Artigo de Mons. Fernando Ocáriz que foi publicado no jornal "O São Paulo", 22/05/2019
"Guadalupe: um caminho para o Céu na vida cotidiana"
Fernando Ocáriz *
A Serva de Deus Guadalupe Ortiz de Landázuri será beatificada no próximo dia 18 de maio em Madri. Este evento é motivo de alegria e de esperança, porque expressa, mais uma vez, que Deus chama a todos à santidade, a uma vida plena com Ele, e que é possível alcançá-la nas vicissitudes da vida diária.
A futura bem-aventurada amava a vida que Deus tinha escolhido para ela, tornou-a sua e foi feliz. Sendo jovem, sofreu a morte de seu pai, que enfrentou com serenidade e firmeza. Apesar das dificuldades, decidiu continuar os estudos em Química e seguir uma profissão pouco frequente para as mulheres da sua época. Depois, dedicou-se ao ensino, onde empenhou todas as suas qualidades. Quando conheceu São Josemaria Escrivá e descobriu que Deus a chamava para viver a sua vida cristã segundo o espírito do Opus Dei, não duvidou em entregar-se generosamente para seguir o convite a alcançar a santidade na vida cotidiana. Guadalupe permaneceu aberta para o que Deus ia lhe pedindo a cada momento: deixar por um tempo a profissão para retomá-la mais tarde, viajar para o México para começar o trabalho apostólico do Opus Dei no continente americano, voltar para a Espanha e continuar a ensinar, começar a tese de doutorado em uma idade avançada.
O exemplo de Guadalupe pode ser uma luz, um impulso para enfrentar a vida corrente como caminho de santidade, com seus projetos, sonhos, desafios, planos mais ou menos previstos, mas em que também há mudanças, dificuldades e problemas inesperados. Destaca-se nela a atitude de amar o que Deus nos dá, de querer o que Ele quer, de confiar e esperar Nele, e de viver plenamente o presente, como é, colocando o futuro nas mãos de Deus.
Guadalupe foi uma pessoa feliz, corajosa, determinada, empreendedora e acolhedora. A certeza que tinha da proximidade de Deus, do Seu amor por ela, encheu-a de simplicidade e serenidade e a fazia seguir sempre em frente procurando amar em tudo a Deus e aos outros, sem medo dos seus erros e seus defeitos. Muitas vezes podemos ser tentados a deixar de aspirar a coisas grandes, a desistir de nossos sonhos, porque sentimos nossas limitações e erros. Guadalupe nos ensina que é possível sonhar e chegar longe se, apesar das dificuldades, confiarmos em Deus, no seu amor por nós.
Essa Química de Madri soube compatibilizar uma intensa vida profissional com o relacionamento com Deus e com o serviço aos outros. Suas numerosas cartas nos fazem ver como tentava colocar Deus em primeiro lugar e, embora nem sempre o conseguisse como desejava, recomeçava com nova determinação. Em certas horas do dia, procurava ter momentos de encontro pessoal com Deus, de oração, de onde tirava forças para encontrá-Lo depois em cada circunstância. Todos nós, apesar das múltiplas tarefas e compromissos que preenchem nossos dias, podemos, se quisermos, encontrar-nos com Deus, que nos espera pacientemente em cada momento e especialmente na Eucaristia. Não deixa de ser um detalhe especial do Senhor que o dia 18 de maio, dia da sua beatificação, seja a data em que Guadalupe recebeu a Primeira Comunhão. Essa coincidência nos recorda a estreita união que existe entre a Eucaristia e a santidade pessoal.
A futura bem-aventurada é também um modelo de como podemos descobrir a Deus em nosso trabalho, na nossa tarefa bem-feita. Ela era consciente de que poderia fazer com que Deus estivesse presente em sua atividade profissional, e nela e através dela, torná-Lo conhecido pelos outros. O amor de Deus e seu afã profissional impulsionaram-na a envolver-se generosamente nas necessidades sociais do seu tempo. Não era indiferente ao sofrimento dos outros e isso a incentivou a levar para frente iniciativas de desenvolvimento social tanto em seu país como no México, empregando seus conhecimentos e talentos. Guadalupe era uma apaixonada pela Química, mas o trabalho não era para ela apenas um lugar de realização profissional, mas principalmente um espaço para relacionar-se com Deus e entregar-se aos outros, para servir.
Muitas pessoas que a conheceram recordam a sua alegria, sua risada contagiante, que tornava vida dos outros mais agradável. Esse caráter alegre e aberto teria algo de temperamental, herdado, mas também era resultado do esforço e do sacrifício escondidos. Por muitos anos, ela sofreu uma doença cardíaca, que fazia com que se sentisse cansada e até exausta, mas escolheu abraçar essa dificuldade e sorrir para os outros, não se dando importância. Pensando em Guadalupe, lembro-me também de uma afirmação de São Josemaria: "Dar-se ao serviço dos outros é de tal eficácia, que Deus o premia com uma humildade cheia de alegria. ".
Neste mês de maio, especialmente dedicado a Nossa Senhora, podemos pedir a Ela que a figura de Guadalupe nos inspire e nos impulsione a aceitar sempre os convites de Deus para a nossa vida, para ser como ela: felizes, "bem-aventurados", como a Igreja irá declarar dentro de alguns dias.
*Fernando Ocáriz é Prelado do Opus Dei