitos institucionistas, que o atraso da Espanha se devia à influência cultural da Igreja Católica. Nascida como colégio de ensino médio, a Instituição ampliou notavelmente o seu raio de ação com a chegada do século XX, quando conseguiu influir de maneira importante no desenho da educação nacional em todos os níveis. No universitário, foi essencial a criação da Junta para Ampliação de Estudos (1907), cuja missão era conceder bolsas a estudantes e jovens pesquisadores para estadias em universidades europeias e norte-americanas. Depois a Residência de Estudantes (1910) e a Residência de Senhoritas (1915), fundadas com o objetivo de criar ambientes de convivência que fossem um estímulo intelectual. Por último, a ereção de centros de pesquisa em humanidades e em ciências, como foram o Centro de Estudos Históricos e o Instituto Nacional de Física e Química. Os homens da Instituição ocuparam-se também do ensino primário, com a criação da Escola de Estudos Superiores do Magistério (1909) e a organização da Direção Geral do Ensino Primário, para planejar a educação dos pequenos (1911). A atividade mais importante para o secundário foi o pôr em funcionamento o Instituto-Escola (1918). Todos esses centros e iniciativas tiveram enorme prestígio[24].

No âmbito católico, a iniciativa educativa mais importante (sobretudo para a mulher universitária) foi a Instituição Teresiana (1911), fundação de São Pedro Poveda. Este assumiu o ponto de partida que os tempos impunham: a estatização do ensino. Se, o Estado favorecia iniciativas laicistas ou religiosamente neutras, era nessas estruturas que os católicos deviam intervir para difundir uma educação com sentido cristão. Poveda encarou a Instituição Livre de Ensino, estudou-a, entrou em contato com alguns dos seus homens mais significativos. Soube apreciar o renovador da sua proposta, mas nunca considerou o cristianismo incompatível com a pedagogia institucionista exceto nalguns pontos[25]. Também não considerou que mundo moderno e Igreja Católica tivessem de enfrentar-se. Em suas reflexões e escritos propôs uma compensação à Instituição Livre de Ensino, o que ele chamou Instituição Católica de Ensino (1911). Embora a ideia não tenha prosperado, foi a semente do que em seguida se converteu na Instituição Teresiana, formada exclusivamente por mulheres[26].

Portanto, quando a mulher chegou à Universidade, a situação do país deixava em evidência o enfrentamento real entre o que se costuma chamar as duas Espanhas. Por um lado, a liberal, herdeira do krausismo[27] e da Revolução de 1868, aberta à influência vital e pedagógica de novas ideologias. Na vanguarda desta corrente situavam-se os homens da Instituição Livre de Ensino. Por outro lado, estava a Espanha confessionalmente católica, com iniciativas pedagógicas que não careciam de interesse (no terreno da educação de crianças, podemos recordar Andrés Manjón[28]), e onde é preciso situar, como linha de frente, a nova fundação da Instituição Teresiana.

As moças que entravam na universidade não ficariam à margem desta confrontação cultural, política e ideológica: pelo contrário, foram situadas pelas circunstâncias no olho do furacão.

E é que tanto uns quanto outros se mostraram igualmente interessados em potenciar o novo fenômeno que muito pouco a pouco ia se tornando patente na sociedade: a incorporação da mulher na vida universitária. Mas talvez não se possa afirmar que este interesse fosse motivado pela importância do fato em si. Muito pelo contrário, Espanha foi um dos últimos países do âmbito ocidental que admitiu as mulheres na educação superior, inclusive mais tarde que o Império czarista ou que o Império alemão[29]. Além disso, já vimos que o aumento de matrículas foi muito lento. Ambas correntes – católica e laicista – quiseram elevar a mulher porque estavam convencidos da nobreza do fim em si mesmo. Porém, sem que isto lhes impedisse, ao mesmo tempo, de dar-se conta da oportunidade que supunha, para os seus próprios planos, que também eram grandes e nobres: era preciso potenciar a educação superior da mulher para que isso ajudasse – ou pelo menos não atrapalhasse – a regeneração da sociedade espanhola. É verdade que cada um pretendia uma regeneração em sentido diferente, pelo menos teoricamente, mas nem por isso deixavam de ser esforços generosos que ocuparam a mente e o coração de pessoas valiosas, embora se tenha de lamentar sectarismos, tanto no âmbito católico em geral, quanto no liberal-progressista.

As duas orientações souberam perceber o patrimônio feminino. Os homens da Instituição – e nisto Giner de los Ríos liderava, pensavam que, em boa medida, o varão estava demasiado envenenado pelos velhos ressentimentos de educação tradicional. Isso lhe impedia de ser um elemento valioso na tarefa de tirar a Espanha de sua apatia de séculos. Via aí, de maneira nítida, o papel da mulher. Ela era terreno virgem, terra idônea para o feliz enraizamento das novas ideias, posto que não havia nada prévio que se tivesse de arrancar.

Quanto a Pedro Poveda, a sua ideia era totalmente nova no âmbito do catolicismo social: preparar mestres leigos para ocupar postos oficiais nas estruturas estatais, organizá-los para que se ajudassem, seguir formando-os nos novos métodos pedagógicos, dar-lhes uma profunda preparação profissional e cristã para que fossem capazes de renovar a Espanha. Uma ideia tão nova requeria igualmente uma terra nova, um terreno virgem também. E aí estavam as mulheres, com as suas lutas pessoais e tantas vezes solitárias, para avançar no conhecimento. Poveda trabalhou primeiro com professoras de ensino fundamental, mas o seu objetivo era a educação superior.

A permanência de uma mentalidade

Ambas as orientações, contudo, encontraram dificuldades na hora de formar a nova mulher que aspirava à educação superior. No âmbito católico, a pretensão de Poveda de “educar senhoritas” era algo que não deixava de se ver como excêntrico e, talvez, como um sério perigo. Era opinião estendida que a ciência destruía a piedade feminina e afastava as jovens de Deus. Por parte dos organismos emanados da Instituição Livre de Ensino, as iniciativas para ajudar às universitárias – como a Residência de Senhoritas – contaram sempre com recursos materiais inferiores às dos varões e, em boa medida, ocuparam, de costume, um lugar secundário no organograma geral. As grandes mulheres que estiveram em contato com a Instituição foram igualmente vítimas da mentalidade social. Uma pesquisadora tão promissora no âmbito científico, como Dorotea Barnés, deixou seu curriculum encalhado depois do casamento, sem que aquilo parecesse diferente do normal. As universitárias notáveis dos anos vinte e trinta, Victoria Kent, Clara Campoamor, María de Maeztu foram solteiras. Ou casadas sem filhos, como María Zambrano. Ou talvez com esposo e família, como María Goyri, mulher de Ramón Menéndez Pidal. Mas este último caso produz ainda mais confusão. Sendo Goyru professora do Instituto-Escola, pesquisou durante toda sua vida conjuntamente com seu esposo, mas não assinaram ambos, salvo em contadas ocasiões. Somente ele o fez. Este exemplo manifesta em si mesmo, rotundamente, a densidade dessa mentalidade tradicional. E não resulta estranho que algumas autoras, como Shirley Mangini, julgando o fato do ponto de vista da atualidade, não possam explicar tal comportamento. Ribagorda põe um bom exemplo da diferente mentalidade no que diz respeito à formação de homens e de mulheres, que existia na Instituição Livre de Ensino:

“Diferentemente da Residência de Estudantes, onde se apresentaram personalidades internacionais do talhe de Einstein, Tagore, H.G. Wells, Bergson ou Keynes, na Residência de Senhoritas as conferências estiveram quase sempre a cargo de intelectuais espanhóis [...]. Muitas das conferências pronunciadas ali eram sobre cultura geral, mas muitas outras eram sobre temas literários ou eram recitais poéticos, o número de conferências de caráter científico, antropológico, filosófico, político, etc. foi bastante escasso, especialmente nos primeiros anos. Este predomínio de atos literários encaixava perfeitamente com a mentalidade da época, que considerava a música e a literatura como partes importantes da formação de uma senhorita, enquanto outro tipo de conhecimentos, como os mencionados, não parecia muito importante para sua formação. Existia por isso uma notável diferença entre o programa cultural de ambas as Residências e oportunidades mais limitadas para as mulheres”[30].

Madame Curie, uma das cientistas mais notáveis do momento, hospedou-se na Residência de Senhoritas em 1931 na sua visita à Espanha, mas divulgou o seu saber na Residência de Estudantes, não na feminina[31]

Existem mais elementos que configuram a mentalidade à que vamos nos referindo. Podemos dizer, por exemplo que talvez também houvesse um caso coletivo de medo do homem à penetração social da mulher. Três artigos de 1925, publicados por Renovación Española, deixam entrever essa inquietação incipiente: temia-se que a Facultad de Filosofía y Letras, orientadora da vida cultural, caísse, em poucos anos, nas mãos de mulheres. E se temia talvez porque – segundo alguns – as universitárias eram voluntariosas e aplicadas, mas, em geral, careciam de grandes inteligências, mais próprias do homem. A mulher se dedicava à memorização e ao ameno, evitando o que supunha maior dificuldade especulativa, talvez porque não era muito capaz de gerar pensamento autônomo. E, sem capacidade especulativa, como guiaria toda a vida cultural de uma nação? Além disso – era outro argumento – a incorporação da mulher à vida profissional tirava postos de trabalho ao varão. O autor desses artigos, curiosamente, não era contrário à educação universitária da mulher. Somente estava manifestando ideias pacificamente compartilhadas por boa parte da sociedade[32].

Essa desconfiança natural em relação à mulher tinha mudado pouco quanto chegou a Segunda República (1931-1936). Mais. Pode se dizer que – em certo sentido – o azedo debate sobre o direito feminino ao voto manifestou o desassossego e a inquietação que produzia a possível influência concreta e real do chamado sexo frágil na vida pública nacional. Havia um forte convencimento de que a falta de educação da mulher e, portanto, a sua mentalidade conservadora poria em perigo a vida do novo regime. A esquerda o temia e a direita se congratulava com isso. Por prudência política, muitos homens de esquerda pensavam que era preciso negar-lhes o voto naquele momento, embora no campo dos princípios fosse uma postura insustentável. Clara Campoamor defendeu o sufrágio feminino nas Cortes e o conseguiu. Consequentemente, a vitória da direita, nas seguintes eleições, a converteu no bode expiatório de toda a esquerda, que não a perdoou jamais. E, embora pouco mais tarde a Frente Popular tenha chegado ao poder, Campoamor já estava morta para a vida política. As outras duas deputadas daquele parlamento de 1931, Victoria Kent e Margarita Nelken, foram contrárias ao voto da mulher.

Em 1930, 42,34% da população espanhola era analfabeta. Entre os varões, o índice era de 36,92%. Entre as mulheres, a cifra subia a 47,5%, embora oscilasse de umas regiões para outras: desde o esmagador 66% de Múrcia até o 26,7% do País Vasco[33]. Aquilo sim que tinha autêntica relevância social e não a evolução da matrícula feminina na universidade, que seguiu sua a linha habitual (ascendente, mas lenta) durante os anos da República, como se recolhe no seguinte quadro:

Fonte: Maria Luísa Basrrera Peña, Ana López Peña (Cfr. BARRERA PEÑA – LÓPEZ PEÑA, Sociología, pp.108-109.)

A mulher universitária espanhola era um fenômeno residual. Iam à frente praticamente todos os países do âmbito ocidental, mesmo que, na maioria deles, a presença feminina na educação superior também fosse muito minoritária. Na França, a porcentagem era de 25,8%; na Itália, a média dos anos vinte foi de 14%; na Alemanha, eram 16% em 1931; na Grã-Bretanha, 27% na mesma data. Nos Estados Unidos, em 1920, dez anos antes, 43% dos estudantes universitários eram mulheres. O atraso espanhol parece bastante notável, o que leva a concluir, de maneira lógica que, na Espanha, o movimento universitário feminino carecia quase por completo de visibilidade. As cifras verdadeiramente notórias eram as de analfabetismo e este era o problema substancial sobre a educação da mulher. Durante os anos 30, o número de moças no ensino secundário aumentou de forma considerável, pois quase se multiplicou por três (passou de 17,1% em 1931 a 46,2% em 1936). O regime republicano se centrou nesses níveis educativos no que diz respeito à educação feminina. A sua prioridade não foram as universitárias.

Como se pôde observar, a Espanha tinha muitos problemas sobre a educação da mulher em 1931, quando se escreveu aquele ponto de Caminho. Além disso, eram questões que vinham de muito longe. Tanto, que há dados suficientes para duvidar que seja original de São Josemaria a sentença que nos ocupa: “quanto a elas, não é preciso que sejam sábias; basta que sejam discretas”.

Severo Catalina del Amo, o verdadeiro autor?

A primeira notícia sobre esta frase remonta ao ano de 1858, quando veio à luz um livrinho intitulado A Mulher nas diversas relações da família e da sociedade: Apontamentos para um livro. Em 1861, a partir da segunda edição, chamou-se A Mulher: Apontamentos para um livro, ou simplesmente, A Mulher[34]. A última edição com data de 1968 é da Espasa-Calpe, que a publicava já por terceira vez na coleção Austral. Antes, em 1950, tinha chegado à edição número 19, na Librería y Casa Editora Hernando. Conhece-se também em 1947 uma sexta edição em Buenos Aires (Argentina), a cargo de Sopena. E existem mais: uma de 1904, saída em Madri da Imprenta de la Viuda e Hijos de M. Tello; outra anterior, de 1888, da Imprenta y Fundición M.Tello; e, por último, as duas já citadas de 1861 e 1858, das imprensas de A. Vicente e Luís García. Alguns autores afirmam que esta pequena obra teve uma enorme influência na educação das mulheres durante a segunda metade do século XIX[35].

No capítulo XXIII deste livro, dedicado a El Estudio, podemos ler o seguinte: “Dadas as condições da atual sociedade, não é preciso que a mulher seja sábia, basta com que seja discreta”[36].

O autor, Severo Catalina del Amo (1832-1871), obteve o doutorado em Leis e em Filosofia e Letras, dedicando-se às línguas orientais, âmbito em que foi uma autoridade e ainda hoje é citado. Recebeu a nomeação de acadêmico da Real Academia Espanhola em 1861. Dedicou-se ativamente à política, sendo deputado, diretor geral de Instrução Pública e inclusive ministro da Marinha e ministro de Fomento no mesmo ano, 1868. Sempre se considerou um leal servidor da Rainha Isabel II. Seus contemporâneos viram-no também como um grande apologista católico. A Mulher foi a sua obra mais popular, fruto das suas colaborações na imprensa. Aos vinte e quatro anos Severo Catalina fez esta recopilação de artigos jornalísticos e, ao que parece, em sentido estrito, foi sua única obra profana. Segundo alguns tratava-se de um verdadeiro manual de educação cristã, que buscava a perfeição da mulher em todos os estados e que, contudo, era pouco lido pelas próprias mulheres[37]. Isso não parece estranho tendo em conta que o nível de analfabetismo feminino na Espanha, em 1860, era de 90,05%[38].

A semelhança entre a frase de Caminho e a deLa Mujer é tão evidente que não é possível passar por cima, como se tratasse de uma mera coincidência. Para um historiador, esta seria, pelo menos, sua última opção. O livro foi tão popular que é muito provável que São Josemaria tivesse tido acesso a ele em sua própria família ou, inclusive, no seminário. Por outro lado, sabemos que o conceito mulher discreta esteve difundido com sentido positivo nos ambientes pedagógicos espanhóis do século XIX, como demonstram as citações anteriores de Concepción Arenal e Alfonso Posada. Costumava contrapor-se ao de mulher sabia outagarela que se entendia de modo negativo como sabichona oumariasabetudo. Neste sentido, Escrivá não teria feito mais do que tomar emprestada uma expressão em uso no campo educativo espanhol. Mas somente isso; já que é claro que o fundador do Opus Dei não compartilha, de modo nenhum, com Severo Catalina a visão da mulher, como o manifesta a comparação entre os textos desse autor e os de São Josemaria. Comecemos pelos de Severo Catalina. Todo o capítulo que nos interessa destila ironia e equívocos com relação à capacidade intelectual da mulher. Começa assim:

Por que as mulheres não falam de apresentar-se a universidades e receber graus e exercer profissões científicas e industriais?

Ignoramos se algum escritor dirigiu ao mundo esta pergunta: o que sabemos de certeza é que uma escritora a dirigiu.

O mundo, como é natural, não respondeu[39].

O tom deste primeiro parágrafo é o geral do capítulo. Além disso, embora talvez o autor pretendesse ser amável e galante com as senhoras, a sua abordagem de fundo é considerar ridícula a pretensão feminina de chegar à Universidade. Os argumentos que, a seguir, vai apresentando, seguem um curso similar: primeiro lisonjeia as damas interessadas no estudo e, imediatamente depois, assesta um duro golpe contra o saber feminino. Umas vezes, disfarça-o de determinismo histórico:

A mulher está dotada de razão; tem memória para conservar; entendimento para conhecer; vontade para decidir-se, e muito coração, para sentir; pode estudar; pode saber: que estude e que saiba; abram-se universidades para as mulheres; confiram-se lhes graus; que exerçam profissões científicas e industriais.

Não te rias, leitor! O assunto é sério. Não te assustes, leitora: trata-se de uma utopia.

Leitora, o que julgas preferível para o teu sexo: discutir com as mulheres uma questão de filosofia ou de matemáticas, ou esquecer-se, ao falar com as mulheres, de que existe a filosofia e de que há na terra matemáticas?

Leitora, o que te parece mais lisonjeiro para o teu sexo: expor-te quase sempre, depois de saber muito latim e muitos livros, a ser vencida por um sábio qualquer, ou ter a segurança, sem latim e sem livros, de subjugar a sábios de mais nome?

O mundo conta muitos séculos de antiguidade; e, na série destes séculos, as mulheres sábias vêm figurando como exceção à regra[40].

Outras vezes o autor lamenta a perda de beleza que, seguramente, comportaria o estudo e – o pior – que daria lugar a matrimônios desiguais:

O segredo das mulheres não foi nem deve ser nunca o saber muito, mas conhecer muito; e o muito conhecimento não se adquire somente nos livros dos filósofos.

Esses livros criam, de ordinário, caráteres tétricos e meditabundos: constituem os que os amam em seres que se isolam de seus semelhantes, que perdem o mundo da matéria de vista por passearem à vontade nos espaços da abstração metafísica.

É preciso que as mulheres saibam que o clima desses espaços é pouco saudável: a vivacidade do rosto e a suavidade da fronte nele perigam; fala-se pouco e medita-se muito; a inteligência funciona e o coração descansa.

As que pedis sabedoria para vosso sexo, reparai no que pedis; imaginai um casamento no qual o marido resolve problemas de matemáticas e a mulher estuda as categorias de Aristóteles, ou melhor ainda, imaginai os filhos desse casamento.

Deixai que o homem, organizado física e intelectualmente para o trabalho, cumpra na terra a sua missão: vossas mãos são muito delicadas, a vivacidade de vosso rosto e a suavidade de vossa fronte perigam no frio clima da abstração metafísica[41].

Nesse contexto cultural é onde se insere a frase objeto do nosso estudo, que resume as ideias do autor e manifesta o ambiente da época sobre a condição feminina: “Dadas as condições da sociedade atual, não é preciso que a mulher seja sábia: basta com que seja discreta; não é preciso que brilhe como filósofa, basta-lhe brilhar por sua humildade como filha, por seu pudor como solteira, por sua ternura como esposa, por sua abnegação como mãe, por sua delicadeza e religiosidade como mulher”.

As teses e argumentações de Severo Catalina negam a capacidade intelectual da mulher e seu possível protagonismo na configuração do espaço público. A sua análise sociológica e pedagógica é enormemente pejorativa. O Dicionário da Real Academia da Língua Espanhola dá três acepções à palavradiscrição: 1. Sensatez para formar juízo e tato para falar ou agir; 2. Dom de expressar-se com agudeza, engenho e oportunidade; 3. Reserva, prudência, circunspecção. Trata-se de uma ampla e positiva gama de significados, que em Severo Catalina ficam restritos a segmentos muito limitados na vida da mulher e – consequentemente – adquirem um sentido negativo e antipático.

Sobre o conceito “discrição” nos escritos do fundador do Opus Dei

São Josemaria nunca abordou a questão sob essas dimensões. O seu ponto de vista era exclusivamente espiritual. E seu modo de ver as coisas foi radicalmente distinto. Em várias ocasiões empregou o adjetivo “discreto”, e sempre em contextos positivos. Sem querer ser exaustivos, o ponto 968 de Sulco, do mesmo modo que o 329 e o 993 de Forja, apresentam a discrição como a virtude dos que sabem governar ou comportar-se como pessoas sábias e inteligentes[42]. Também utiliza este termo para ilustrar o modo de viver a intimidade com Deus[43]. Por outro lado, indica Pedro Rodriguez que, em 1932, o fundador do Opus Dei havia colocado, em sua própria vida, uma questão decisiva em torno da discrição. Devia decidir a sua atuação pessoal e dois caminhos se lhe apresentavam: estudar, ganhar uma cátedra e ser sábio, ou sacrificar a sua ambição e mesmo o nobre desejo de saber, conformando-se com ser discreto – não ignorante – para dedicar-se sem obstáculos à sua vocação de fundar o Opus Dei[44].

Ele se sabia chamado por Deus para promover a santidade e o apostolado no meio do mundo, entre todas as pessoas e em todas as condições sociais. Portanto, dirigia-se igualmente a mulheres e homens, pedia as mesmas virtudes a umas e outros, o mesmo heroísmo para chegar à santidade. Não faltam exemplos. No ponto 939 de Caminho escreveu: “Sede homens e mulheres do mundo, mas não sejais homens ou mulheres mundanos”. E no 379, podemos ler: “Naturalidade. – Que vossa vida de cavalheiros cristãos, de mulheres cristãs – vosso sal e vossa luz – flua espontaneamente, sem esquisitices, nem tolices: levai sempre convosco nosso espírito de simplicidade”. E no 937: “Nunca sejais homens ou mulheres de ação longa e oração curta”[45]. Por último, referindo-se precisamente à discrição, anotava no 652: “Discrição, virtude de poucos. Quem caluniou a mulher dizendo que a discrição não é virtude de mulheres? Quantos homens, bem barbados, têm que aprender!”.

Aparte isso, os dados da experiência falam por si mesmos de qual foi o nível cultural das primeiras jovens que seguiram o fundador do Opus Dei. Em 1931, quando se escreveu o que mais tarde se converteria no ponto 946 de Caminho, ainda não havia mulheres no Opus Dei. Estas começaram a chegar a partir de 1932. Se recordarmos os seus estudos e ocupações, não encontraremos entre elas títulos universitários, mas sim um trabalho profissional ou uma educação humana, intelectual ou artística de nível médio e em algum caso alto, tendo em conta o panorama geral.

A primeira mulher do Opus Dei, Carmen Cuervo, ingressou por concurso no Corpo de Inspetores do Trabalho, pertencente ao Ministério do Trabalho, Sanidade e Previsão. Em seu curriculum aparecem também – embora sem especificar as datas – as carreiras de Filosofia e Letras, Direito quase completa e Magistério. María Ignacia García Escobar procedia de uma família na qual o pai era médico e tanto ela como suas irmãs tinham cursado Magistério. Hermógenes García Ruiz nasceu no seio de uma família camponesa, mas nos anos trinta trabalhava como datilógrafa numa empresa alemã. Talvez também tenha estudado Magistério e, além disso, vivia sozinha em Madri, o que dá a impressão de uma pessoa independente. Modesta Cabeza estudou piano no conservatório e pôde ter ganhado a vida comodamente como professora de música. Natividad González primeiro quis estudar Medicina e, depois, na Escola de parteiras, embora sua mãe lhe tenha tirado essa ideia da cabeça[46]. Houve mais algumas das quais se conhecem poucos dados, mas é provável que tenham seguido um padrão similar.

Depois da Guerra Civil (1936-1939), pediram a admissão no Opus Dei moças universitárias e outras que trabalhavam ou realizavam diferentes estudos. Além disso, um número importante delas eram irmãs de membros varões da Obra, o que indica uma procedência social e cultural na qual a educação constituía um valor, ainda que não fosse regulamentada[47].

Conclusão

A expressão “elas não faz falta que sejam sábias, basta que sejam discretas” não é original do fundador do Opus Dei. Segundo os dados que temos, aparece por primeira vez no livro de Severo Catalina del Amo, La Mujer, em 1859. Essa obra refletia, em certa medida, o ambiente cultural francês relativamente à educação da mulher e a oposição que ali se fazia entre mulher sábia e mulher discreta ou racional. É provável que a frase tivesse tido êxito e seu uso se tenha estendido nos ambientes pedagógicos espanhóis preocupados pela educação feminina. De fato, personagens como Concepción Arenal ou o membro da Instituição Livre de Ensino, Adolfo Posada, utilizaram expressões muito similares à do ponto 946 de Caminho (e, portanto, à frase de Severo Catalina). De qualquer maneira, uma comparação entre os escritos de Severo Catalina e do fundador do Opus Dei evidenciam o sentido tão diferente em que ambos empregaram a frase. O primeiro, de maneira pejorativa para a mulher, reduzindo-a ao espaço privado e considerando-a inferior ao homem. O segundo, num contexto espiritual de conteúdo sempre positivo e aplicada por igual a varões e mulheres.

Nos finais do século XIX e até bem entrado o XX, ninguém em seu são juízo teria exigido na Espanha que uma mulher tivesse carreira universitária. Ao não exigir “mulheres sábias” para o Opus Dei o único que São Josemaria fazia era atuar como uma pessoa normal, que “não exigia às mulheres que pudessem vir à Obra um esforço desumano para conseguirem ser ‘sábias’ naquelas circunstâncias”[48]. Além do mais, houve notáveis personalidades femininas na vida social dos anos vinte e trinta que não realizaram estudos superiores. Podem-se citar muitos exemplos. Carmen de Burgos foi uma conhecida jornalista. Margarita Nelken ocupou um lugar no parlamento, Federica Montseny foi ministra de Sanidade durante a Segunda República. Houve boas escritoras e poetas que nunca foram à universidade: Concha Espina, María Lejárrerga de Martinez Sierra, Emilia Pardo Bazán, Concha Méndez ou Ernestina de Champourcin. Também não pisaram nas salas de aulas superiores pintoras como María Mallo, pedagogas como Concepción Sainz Otero, ou mulheres tão cultas como Zenobia Camprubí, a esposa de Juan Ramón Jiménez. Todas elas realizaram contribuições de relevo no seu ambiente, apesar de não terem cursado estudos universitários. Precisamente uma delas, Ernestina de Champourcin, chegou a ser, com o tempo, membro do Opus Dei.

Não podemos esquecer que, até o ano acadêmico 1977-78 não se chegaria, na Espanha, aos níveis de mulheres universitárias que os Estados Unidos já tinham em 1920: 43%. Somente a partir dos anos 70 se acelerou, de verdade, o movimento de acesso feminino à universidade. E, consequentemente, começaram a desenvolver-se também todos os fenômenos associados: a incorporação da mulher ao mundo profissional, o desenvolvimento de carreiras profissionais femininas, os problemas de compatibilizar trabalho e família e a legislação pertinente para que, homem e mulher pudessem torná-lo possível.

Mercedes Montero, Doutora em Ciências da Informação e em História. Atualmente é professora de História da Comunicação e de História Intelectual e das Ideologias, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra. É autora de numerosos trabalhos históricos (monografias, artigos científicos e obras conjuntas) sobre a influência dos meios na configuração das sociedades contemporâneas.

e-mail: mmontero@unav.es


[1] Em Montefalco, vale de Amilpas, estado de Morelos (México) fundou-se em 1959 uma escola para as camponesas do lugar, cuja educação raramente tinha preocupado alguém. Passados cinquenta anos, passaram mais de quatro mil mulheres pela Escola Montefalco, que não só aprenderam as noções essenciais da escola elementar, mas que a partir de 1969, puderam cursar o ensino secundário. Desde então não são poucas as que chegaram à Universidade. Uma referência importante neste sentido pode ver-se em Lucina MORENO-VALLE – Mónica MEZA, Montefalco, 1950: una iniciativa pioneira para la promoción de la mujer en el ámbito rural mexicano, SetD2 (2008), pp.205-229.

[2] Trata-se de uma obra de apostolado corporativo do Opus Dei, situada nesse bairro de Barcelona, densamente povoado e com uma alta porcentagem de imigrantes, moradias insalubres e desemprego. É promovida pela ONG Iniciatives de Solidaridat i Promoció, que nasceu no centenário de São Josemaría (2002) com o objetivo de melhorar a coesão social de El Raval. El Terral pretende facilitar a incorporação social, cultural e laboral da mulher imigrante na sociedade de acolhida. Está aberto a todas as raças e religiões. O contexto, em muitas ocasiões, contempla a existência de lares cujo varão está ausente e a mulher é a cabeça da família. Cfr. “Nossa ONG defende que haja um voluntário para cada usuário”, El Norte de Castilla, 21 de octubre de 2009, p.4.

[3]É um projeto para mulheres interessadas em converter-se em proprietárias de microempresas, num contexto social em que o varão costuma abandonar o lar. Até o momento beneficiaram-se deste programa 1.297 mulheres entre os vinte e cinco e os cinquenta anos. Cfr. link,visitado em 10 de julho de 2011.

[4] María del Carmen AGULLÓ DÍAZ, Azul y rosa. Franquismo y educación feminina, em Alejandro MAYORDOMO (coord.). Estudios sobre la política educativa durante el franquismo. Valencia, Universidade de Valencia, 19909, p.290.

[5] Resulta impossível, por falta de espaço, citar todas neste artigo. Para consultá-las, cfr. Mercedes MONTERO, La conquista del espacio público. Mujeres españolas en la Universidad (1910-1936), Madri, Minerva, 2009.

[6] A tradução de Caminho para o português, feita no Brasil, diz o seguinte: ...basta que sejam sensatas. Josemaria Escrivá. Caminho, 7ª ed., tradução de Alípio Maia de Castro, Quadrante, São Paulo, 1989 (Nota da tradutora).

[7] Cfr. Josemaría ESCRIVÁ DE BALAGUER, Camino, edición crítico-histórica, preparada por Pedro RODRÍGUEZ, Madri, Instituto Histórico Josemaría Escrivá – Rialp, 2002, pp.974 (doravante, RODRÍGUEZ [ed.], Camino, ed.crit.).

[8] Mais adiante explica-se brevemente o que é a Instituição Livre de Ensino e seu significado na história contemporânea da Espanha.

[9] Cfr. Consuelo FLECHA GARCÍA, Las primeras universitarias en España, 1872-1910, Madri, Narcea, 1996, pp.95-157; María Nieves GONZÁLES GARCÍA (ed.), Universidad y poder: problemas históricos, Sevilla, Gihaus, 1993, pp.259-260.

[10] Adolfo POSADA, prólogo, em Concepción SÁIZ OTERO – Urbano GONZÁLEZ SERRANO, Cartas ¿Pedagógicas?: (ensayos de psicología pedagógica), Madri, Tipog. Suc. Rivadeneyra, 1895, p.13.

[11] Cfr. Manuela SANTALLA LÓPEZ, Concepción Arenal y el feminismo católico español, A Coruña, Edicios do Castro, 1955, p.73. Concepción Arenal (1812-1893) assistiu como ouvinte às aulas da Faculdade de Direito da Universidade Central de Madri, entre 1842 e 1845. Vestiu-se, ostensivamente, com traje masculino, o que causou um enorme escândalo. Contraiu matrimônio, teve três filhos e enviuvou sendo ainda jovem. Exerceu o jornalismo, trabalhou nas Conferências de São Vicente de Paulo, foi nomeada visitadora das prisões de La Coruña e ocupou o posto de secretária nacional da Cruz Vermelha. Escreveu numerosas obras sobre a pobreza no país, a delinquência, a situação das prisões e a educação das mulheres. Relacionou-se com os krausistas e com a Instituição Livre de Ensino. É considerada a iniciadora do feminismo social católico na Espanha.

[12] Concepción SAÍZ OTERO, La Revolución del 68 y la cultura femenina (Apuntes al natural), Madri, Librería General de Victoriano Suárez, 1928, p.106. Concepción Sáiz Otero era professora e ocupou o cargo de diretora de estudos da prestigiosa Escuela Superior del Magisterio nos anos dez do século XX. Era uma mulher católica, que frequentou os círculos pedagógicos da Instituição Livre de Ensino.

[13] Carmen BAROJA NESSI, Recuerdos de uma mujer de la generación del 98, Prólogo, edición y notas de Amparo HURTADO, Barcelona, Tusquets, 1998, p.57.

[14] Fernando de CASTRO, krausista e sacerdote separado da Igreja, pôs em marcha as conferências dominicais sobre a educação da mulher. Dedicou os últimos anos de sua vida, entre 1868 e 1874, à formação feminina. Fundou o Ateneu Artístico e Literário para Senhoras e, em 1870, a Associação para o Ensino da Mulher. Castro era discípulo de Sanz del Río, de quem mais adiante falaremos. Nesta Associação, desenvolveram um papel importante como docentes muitos dos homens que, em 1876, fundariam a Instituição Livre de Ensino.

[15] Cfr. Geraldine M. SCANLON, La polémica feminista en la España Contemporánea (1868-1974), Madri, Siglo XXI de España Editores S.A., 1976, p.32.

[16] Cfr. Ibid., p.65.

[17] Cit. por Alberto JIMÉNEZ FRAUD, Residentes, perfis biográficos e recordações, Madri, Alianza Tres, 1989, pp.47-48.

[18] Cfr. José ORTEGA Y GASSET, El hombre y la gente, t.II, Madri, em Revista de Occidente, 1957, pp.179-180. Trata-se de uma compilação de conferências ditadas por Ortega a partir de 1934.

[19] Cfr. Ibid., pp.176-177.

[20] Cfr. Shirley MANGINI, Las modernas de Madri. Las grandes intelectuales españolas de la vanguardia, Madri, Península, 2001, pp.77-78.

[21] Cfr. Elisa GARRIDO (ed.), Historia de las mujeres en España, Madri, Síntesis, 1997, p.467.

[22] Cfr. Rosa María CAPEL, El trabajo y la educación de la mujer en España (1900-1936), Madri, Ministerio de Cultura, Instituto de la Mujer, 1992, p.473; Maria Luísa BARRERA PEÑA – Ana LÓPEZ PEÑA, Sociología de la Mujer en la Universidad: Análisis histórico-comparativo. Galicia-España 1900-1981, Santiago de Compostela, Universidad de Compostela,1983, p.108.

[23] Cfr. VÁZQUEZ RAMIL, La institución, p.1211; CAPEL, O trabalho, p.473; Ramón EZQUERRA, La penetración de la mujer española en la Universidad I, “Renovación Social” Año III, Segunda época, Oviedo, núm.44 (15 de agosto de 1926), p.493.

[24] As obras clássicas da Instituição Livre de Ensino são basicamente três: Vicente CACHO VIU, , La Institución Libre de enseñanza. Orígenes y etapa preuniversitaria (1860-1881), Madri, Rialp, 1962; María Dolores GÓMEZ MOLLEDA, Los reformadores de la España contemporánea, Madri, Consejo Superior de Investigaciones Científicas,1966; António JIMÉNEZ –LANDI, La Institución Libre de Enseñanza y su ambiente, 5 vols, Madri, Ministerio de Educación y Cultura, 1996. Sobre las Residencias: Alberto JIMÉNEZ-FRAUD, La Residencia de Estudiantes. Visita a Maquiavelo, Barcelona, Ariel, 1972; Id., Residentes, semblanzas y recuerdos, Madri, Alianza Tres, 1989; Isabel PÉREZ-VILLANUEVA TOVAR, La Residencia de Estudiantes: grupo universitário y de señoritas, Madri, 1910-1936, Madri, Ministerio de Educación y Ciencia, 1990; Álvaro RIBAGORDA, Caminos de la modernidade: espacios e instituciones culturales de la Edad de Plata (1898-1936), Madri, Fundación José Ortega y Gassset, 2009; Raquel VÁZQUEZ RAMIL, La Institución Libre de Enseñanza y la educación de la mujer em España: La Residencia de Señoritas (1915-1936), Betanzos, Lugami Artes Gráficas, 2001; Carmen de ZULUETA – Alicia MORENO, La Residencia de Señoritas: ni convento ni college, Madri, Consejo Superior de Investigaciones Científicas. Sobre o resto das iniciativas da Instituición: José María LOPEZ SÁNCHEZ, Heterodoxos españoles. El Centro de Estudios Históricos 1910-1936, Madri, Marcial Pons Historia, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2006; Carmen MAGALLÓN PORTOLÉS,Pioneras españolas en las ciências: las mujeres del Instituto Nacional de Física y Química, Madri, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1999.

[25] Apreciou a renovação pedagógica da Instituição Livre de Ensino com seus meios, métodos e procedimentos. Mas pensou que era possível fazer o mesmo a partir da fé e não renunciando a ela, segundo a proposta laicista de boa parte dos homens da Instituição.

[26] Sobre a Instituição Teresiana, cfr. Ángeles GALINO (Prólogo), Pedro Poveda. Volumen-Homenaje. Cincuentenario 1936-1986, Madri, Narcea, 1988; María Dolores GÓMEZ MOLLEDA, Pedro Poveda, educador de educadores, Madri, Narcea, 1993; Id., Cristianos en la sociedad laica: una lectura de los escritos espirituales de Pedro Poveda, Madri, Narcea, 2008; María Encarnación GONZÁLEZ RODRIGUEZ, Pasión por la santidad. Biografía de María Josefa Segovia, Madri, BAC, 2006; Id., Linares, 1913. Una iniciativa innovadora. El Centro Pedagógico de cultura feminina, “Boletín del Instituto de Estudios Giennenses”, julio/diciembre 1999, núm.172, t.I, pp.383-407; Armando PEGO, Modernidad y Pedagogía en Pedro Poveda. La experiência de Covadonga, Salamanca, Universidad Pontificia de Salamanca, Cátedra Pedro Poveda, 2006; Pedro POVEDA, Itinerario Pedagógico, Estudio preliminar, introducción y notas de Ángeles GALINO, Madri, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1965; Flavia Paz VELÁZQUEZ, Cuadernos biográficos Pedro Poveda.Nº 5. Las Academias, Madri, Narcea, 1996; Nº 6. Una institución se abre camino, Madri, Narcea, 1997; Nº 7. Sal de la tierra, Madri, Narcea, 2002; Nº8. Pedro Poveda en Madri. Arraigo y expansión de una idea, Madri, Narcea, 2003.

[27]O krausismo procede de Karl Christian Friedrich Krause (1781-1832), um filósofo idealista alemão de segunda fila. A sua influência chegou a Espanha através de Julián Sanz del Río, um professor da Universidade de Madri que foi bolsista na Alemanha em 1843. Pode-se dizer que foi o primeiro a sair desde que a universidade espanhola se fechou a qualquer influência externa depois da Reforma. Regressou entusiasmado com Krause, traduziu sua obra, difundiu suas ideias e delas alimentaram-se intelectualmente os homens que, posteriormente fundaram a Instituição Livre de Ensino.

[28] Andrés Manjón y Manjón (1846-1923) nasceu em Sargentes de la Lora (Granada). Em 1879 obteve uma cátedra de Direito Canônico em Santiago de Compostela (Espanha). Em 1886 ordenou-se sacerdote e três anos depois, em 1889, fundou a Casa Madre del Ave María: quando faleceu havia umas quatrocentas escolas, em Espanha e noutros países (cfr. https://www.4buenasnoticias.com/buenaeducación/manjon.html, visitado no 14 de julho de 2011).

[29] A educação feminina nos Estados Unidos esteve sempre muito avançada, já durante a época colonial. Os colleges femininos pioneiros em ministrar ensino universitário são da década de sessenta do século XIX, embora alguns autores afirmem que o primeiro foi o Mount Holyoke, de inspiração protestante congregacionalista, fundado por Mary Lyon em 1830. Na Grã-Bretanha, a data oficial da incorporação à universidade, com os homens, é 1878. Contudo, desde 1848 existiam já centros universitários exclusivamente femininos, como o Queen's College de Londres. A Rússia czarista contava com uma escola de Medicina exclusiva para mulheres desde os anos sessenta do século XIX. O Império Austro-Húngaro permitiu a entrada da mulher na universidade nos finais do século XIX, em 1897. O Império Alemão, em 1908. Desde 1867, permitiu-se o acesso de mulheres à universidade na Suíça, sendo Zurique a primeira. Na França, em 1867, a Universidade da Sorbonne admitiu à primeira mulher. Ali estudou Marie Curie, a partir de 1891.

[30] Álvaro RIBAGORDA, El programa cultural de la Residencia de Señoritas, em Rosa FERNÁNDEZ URTASUN – José Ángel ASCUNCE (eds.), Ernestina de Champourcin. Mujer y cultura en el siglo XX, Madri, Biblioteca Nueva, 2006, p.298.

[31]Cfr. Álvaro RIBAGORDA, Una historia en la penumbra: las intelectuales de la Residencia de Señoritas, “Sistema” 188, septiembre 2005, p.52.

[32] Cfr. Ramón EZQUERRA, La penetración de la mujer, pp. 490-494; La penetración de la mujer española en la Universidad.II, “Renovación Social”, Año III, Segunda época, Oviedo, núm.45 (1 de septiembre de 1926), pp.532-536; La penetración de la mujer española em la Universiddad.III, “Renovación Social”, Año III, Segunda época, Oviedo, núm.46 (15 de septiembre de 1926, pp.629-632.

[33] CAPEL MARTÍNEZ, El trabajo, p.370; GARRIDO, Historia, p.466.

[34] Severo CATALINA DEL AMO (1832-1871), La Mujer, Madri, Librería y Casa Editorial Hernando (S.A.), 1950. Citamos por esta edição.

[35] Cfr. SANTALLA LÓPEZ, Concepción Arenal, p.42.

[36] CATALINA DEL AMO, La Mujer,p.299.

[37] Francisco CUTANDA, Noticia biográfica de Don Severo Catalina, em CASTALINA DEL AMO, La Mujer, pp.5-54.

[38] Cfr. Francisco Javier PAREDES ALONSO (ed.), Historia Contemporánea de España: Siglo XIX, Barcelona, Ariel, 2004, p.318.

[39] CATALINA DEL AMO, La Mujer, p.297. É provável que a escritora à qual se refere Severo Catalina seja Concepción Arenal.

[40]Ibid., pp.297-298.

[41] Ibid., p.299.

[42] Josemaria ESCRIVÁ DE BALAGUER, Sulco, 968: “Os homens medíocres, medíocres em cabeça e em espírito cristão, quando se alçam em autoridade, rodeiam-se de néscios: sua vaidade persuade-os, falsamente, de que assim nunca perderão o domínio. Os discretos, pelo contrário, rodeiam-se de doutos – que acrescentam ao saber a limpeza de vida -, e os transformam em homens de governo. Sua humildade não os engana, pois – ao engrandecer os demais – eles se engrandecem”.

[43] Da sua infância recordava a imagem de dois desenhos japoneses que representavam duas famílias bem distintas. A primeira, sentada ao redor de sua mesinha baixa, tinha uma lanterna suspensa no alto de uma altíssima vara. Naturalmente, via-se desde muito longe, mas a família estava às escuras. Debaixo da lâmina, lia-se: O homem presunçoso. A segunda representava outra família idêntica, mas com a lanterna muito baixa e próxima da mesa. Não chamava a atenção, mas iluminava. Ao pé do desenho, dizia-se: O homem discreto. E o fundador do Opus Dei acrescentava: “Eu quereria que tu fosses sobrenaturalmente discreto, sincero com Deus e contigo mesmo, sem espetáculo; que busques a luz de Cristo, primeiro, para ti, para tua vida”. AGP, P18, Enquanto nos falava pelo caminho, p.35.

[44] Cfr. RODRÍGUEZ (ed.), Caminho, ed. Crit.,p.975.

[45] Na França originou-se um debate sobre a questão da mulher sábia e da mulher discreta a partir do século XVII, exatamente desde a estreia – em 1672 – da obra de Molière As Mulheres sábias. Não é impossível que esta questão tenha chegado à Espanha e se conhecesse nos ambientes pedagógicos. Pôde influir em Severo Catalina. O conceito mulher sábia se arvorou imediatamente para ridicularizar as pretensões estudiosas da mulher. Em 1687, Fénelon já utilizou o termo nesse sentido pejorativo, contrapondo ante a mulher sábia á mulher discreta. A primeira seria curiosa, vã e afetada, portanto ignorante e indiscreta. A segunda, pelo contrário, teria uma instrução conveniente quanto a juízos, raciocínios e também quanto a seus deveres de governo doméstico. Esta linha foi seguida no século XVIII por Madame de Maintenon e no século XIX por Monsenhor Félix Dupanloup, que se expressava do seguinte modo: “Quero que fique claro: o que desejo antes de tudo não são mulheres sábias, mas – algo que é necessário para seus maridos, seus filhos e para o governo da casa – mulheres inteligentes, judiciosas, atentas, instruídas sobre tudo quanto lhes é útil saber como mães, donas de casa e mulheres do mundo, mulheres que, sem menosprezar jamais o trabalho manual, saibam, contudo, ocupar não somente seus dedos, mas também seu espírito e cultivar sua alma inteira. E acrescento que o que há que temer, tanto quanto aos maiores males, é a essas mulheres frívolas, superficiais, ociosas, desocupadas, ignorantes, dissipadas, amigas do prazer, da diversão e, por conseguinte, inimigas de todo trabalho e de quase todo dever, incapazes de qualquer estudo, de qualquer esforço sustentado de atenção, e, por isso, impossibilitadas para participar de verdade na educação de seus filhos e nos assuntos de sua casa e de seu marido”. Félix DUPANLOUP, La mujer estudiosa, Cádiz, Universidad de Cádiz – Servicio de Publicaciones, 1995, pp.92-93. É evidente que Dupanloup foi mais avançado, em suas ideias sobre a mulher, do que Severo Catalina del Amo, ambos escrevendo em datas similares, e que o debate francês era muito mais rico em ideias que as afirmações de Catalina. Pode-se consultar também, François DE FÉNELON, La educación de las jóvenes, Barcelona, Ediciones Hymsa, 1941, pp.30-31.

[46] Agradeço a Gloria Toranzo a informação dada, que procede de um estudo, tendo em vista sua publicação, sobre as primeiras mulheres do Opus Dei nos anos trinta.

[47] Em 1968, perguntado numa entrevista sobre o papel da mulher na sociedade e na Igreja, o fundador do Opus Dei respondia assim: “Em meu modo de ver, a igualdade essencial entre o homem e a mulher exige precisamente que se saiba captar ao mesmo tempo o papel complementar de um e do outro na edificação da Igreja e no progresso da sociedade civil: porque não em vão Deus os criou homem e mulher. Esta diversidade há de compreender-se não num sentido patriarcal, mas em toda a profundidade que tem, tão rica de matizes e consequências, que libera o homem da tentação de masculinizar a Igreja e a sociedade; e à mulher, de entender sua missão no Povo de Deus e no mundo, como uma simples reivindicação de tarefas que até agora somente o homem fez, mas que ela pode desempenhar igualmente bem. Parece-me, pois, que tanto o homem quanto a mulher hão de sentir-se justamente protagonistas da história da salvação, mas um e outro de forma complementar”, Entrevistas com Mons. Escrivá de Balaguer, Madri, Rialp, 1968, nº 14.

[48] RODRÍGUEZ (ed), Camino, ed.crít., p.975.

Mercedes Montero