Com os olhos da fé

O Padre Juliano Díez-Antoñanzas pertence à Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz e é pároco, em Saragoça (Espanha). Recentemente, acompanhou um grupo de pessoas cegas em uma peregrinação à Terra Santa. Ele nos conta algumas de suas experiências.

Pe. Juliano, uma pessoa cega pode aproveitar uma viagem de peregrinação à Terra Santa, onde parece que o importante é poder "ver" os diferentes lugares onde transcorreu a vida de Jesus?

Os cegos gostam de viajar, inclusive de "ver" filmes (assim dizem eles). Através do som fazem uma idéia bastante real das coisas. Eles estão acostumados a passar por lugares sem indicações especiais. É por isso que penso que é mais fácil para um cego "entrar em sintonia" com a terra de Jesus do que para alguém que vê, porque não se distrai com os modernos edifícios, carros, postes… O cego sente a geografia, saboreia o clima, associa os sons naturais àqueles sons ouvidos por nosso Senhor… Sabem que estão em um lugar sagrado, os guias e acompanhantes lhes descrevem as coisas, e isso os ajuda muito. Tocam, apalpam a pedra, porque para eles o sentido do tato é essencial. E, com a sua imaginação completam o quadro.

Tiveram algum problema de entrada em Israel?

Fomos tratados de forma excelente pelas autoridades de Israel, desde a viagem de avião, numa companhia aérea israelense, até a chegada ao aeroporto. Dispuseram todo tipo de facilidades e amavelmente agilizaram os procedimentos de entrada.

Jesus curou vários cegos ao longo de sua vida. Ocorreu, também, algum milagre nesses dias?

Após a chegada em Jerusalém alguns deles começaram a pedir em tom de piada "vamos a Siloé, pois para isso viemos...". Não era possível ir ao lugar onde o Senhor curou o cego de nascença, mas depois percebi que os cegos têm muito senso de humor, que gostam de fazer piadas relacionadas à sua limitação.

Certamente iriam ver os locais santos, com os olhos da fé, e acredito que esse desejo foi amplamente cumprido. Regressaram bem comovidos religiosamente, e todos com a convicção de que tinham "visto" a terra do Senhor.

Um dos peregrinos deixou escrito: "Junto do Cenáculo pudemos tocar o relevo em bronze que representa o colégio apostólico, acariciando a figura do Senhor que se faz de porta do Sacrário".  A fé necessita dos sentidos?

Sim. A Encarnação e os Sacramentos são a materialização do amor de Deus para que possamos apalpá-lo com os dedos. Percorreram um grande retábulo – que fica junto do Cenáculo - de bronze com as figuras dos apóstolos e de Jesus na Última Ceia. Puderam apalpar a gruta da Encarnação, que fica fechada para os peregrinos, mas que ficou aberta para eles. Ficamos muito impressionados, quando fecharam a Basílica, pela forma silenciosa deles, um por um, de entrarem para tocar as paredes e a estrela indicadora onde o Verbo se fez carne...

Ficaram admirados de poderem molhar as mãos com a água do rio Jordão, e também tiveram o privilégio de tocar numa das mais antigas oliveiras do Getsêmani, porque o irmão franciscano que custodia o lugar, permitiu-lhes que pisassem o jardim com a condição de que não arrancassem nenhuma folha. Abraçaram a oliveira centenária e saíram emocionados. Nessa noite fizeram uma hora de adoração ante o Santíssimo diante da rocha da agonia, e também puderam se confessar. Esse foi um dos momentos mais impressionantes.

"Eles iriam ver os locais santos, com os olhos da fé, e acredito que seus desejos foram amplamente cumprido".

Como se vive o espírito do Opus Dei, tão unido à vida ordinária, em uma ocasião extraordinária como foi essa peregrinação?

É muito fácil vivê-lo em uma peregrinação à Terra Santa. Na realidade, viver as normas do plano de vida e o espírito de serviço é o ordinário, e, sobretudo, com essas pessoas. E temos de ter em conta que o espírito de peregrinação também é ordinário, porque é o espírito de vigilância, de conversão, de estar a caminho para Deus... Podemos viver isso em qualquer circunstância.

O que aprendeu com essas pessoas cegas?

A olhar as coisas com maior profundidade, a contemplar, a captar aspectos que a agitação da vida em determinadas ocasiões não deixa ver de modo claro. Eles percebem as coisas com todo o seu ser, pois quando um cego não consegue ver com os seus olhos, então, ele se empenha com o restante de sua pessoa.

Além disso, as pessoas cegas são muito organizadas, sempre precisam ter cada coisa em seu devido lugar e são muito pontuais, facilitaram ao máximo a peregrinação; dez minutos antes de cada evento já estavam todos preparados.

Souberam prescindir das comodidades dos hotéis para ficar nas residências dos franciscanos, perto dos lugares sagrados, e poder empregar o tempo livre para passear (sempre acompanhados) pelos lugares santos. E era também altamente contagiosa sua alegria e o sentido de humor deles; transbordavam de felicidade.