Diálogo com todos

Todas estas coisas disse Jesus ao povo em parábolas; e não lhes falava sem parábolas (Mt 13, 34).

«O Senhor não limita o seu diálogo a um pequeno grupo restrito: fala com todos. Com as santas mulheres, com multidões inteiras; com representantes das classes altas de Israel como Nicodemos, e com publicanos como Zaqueu; com pessoas consideradas como observantes e com pecadores, como a samaritana; com doentes e sãos; com pobres, que amava de todo o coração; com doutores da lei e com pagãos, cuja fé elogia por sobre a de Israel; com anciãos e com crianças.

Jesus a ninguém nega a sua palavra, e é uma palavra que sara, que consola, que ilumina. Quantas vezes meditei e fiz meditar sobre este estilo apostólico de Cristo, humano e divino ao mesmo tempo, baseado na amizade e na confidência!

Recordai a conversa com a samaritana. Que maravilha, o modo de falar de Cristo! Sabe dizer as coisas de tal modo que aqulea mulher, de pecadora, passa a propagadora da verdade: Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Será o Messias. Saíram então da cidade e foram Ter com ele. Sim, filhas e filhos, o diálogo de Cristo não é um jogo de fogos fátuos, nem um vão exercício mental; é palavra de verdade que inflama e queima com fogo divino.

Jesus fala sempre com amor. Tem compaixão da dor da viúva de Naim, da miséria dos leprosos; tem piedade, sobretudo, do pecador. Jesus é especialista em delicadeza, em dizer a palavra que anima, em corresponder à amizade com amizade: que conversas na casa de Betânia, com Lázaro, com Marta, com Maria!

Mas Jesus sabe também ser exigente, sabe pôr os homens face aos seus deveres, correndo o risco de não ser escutado. Vede como se manifesta o coração de Cristo no relacionamento com o jovem rico, que se aproximou dele em certa ocasião. Jesus olha-o com amor, pedindo-lhe o desprendimento das riquezas. Qui contristatus in verbo abiit moerens, aquele adolescente partiu triste, porque a palavra de Deus – se não for acolhida – é amarga como o fel.

Portanto, não basta falar; é preciso agir, é preciso pôr em prática o ensinamento recebido; de contrário, o diálogo – esmo o diálogo com Deus – não é fecundo; porque “nem todo o que me disser Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus”.

Jesus não se move por considerações de falsa prudência, nem de delicadeza mentirosa, que conduzem a limar as arestas da verdade. Aceita mesmo conversar com os fariseus, que iam ter com ele ut caperent eum in sermone, para o atacarem com as palavras que tivesse pronunciado. Mas não vacila em dizer a verdade, em chamar pelo seu nome o que não tem outro nome: Raça de víboras - exclama – como podeis dizer coisas boas, vós que sois maus? Outras vezes é ele a iniciar o diálogo, mesmo sem lhe fazerem perguntas. Jesus fala porque vê no ambiente a necessidade de dar doutrina, de procurar corrigir aquele mentalidades retorcidas: Simon, habeo tibi aliquid dicere: Simão, tenho uma coisa a dizer-te. Jesus não entende o diálogo como uma concessão que falsifica a verdade.

Está disposto a falar com todos, mesmo com os que não querem conhecer a verdade, como Pilatos: Tu dicis quia rex sum ego. Ego in hoc natus sum et ad hoc veni in mundum, ut testimonium perhibeam veritati: omnis Qui ex veritate audit vocem meam: Tu o dizes: eu sou rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade, escuta a minha voz. Mas, quando chega a altura, fala sem eufemismos, mesmo com crueza, e até chega a atuar duramente: Fazei um açoite de cordas, e ponde-os fora do templo. Não penseis que Nosso Senhor é um Deus colérico. È mitis et humilis corde, manso e humilde de coração; mas sabe que o coração do homem de vez em quando é duro como o bronze, e que só o fogo o pode fundir: o fogo do amor, o fogo da verdade, o fogo da missão recebida do Pai. Para isso, basta o menor sintoma de boa vontade, de desejo de conhecer o que é autêntico, para que ele se prodigalize a iluminar, a abençoar, a elogiar».

Carta 24 de Outubro 1965, in Studi Cattolici, 293/294 (1985)