Josemaria Escrivá e o nazismo

Carta de Domingo Díaz-Ambrona, engenheiro civil e advogado, a D. Álvaro del Portillo, bispo prelado do Opus Dei, com data de 9 de Janeiro de 1992 (publicada em “Entrevista sobre o Fundador do Opus Dei”, Álvaro del Portillo. São Paulo, 1993, p. 36-39)

O fundador do Opus Dei nos anos 50

Conheci a Josemaria Escrivá durante a guerra civil espanhola. Junto com a minha mulher, estava refugiado na embaixada de Cuba e, enquanto nos encontrávamos ali, chegou o momento do parto da nossa filha Guadalupe que nasceu a 3 de Setembro de 1937 na Clínica Riesgo, hoje desaparecida, que então estava sob a proteção da bandeira inglesa. Devido à situação em que se encontrava o país, não a podíamos batizar, e assim o comentei com um bom amigo meu, José Maria Albareda.

Poucos dias depois, José Maria Albareda disse-me que um sacerdote amigo seu viria administrar o batismo à criança num dia determinado. Confiando na proteção que a bandeira inglesa da Clínica nos oferecia, convidei os padrinhos e outros amigos para a cerimônia. O sacerdote chegou às cinco da tarde, duas horas antes do previsto, e permaneceu conosco apenas o tempo necessário para batizar a nossa filha. Foi tudo tão rápido que nem sequer lhe perguntamos o nome. Mais tarde, soube que se tratava de Mons. Escrivá. O seu comportamento foi uma lição de prudência para todos nós, naqueles momentos difíceis. Eu tentei fazê-lo ficar, mas disse-me: “Há muitas almas que precisam de mim”.

Durante esse período, pelo que vim a saber depois, apesar de não dispor senão de um documento de identidade precário e de o clima social e político ser muito perigoso para um sacerdote, desenvolvia um intenso trabalho apostólico: confessava muitas pessoas, às vezes, com risco de vida, pregava retiros mudando constantemente de local e atendia um grupo de religiosas que sofriam os efeitos da perseguição.

Mas, como disse, naquela época eu não sabia de quem se tratava. Soube-o mais tarde, durante um encontro casual no trem da linha Madri-Ávila, no mês de Agosto de 1941. Viajava com a minha mulher e a minha filha de quatro anos quando o Padre Josemaria, ao ver-nos, reconheceu-nos, entrou no nosso compartimento e disse: “Fui eu que batizei esta menina”. Cumprimentamo-nos, disse-me o seu nome e passamos a falar da situação histórica que atravessávamos. Encontrávamo-nos num momento decisivo da história da Europa: lembro-me de que eu estava impaciente por chegar quanto antes a Navas del Marqués, para saber pela rádio como ia o avanço das tropas alemãs em território russo.

Comentei-lhe que acabava de regressar de uma viagem à Alemanha e que pudera notar o medo que tinham os católicos daquele país de manifestar as suas convicções religiosas. Isso me levara a desconfiar do nazismo; mas, como a muitos espanhóis, escapavam-me os aspectos negativos do sistema e da filosofia nazista, deslumbrados como estávamos pela propaganda de uma Alemanha que se apresentava como a força que aniquilaria finalmente o comunismo. E quis saber a sua opinião.

Surpreendeu-me profundamente, naqueles momentos, a resposta taxativa daquele sacerdote, que tinha uma informação muito certeira sobre a situação da Igreja e dos católicos sob o regime de Hitler.

Pelas razões que acabo de expor, surpreendeu-me profundamente, naqueles momentos, a resposta taxativa daquele sacerdote, que tinha uma informação muito certeira sobre a situação da Igreja e dos católicos sob o regime de Hitler. Mons. Escrivá falou-me com muita força contra aquele regime anticristão, com um vigor que denotava o seu grande amor pela liberdade. Devo dizer que, na Espanha de então, não era fácil encontrar pessoas que condenassem de forma tão contundente o sistema nazista e que denunciassem com tanta clareza a sua raiz anticristã. Por isso, essa conversa, naquele momento histórico preciso, em que ainda não se conheciam todos os crimes do nazismo, ficou-me profundamente gravada na memória.

Algum tempo depois, comentei esse encontro com o meu amigo José Maria Albareda e vim a saber que tinha estado conversando com o fundador do Opus Dei.

Eu não pertenço ao Opus Dei, mas a minha experiência pessoal permite-me afirmar que quem sustente uma opinião contrária sobre o pensamento de Mons. Josemaria Escrivá neste ponto só pretende ofuscar inutilmente a vida santa deste futuro Bem-aventurado [Josemaria Escrivá], que era um grande apaixonado da liberdade.