EUCARISTIA E SACERDÓCIO
Nesta celebração do centenário da ordenação sacerdotal de São Josemaria, vou me concentrar principalmente em alguns de seus textos, em alguns aspectos da relação entre o sacerdócio e a Eucaristia. São textos que, além do conteúdo doutrinal, expressam também a experiência viva da sua alma sacerdotal.
Primeiro, vou me concentrar no sacerdócio enquanto ordenado para a Eucaristia, depois na importância da Eucaristia na santificação do sacerdote e, finalmente, em seu papel na missão pastoral que o presbítero é chamado a desempenhar.

Sacerdócio para a Eucaristia
A Eucaristia, especificamente o sacrifício eucarístico, é central para a vida cristã. São Josemaria resumiu-o na expressão “centro e raiz”; por exemplo, no seguinte texto de uma de suas cartas: “Sempre vos ensinei, queridíssimos filhas e filhos, que a raiz e o centro de vossa vida espiritual é o Santo Sacrifício do Altar, no qual Cristo Sacerdote renova seu Sacrifício do Calvário, em adoração, honra, louvor e ação de graças à Santíssima Trindade”[1].
Essa ideia estava tão profundamente enraizada em sua alma e em seu coração que ele a repetiu com frequência, tanto verbalmente quanto por escrito[2]. Ao mesmo tempo, acrescentava que se o Sacrifício eucarístico é “o centro e a raiz da vida do cristão, deve sê-lo especialmente para a vida do sacerdote”[3].
Deve ter sido motivo de profunda alegria para São Josemaria que, anos depois, um texto do Concílio Vaticano II tão significativo como o Decreto Presbyterorum Ordinis, ao falar da relação entre o sacerdócio e a Eucaristia, usasse a mesma expressão para afirmar que o Sacrifício Eucarístico é “o centro e a raiz de toda a vida do presbítero”[4].
a) Centro e raiz da vida do presbítero
De fato, é lógico insistir neste ponto no caso do sacerdote. Como escreveu Bento XVI, “A relação intrínseca entre a Eucaristia e o Sacramento da Ordem Sagrada éevidente nas próprias palavras de Jesus no Cenáculo: ‘Fazei isto em memória de mim’ (Lc 22,19). De fato, na véspera de sua morte, Jesus instituiu a Eucaristia e, ao mesmo tempo, fundou o sacerdócio da Nova Aliança. (…) Ninguém pode dizer ‘este é o meu corpo’ e ‘este é o cálice do meu sangue’, exceto em nome e na pessoa de Cristo, o único Sumo Sacerdote da nova e eterna Aliança (cf. Heb 8-9)”[5].
O Papa Francisco enfatizou como essa identificação com Cristo sacerdote se estende a toda a vida do presbítero. Este “não pode dizer: ‘Tomai e comei todos vós porque este é o meu Corpo, que será entregue por vós’, e não viver o mesmo desejo de oferecer o seu próprio corpo, a sua própria vida pelo povo que lhe foi confiado”[6].
Esta profunda transformação do presbítero está intimamente ligada à Eucaristia. São Josemaria comentou sobre isso em uma homilia: “Pelo sacramento da Ordem, o sacerdote torna-se efetivamente apto para emprestar a Nosso Senhor a voz, as mãos, todo o seu ser: é Jesus Cristo quem, na Santa Missa, com as palavras da consagração, transforma a substância do pão e do vinho no Seu Corpo, Alma, Sangue e Divindade. Nisto se fundamenta a incomparável dignidade do sacerdote”[7].
b) Dignidade e fraqueza
A partir destas considerações sobre a relação entre o sacerdócio e a Eucaristia, compreende-se que esta última é, ao mesmo tempo, o centro para o qual tudo converge e, inseparavelmente, a raiz desta convergência. Ela é centro, pois, se Deus é aquele que atrai tudo e todos a si em Cristo, a Eucaristia é o lugar onde se realiza a oferta do mundo ao Pai, por meio de Cristo, com Ele e n’Ele. Ao mesmo tempo, “o próprio Cristo põe-se nas mãos dos sacerdotes, que, se fazem assim dispensadores dos mistérios – das maravilhas – do Senhor (1 Cor 4,1)”[8].
É possível uma ação mais elevada na Terra? A ação mais própria de Cristo, Sumo Sacerdote misericordioso e fiel, mediador da nova aliança (cf. Heb 2,17 e 9,15), é deixada nas mãos da sua criatura. Por meio dele se eleva o culto de adoração ao Pai, e por ele os dons divinos chegam aos fiéis.
Assim o expressa o Concílio Vaticano II: os sacerdotes “exercem o seu múnus sagrado sobretudo no culto eucarístico, no qual, representando a pessoa de Cristo e anunciando o seu mistério, unem as orações dos fiéis ao sacrifício da sua Cabeça, Cristo (…), que se oferece ao Pai como hóstia imaculada (cf. Heb 9, 11-28)”[9].
Entende-se que o centro da vida do sacerdote não pode ser outro. Além disso, pode-se dizer que a Santa Missa constitui o fim principal da ordenação, o ato no qual “todo o ministério sacerdotal encontra sua plenitude, seu significado, seu centro e sua eficácia”[10].
Certamente, a dignidade do sacerdócio se encontra com consciência que cada sacerdote tem da própria indignidade, e isso mesmo constitui a primeira razão para se esforçar por viver intimamente unido ao Senhor[11].Na mesma celebração da Eucaristia, as orações que o sacerdote reza em segredo e naquelas em que se dirige ao Senhor em seu próprio nome o ajudam, como nos recorda o Missal, a tomar consciência de sua missão e, assim, a poder desempenhá-la com maior atenção e piedade. Essas orações são frequentemente de caráter penitencial e são encontradas em momentos-chave da celebração eucarística: antes de proclamar o Evangelho, no final do Ofertório e na preparação para entrar na grande Oração Eucarística, ao dispor-se para receber o Corpo e o Sangue de Cristo. O sacerdote é consciente de que, pela graça que recebe na ordenação e pela ação do Espírito Santo na Igreja, quando se aproxima do altar, não é ele quem se prepara para celebrar o culto ao Pai, mas é o próprio Cristo que, nele, “renova no Altar o seu divino Sacrifício do Calvário”[12]. O gesto externo de vestir as vestes sacerdotais lembra ao celebrante esta verdade.
De fato, ao vestir-se com os paramentos, revela-se o acontecimento interior e a tarefa que dele deriva: revestir-se de Cristo, entregar-se a Ele como Ele se entregou por nós. Os paramentos não são sinais de poder ou superioridade: são símbolos que lembram a todos – e antes de tudo aos próprios sacerdotes – que eles não estão mais agindo como indivíduos privados, mas in persona Christi e in persona ecclesiae. Dessa forma, as vestes sagradas também nos lembram que os celebrantes não são donos nem da celebração nem da comunidade, mas sim servidores[13].
c) Eucaristia e outras funções sacerdotais
A centralidade da Eucaristia na vida de um sacerdote não é obstáculo para afirmar, como faz o Decreto Presbyterorum Ordinis, que os sacerdotes “têm como obrigação primária anunciar o Evangelho de Cristo a todos”[14]. E isto não só porque a pregação do Evangelho precede cronologicamente a celebração da Eucaristia, mas também e sobretudo porque a pregação conduz à Eucaristia, e dela — de Cristo que se doa à Igreja — retira a força para ser palavra de vida eterna (cf. Jo 6, 68)[15]. De fato, como considerarei mais tarde, toda a atividade do sacerdote brota da Eucaristia como sua fonte mais íntima. A celebração da Eucaristia não é a única função sacerdotal. Contudo, entende-se que esta é a sua principal e mais constitutiva missão, até porque nela estão resumidos todos os mistérios da fé cristã.
Eucaristia e santificação do sacerdote
Considerando o que é a Eucaristia, é fácil entender por que São Josemaria escreveu: “O sacerdócio exige — pelas funções sagradas que lhe são atribuídas — algo mais que uma vida honesta: exige uma vida santa de quem o exerce, constituídos — como são — em mediador entre Deus e os homens”[16].
a) A Eucaristia e a conformação a Cristo
Na configuração com Cristo Cabeça, própria do ministério ordenado, o Decreto Presbyterorum Ordinis afirma que os sacerdotes “são ordenados à perfeição da vida pelas mesmas ações sagradas que realizam cada dia, como por todo o seu ministério, que desempenham em união com o Bispo e os presbíteros”[17].
O Sacrifício Eucarístico, no qual ele cumpre sua missão ou função primária, é ao mesmo tempo para o sacerdote — como para todo cristão — o principal meio de santificação, de identificação com Cristo. Nas palavras de Bento XVI: “Se a Santa Missa for vivida com atenção e fé, ela é formativa no sentido mais profundo da palavra, pois promove a configuração a Cristo e fortalece o sacerdote em sua vocação”[18].
Este profundo aspecto formativo da própria celebração é lógico se tivermos em mente que “as palavras e os ritos litúrgicos são uma expressão fiel, amadurecida ao longo dos séculos, dos sentimentos de Cristo e nos ensinam a compartilhar seus sentimentos; conformando nossas mentes às suas palavras, elevamos nossos corações ao Senhor”[19]. A Santa Missa converte-se, assim, em uma escola de vida.
Por outro lado, a identificação com Cristo na mesma celebração leva, às vezes, a que “o Senhor ajude cada um de nós a descobrir o que deve melhorar, quais vícios devemos erradicar e como deve ser nosso relacionamento fraterno com todas as pessoas”[20].
Assim, na celebração e por variados caminhos, a existência do sacerdote torna-se uma existência eucarística. Não só porque se nutre da Eucaristia e faz da sua celebração o ato central da sua vida, mas também porque, em tudo, o sacerdote vive na mesma atitude com que Cristo se faz alimento dos seus irmãos.
b) A partir da Trindade para levar o mundo à Trindade
Olhando um pouco mais amplamente, entendemos que, no encontro com Cristo na Eucaristia, recebemos “a própria doação da Trindade à Igreja”[21]. De fato, a Santa Missa é a ação na qual, de forma máxima, se manifesta o amor da Trindade. “A oração ao Pai -explica São Josemaria-, é constante. O sacerdote é um representante do Sacerdote eterno, Jesus Cristo, que é ao mesmo tempo a Vítima. E a ação do Espírito Santo não é menos inefável nem menos certa. Pela virtude do Espírito Santo, escreve São João Damasceno, dá-se a conversão do pão no Corpo de Cristo”[22]. Na Eucaristia, a pessoa humana se diviniza, e da Eucaristia brota a alegria, o fruto do Espírito Santo, que é característico da existência cristã.
A Eucaristia é, portanto, a realidade em torno da qual se articula a vida espiritual do presbítero: é sua raiz e seu centro, sua fonte e a antecipação sacramental de sua meta definitiva. Essa centralidade e radicalidade conferem ao cristão, e especificamente ao sacerdote, a capacidade de converter toda atividade cotidiana em culto a Deus. Este é um ensinamento em que São Josemaria insistia, especialmente quando se dirigia aos fiéis comuns, que trabalham no meio do mundo, pois compete a todos os que participam no sacerdócio de Cristo, quer no sacerdócio comum, quer no sacerdócio ministerial.
O sacerdote tem consciência de ter sido escolhido entre suas irmãs e irmãos para apresentar ao Pai a oferenda da Igreja, que o próprio Cristo assume e faz própria. Nesse sentido, São Josemaria esforçava-se por fazer do dia uma Missa, procurando que esse ato de culto transbordasse, como ele próprio ensinava, em jaculatórias, em visitas ao Santíssimo Sacramento, na oferta do trabalho e das relações cotidianas[23].
c) Dom e tarefa
O fato de a Eucaristia ser de fato o centro e a raiz da vida do sacerdote constitui não apenas um dom, mas também uma tarefa pessoal de correspondência àquilo que foi recebido de Deus. São Bento II escreveu em uma de suas Cartas de Quinta-feira Santa aos sacerdotes: “Celebremos sempre a Santa Eucaristia com fervor. Prostremo-nos frequentemente diante de Cristo Eucarístico. Entremos, de alguma forma, na 'escola' da Eucaristia”[24].
Os detalhes em que o desejo de cuidar a Santa Missa pode se manifestar são inumeráveis, tão criativos quanto a capacidade que temos de amar uma pessoa. O importante é não perder de vista o fato de que, como pregava São Josemaria, “a vida litúrgica é uma vida de amor; amor de Deus Pai, por Jesus Cristo no Espírito Santo, com toda a Igreja”[25]. Esse amor não é uma realidade abstrata, mas muito concreta: encarnada. O fundador do Opus Dei gostava de repetir que “temos de ser muito humanos; caso contrário, também não poderemos ser divinos”[26]. E explicava isso de uma forma muito eloquente: “Reparem que Deus não nos diz: em lugar do coração, eu lhes darei uma vontade de puro espírito. Não: Ele nos dá um coração, e um coração de carne, como o de Cristo. Não tenho um coração para amar a Deus e outro para amar as pessoas da Terra. Com o mesmo coração com que amo meus pais e amo meus amigos, com o mesmo coração amo Cristo, o Pai, o Espírito Santo e Santa Maria”[27]. O amor do sacerdote pela Santa Missa, o esforço para lhe dar a centralidade que objetivamente lhe corresponde, pode ser expresso de mil maneiras diferentes. Por exemplo, S. Josemaria costumava dividir o dia em duas partes: a primeira metade para dar graças pela Comunhão e a outra metade para se preparar para o dia seguinte.
Outro aspecto que gostaria de enfatizar é seu recorrente convite para celebrar a Eucaristia com calma. É uma sugestão muito oportuna neste mundo marcado pela distração e pela pressa. Em um tom muito pessoal, confidenciava a um grupo de sacerdotes algo que havia vivenciado recentemente durante uma cerimônia universitária: “Enquanto não era minha vez de falar, eu estava pensando muito sobre o amor dos sacerdotes por Nosso Senhor, e como não sabemos como demonstrá-lo porque estamos quase sempre com pressa. Muita! Os amantes não têm pressa. Vejam como se acompanham um ao outro, uma e outra vez... Eles não querem se separar nunca”. E então os encorajava: “Celebrem a Santa Missa com calma, deixem-nos esperar! Então faremos um trabalho esplêndido, se soubermos não ter pressa, porque verdadeiramente, in persona Christi, estamos realizando uma profunda tarefa sacerdotal”[28].
d) Acompanhar o Senhor no sacrário
Juntamente com a celebração da Santa Missa, na qual a relação pessoal do sacerdote com a Eucaristia se realiza de maneira especial, a presença constante de Cristo no sacrário é um lembrete constante para dar a toda a existência uma orientação eucarística precisa.
Para o sacerdote, a Eucaristia é uma presença viva que consola e dá firmeza. Como escreveu São João Paulo II: “Ao longo dos séculos, muitos sacerdotes encontraram nela o consolo prometido por Jesus na noite da Última Ceia, o segredo para superar a solidão, o apoio para suportar os sofrimentos, o alimento para retomar o caminho depois de cada desânimo, a energia interior para confirmar a escolha de fidelidade”[29].
Na biografia de São Josemaria, em sua adolescência em Logronho, os longos momentos que passava em oração, à noite, junto ao tabernáculo de La Redonda, já são importantes. Agora que estamos em Saragoça, é impossível não recordar as noites que passou em oração em uma das tribunas que davam para o presbitério da igreja do Seminário de São Carlos. Manteve essa devoção ao longo dos anos, e é bem conhecido como promoveu a adoração eucarística em uma época em que, em muitos lugares, a fé da Igreja estava sendo questionada.
Em uma de suas viagens à América, ele recomendava aos sacerdotes que fizessem companhia ao Santíssimo Sacramento. Queria aumentar a piedade eucarística em todos, e lhes disse que “não façam isso porque as pessoas de sua igreja, os paroquianos de sua paróquia, os veem, não se importem em ser vistos. Se vocês estiverem atentos ao Senhor e as pessoas conhecerem seu amor, elas perguntarão por quê; e então vocês poderão falar desse amor que deve preencher toda a sua vida”[30].
Como se pode ver por essas simples palavras, a correspondência do sacerdote ao dom da Eucaristia, como centro de sua vida espiritual, transborda em ações guiadas pela caridade pastoral.
Eucaristia e caridade pastoral
A caridade pastoral leva o sacerdote a ser o servo de todos. Em uma de suas cartas, São Josemaria escreveu que os sacerdotes, “seguindo o exemplo de Nosso Senhor, que não veio para ser servido, mas para servir: non veni ministrari, sed ministrare (Mt 20,28), devemos saber colocar nossos corações no chão, para que os outros possam pisar com suavidade”[31]. Essa atitude não nasce de uma mera decisão ética, mas tem sua fonte na relação pessoal com Deus, com aquele Deus que se rebaixa e se doa a ponto de se tornar alimento para sua criatura na Eucaristia.
a) Uma existência eucarística
A força espiritual para viver a própria vida como uma entrega aos outros surge eminentemente da união com o próprio Jesus Cristo no sacrifício eucarístico[32]. Nele, o sacrifício da Cruz se torna sacramentalmente presente, o dom total de Cristo à sua Igreja, como o testemunho supremo de que ele é Cabeça e Pastor, Servo e Esposo. Dessa forma, a Eucaristia também é a raiz e o centro da dimensão pastoral da vida do sacerdote. Nas palavras de São João Paulo II: “A caridade pastoral do sacerdote não só flui da Eucaristia, mas encontra sua mais alta realização em sua celebração, assim como ele recebe dela a graça e a responsabilidade de permear toda a sua existência de forma sacrificial”[33].
Em outras palavras, o sacerdote é chamado a viver uma existência eucarística, ou seja, uma vida à imagem do sacrifício de Cristo que ele celebra na Santa Missa. O Papa Francisco explicou isso no Jubileu dos Sacerdotes de 2016: “Na celebração da Eucaristia, encontramos nossa identidade de pastores todos os dias. Toda vez que podemos realmente fazer nossas as palavras de Jesus: ‘Este é o meu corpo que é entregue por vós’. Esse é o sentido de nossa vida, essas são as palavras com as quais, de certa forma, podemos renovar diariamente as promessas de nossa ordenação”[34].
Em última análise, a caridade pastoral, que é conferida ao sacerdote no sacramento da Ordem, é um dom que se atualiza em cada Eucaristia e que deve ser traduzido em uma conduta correspondente na vida cotidiana.
b) Corresponder ao dom recebido, conformar-se com esse dom
Ao celebrar a Eucaristia, é necessário procurar identificar-se com a doação de Cristo, encarnando-a na própria vida. São Josemaria explicou-o graficamente numa das suas homilias: “quem não lavra o terreno de Deus, quem não é fiel à missão divina de se entregar aos outros, ajudando-os a conhecer Cristo, dificilmente conseguirá entender o que é o Pão eucarístico. Ninguém gosta daquilo que não lhe custou esforço”[35].
Em seguida, desenvolvia essa ideia utilizando uma imagem das Escrituras e enfatizando a identificação com Jesus Cristo: “Para apreciar e amar a Sagrada Eucaristia, é preciso percorrer o caminho de Jesus; sermos trigo, morrermos para nós próprios, ressuscitarmos cheios de vida e darmos fruto abundante: cem por um! Esse caminho resume-se numa única palavra: amar. Amar é ter o coração grande, sentir as preocupações dos que estão à nossa volta, saber perdoar e compreender: sacrificar-se, com Jesus Cristo, por todas as almas”[36].
E São Josemaria concluía: “Para amar desta maneira, é preciso que cada um expulse da sua vida tudo o que estorva a Vida de Cristo em nós: o apego à nossa comodidade, a tentação do egoísmo, a tendência à exaltação pessoal. Só reproduzindo em nós a Vida de Cristo, poderemos transmiti-la aos outros; só experimentando a morte do grão de trigo, poderemos trabalhar nas entranhas da terra, transformá-la por dentro, torná-la fecunda”[37].
Se a Eucaristia é para o sacerdote o lugar “central e radical” de sua identificação com Cristo e com seu dom salvífico, a caridade pastoral o levará necessariamente a conduzir os fiéis a essa mesma fonte de vida, na qual se encontra também o principal exercício do sacerdócio comum dos fiéis. O sacerdote pode fazer isso não apenas com sua pregação, mas também “vivendo” a missa com essa fé: ele celebra a Eucaristia pela Igreja e na presença da Igreja - mesmo que o povo não participe - e, por isso, sua vida também é chamada a imitar o sacrifício de Cristo, que “amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef 5,25).
Em última análise, o ministro não pode limitar-se a ser um canal inerte através do qual passam a palavra e os sacramentos da Igreja: deve adaptar a sua vida ao caráter sacramental que recebeu, que o conforma a Cristo, orientando toda a sua existência para aquela doação plena que encontra o seu centro e a sua raiz na celebração da Eucaristia em benefício de toda a Igreja. “Um sacerdote - explica São Josemaria - que viva assim a Santa Missa - adorando, expiando, impetrando, agradecendo, identificando-se com Cristo - e que ensine os outros a fazer do Sacrifício do Altar o centro e a raiz da vida do cristão, demonstrará verdadeiramente a grandeza incomparável da sua vocação, esse caráter com que está selado, que não perderá por toda a eternidade”[38].
Quanto mais se compreende a lógica da Cruz presente na Santa Missa, mais se vive o ministério como um dom total de si. Referindo-se à graça própria da plenitude do sacerdócio, o Catecismo da Igreja Católica afirma: “Essa graça o impele a anunciar o Evangelho a todos, a ser modelo para seu rebanho, a precedê-lo no caminho da santificação, identificando-se na Eucaristia com Cristo Sacerdote e Vítima, sem medo de dar a vida por suas ovelhas”[39].
c) Viver para os irmãos, viver para a Igreja
Os sacerdotes - imitando aquilo de que se ocupam: a entrega total de Cristo - extraem da Eucaristia a força espiritual necessária para se sacrificarem com alegria a serviço dos irmãos, especialmente daqueles que mais precisam, daqueles que são “descartados” pelo mundo.
De fato, a existência eucarística do sacerdote se expressa em mil detalhes de atenção e cuidado. Ela se manifesta especialmente na misericórdia com que ele acolhe aqueles que vêm à Igreja em busca de reconciliação e no amor com que ele vai em busca daqueles que não conhecem Cristo ou que se afastaram dele. Em todos os aspectos de seu ministério, ele prepara e orienta todas as pessoas para encontrar Jesus na Eucaristia, ciente da necessidade que todos nós temos de um encontro pessoal com Jesus Cristo.
Por fim, vale a pena considerar que a centralidade e a radicalidade da Eucaristia no ministério do sacerdote, como dom e como tarefa, têm uma dimensão eclesial evidente e essencial, pois “a Eucaristia, na qual o Senhor nos dá o seu Corpo e nos transforma em um só Corpo, é o lugar onde a Igreja se expressa permanentemente em sua forma mais essencial: presente em todos os lugares e, no entanto, uma só, assim como um só é Cristo”[40].
A dupla dimensão universal e particular da Igreja também é projetada no ministério sacerdotal, e é principalmente na Eucaristia onde o sacerdote pode e deve sentir solicitude por toda a Igreja e, com a Igreja e na Igreja, solicitude pelo mundo inteiro. Nesse sentido, o sacerdote no altar, como Cristo no Gólgota, carrega o fardo das necessidades, dificuldades e sofrimentos de toda a humanidade[41]. O Papa Francisco se referiu exatamente a essa ideia: “O sacerdote celebra carregando em seus ombros as pessoas confiadas aos seus cuidados e trazendo seus nomes gravados em seu coração. Ao revestir-nos nossa humilde casula, pode nos fazer bem sentir em nossos ombros e em nossos corações o peso e o rosto de nosso povo fiel, de nossos santos e de nossos mártires, que são tantos nestes tempos”[42]. O Sacrifício eucarístico não é apenas um grande bem para o sacerdote, mas constitui seu principal ministério para o bem de todos[43].
Conclusão
O Sumo Sacerdote é somente Cristo, que, pelo Sacrifício da Cruz, dá vida à comunidade dos fiéis e assegura sua presença vivificante a toda a Igreja na celebração da Eucaristia. Na Eucaristia, o Senhor reúne visivelmente seu povo sacerdotal, destinado a louvar a Deus pelo exercício do sacerdócio batismal.
Cristo, como Cabeça da Igreja, faz-se presente nela por meio de seus ministros, daqueles que, em virtude do sacramento da Ordem, são constituídos seus instrumentos para o bem de todo o povo de Deus. A Igreja, uma vez gerada pela ação do Espírito Santo, por meio da pregação, do Batismo e da celebração do Santo Sacrifício, continua a viver, a se expandir e a se difundir graças à força da Eucaristia, que é o ato supremo de culto e a principal fonte de salvação, da entrega de Deus a nós.
“Compreende-se assim - diz São Josemaria - que a Missa seja o Centro e a raiz da vida espiritual do cristão. É o fim de todos os sacramentos. Na Santa Missa, a vida da graça encaminha-se para a sua plenitude, que foi depositada em nós pelo Batismo, e que cresce, fortalecida pela Confirmação”[44].
Não gostaria de concluir estas considerações sem uma referência a Nossa Senhora. No artigo que São Josemaria escreveu em 1974 sobre Nossa Senhora do Pilar, lemos: “Para mim, a primeira devoção mariana - gosto de ver assim - é a Santa Missa”.
E explicava como via a presença de Maria no Santo Sacrifício: “Todos os dias, quando Cristo desce às mãos do sacerdote, a sua presença real entre nós é renovada com o seu Corpo, o seu Sangue, a sua Alma e a sua Divindade: o mesmo Corpo e o mesmo Sangue que fez sair do seio de Maria. No Sacrifício do Altar, a participação de Nossa Senhora evoca para nós o silencioso recolhimento com o que ela acompanhou a vida de seu Filho, quando ele caminhava pela terra da Palestina (...) Nesse mistério insondável, percebe-se, como coberto por véus, o rosto puríssimo de Maria, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo”[45].
Por isso, concluía: “O encontro com Jesus no Sacrifício do Altar traz necessariamente consigo um encontro com Maria, sua Mãe. Quem se encontra com Jesus, também se encontra com a Virgem Imaculada”[46].
Fernando Ocáriz
[1] Carta número 10, n. 11. Os textos em que o autor não é citado são de São Josemaria
[2] Cf., por ejemplo, Carta número 25, n. 5.
[3] Sacerdote para a eternidade, em Amar a Igreja https://escriva.org/pt-pt/amar-a-la-iglesia/sacerdote-para-a-eternidade/
[4] Conc. Vaticano II, Decr. Presbyterorum Ordinis, n. 14.
[5] Bento XVI, Ex. Ap. Sacramentum caritatis, n. 23.
[6] Francisco, Carta apost. Desiderio desideravi, n. 60.
[7] Sacerdote para a eternidade, n.16-17.
[9] Conc. Vaticano II, Const. Lumen gentium, n. 28. Cfr. Decr. Presbyterorum Ordinis, n. 2.
[10] Carta número 26, n. 18.
[11] Cf.Sacerdote para a eternidade, nn. 16 e 17.
[12] Sacerdote para a eternidade, n. 28.
[13] O celebrante deve, com efeito, combinar o eu e o nós. Há uma dupla perspectiva do ministério sacerdotal: ele representa sacramentalmente Cristo, “único mediador entre Deus e os homens” (1 Tim 2,5), que reúne e guia o seu povo, e representa também a Igreja, a cujo serviço realiza a sua ação.
[14] Conc. Vaticano II, Decr. Presbyterorum Ordinis, n. 4.
[15] Cf.ibidem, n. 5.
[16] Carta 2-II-1945, n. 4.
[17] Conc. Vaticano II, Decr. Presbyterorum Ordinis, n. 12.
[18] Bento XVI, Ex. ap. Sacramentum caritatis, n. 80.
[19] Congregação para o Culto Divino, Instr. Redemptionis sacramentum, n. 5.
[20] É Cristo que passa, n. 88. Neste texto, São Josemaria continuava sua homilia, mostrando, com sua catequese mistagógica, que a Santa Missa é formativa no sentido mais profundo da palavra.
[21] É Cristo que passa, n. 87.
[22] É Cristo que passa, n. 85
[23] Cf.Forja, n.69
[24] São João Paulo II, Carta aos sacerdotes, Quinta-feira Santa de 2000, n. 14.
[25] Citado em E. Burkhart–J. López,Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de san Josemaría, Rialp, Madri 2013, vol. III, p. 472.
[26] É Cristo que passa, n. 166.
[27] Ibidem.
[28] Dos meses de Catequesis, vol. II, pp.755-757.
[29] São João Paulo II, Carta aos sacerdotes, Quinta-feira Santa do ano 2000, n. 14.
[30] Citado em J. Echevarría, Recordações sobre Mons. Escrivá, Quadrante, São Paulo.
[31] Carta número 10, n. 20.
[32] Cfr. Conc. Vaticano II, Decr. Presbyterorum Ordinis, n. 14.
[33] São João Paulo II, Ex. ap. Pastores dabo vobis, n. 23.
[34] Francisco, Homilia, 3-VI-2016.
[35] É Cristo que passa, n. 158
[36] Ibidem.
[37] Ibidem.
[38] Sacerdote para a eternidade, n. 44.
[39] Catecismo da Igreja Católica, n. 1586
[40] Congr. para a Doutrina da Fé, Carta Communionis notio, n. 5.
[41] Cf. J. Echevarría, Para servir a la Iglesia. Homilías sobre el sacerdocio, Rialp, Madrid 2001, p. 58.
[42] Francisco,Homilia na Santa Missa Crismal, 28-III-2013
[43] Cf. Conc. Vaticano II, Decr. Presbyterorum Ordinis, n. 13.
[44] É Cristo que passa, n, 87
[45] La Virgen del Pilar, n. 18; em “Escritos varios” pp. 289-290
[46] Ibid., n. 19