Caminho, um guia para a oração

Algumas coordenadas para se introduzir no livro

Caminho é um livro incômodo. Mas não quero desanimar você logo de início. Quero lançar um desafio, porque sua tradição é tão extensa que vale a pena voltar às suas origens.

Primeiro, o título. “Caminho” é caminho de oração e caminho de amor. O caminho da vida espiritual, conhecer a si mesmo e conhecer Jesus.

O próprio Jesus nos diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. E no livro se lê: “Cruz, trabalhos, tribulações: os terás enquanto viveres. –Por esse caminho foi Cristo, e não é o discípulo mais que o Mestre” (Caminho, n. 699).

Muitos outros pontos fazem referência ao “caminho” ou ao “teu caminho”. O caminho para nos unirmos a Cristo. O caminho para a santidade. O caminho da vocação cristã. E, em última instância, o caminho é o próprio Cristo.

Certa vez, São Josemaria escreveu: “Sou muito amigo da palavra ‘caminho’, porque todos somos caminhantes rumo a Deus; somos viatores, estamos andando em direção ao Criador desde que viemos à terra. Uma pessoa que empreende um caminho tem um fim claro, um objetivo: quer ir de um lugar a outro; e, consequentemente, coloca todos os meios para chegar ilesa a esse fim; com a pressa suficiente, procurando não se desviar por trilhas laterais, desconhecidas, que trazem perigos de precipícios e de feras” (São Josemaria, Em diálogo com o Senhor, n. 68).

A riqueza e atualidade de Caminho, de seu texto e de sua mensagem, é surpreendente. Lido por milhões de pessoas, de culturas muito diferentes, cada um de seus 999 pontos tem vida própria, com contextos e circunstâncias muito diversos. Realmente são “pedaços de vida”, pontos de luz, originados sob a verdade do evangelho.

Suas palavras têm algo a nos dizer porque conectam com os anseios – luzes e sombras – deste nosso tempo. Caminho fala de pessoas reais, tal e como são, falam, pensam e sentem aqui e agora: sua mensagem continua falando às pessoas de hoje.

O homem moderno faz continuamente a dolorosa experiência da divisão e da solidão. Cansado da deriva que o arrasta, deseja vivamente experimentar a unidade e a comunhão: consigo mesmo, com o mundo que o rodeia e com Deus, embora às vezes esse mundo que deve amar apaixonadamente se apresente como uma ameaça.

Com esse clamor da humanidade de agora e de sempre conecta-se a mensagem humana e cristã de Caminho, que não oferece um diagnóstico teórico, mas uma orientação dentro do terreno da realidade onde o homem perde e ganha sua vida.

Caminho se dirige a qualquer ser humano que espera, vive, pensa e sofre no mundo, para falar da sua vida como um destino que não é trágico porque está guiado por uma Providência; para falar de sua existência completa como uma unidade de propósito; para falar, enfim, do curso de sua história terrena como a totalidade de um movimento criativo rumo à plenitude.

A “imagem do cristão” proposta em Caminho se estrutura em torno de três eixos: O primeiro é o mundo e a vida cotidiana da pessoa, em seu dinamismo positivo, contemplado na proximidade e bondade de Deus. O segundo é a primazia da ação de Deus, da graça da oração e da interioridade, que no livro se expressa, sobretudo, como vivência simples e natural da filiação divina. O terceiro confere à vocação cristã os traços de uma vocação essencialmente apostólica no mundo, todos temos uma missão especial na vida.

Um manual de uso

A oração é o caminho que nos acompanha na vida para alcançar essas três verdades sobre nós, Deus e o mundo. Como São João Paulo II afirma que São Josemaria é um “mestre na prática da oração”, quero aproveitar o prólogo do livro como um guia, um manual de uso, uma série de passos que São Josemaria nos convida a percorrer para adentrar-nos no caminho da oração.

“Lê devagar estes conselhos.

Medita pausadamente estas considerações.

São coisas que te digo ao ouvido, em confidência de amigo, de irmão, de pai. E estas confidências as escuta Deus.

Não te contarei nada de novo. Vou revolver as tuas recordações, para que aflore algum pensamento que te fira: e assim melhores a tua vida, e entres por caminhos de oração e de Amor.

E acabes por ser alma de critério”.

1º “Lê devagar estes conselhos”

O filósofo Leonardo Polo diz que “pensar é parar para pensar”. Logo, rezar é parar para rezar.

Devagar é uma referência ao recolhimento, ao silêncio. Quão difícil é ter uma conversa por telefone se não há sinal suficiente! Todos temos essa experiência simples: não se escuta o que um diz e o outro sim (“alô, está me ouvindo?”), ou se ouve entrecortado e não se entende. O tempo passa, é frustrante e o melhor é desligar e começar de novo, para ver se agora funciona.

O silêncio, o “devagar” é a cobertura para falar com Deus e conosco mesmos. Como antigamente não havia celulares, São Josemaria descreve o silêncio assim:

“O silêncio é como o porteiro da vida interior” (n. 281); “Procura encontrar diariamente alguns minutos dessa bendita solidão que tanta te falta faz para teres em andamento a vida interior” (ibid., n. 304).

Ler é uma atividade espiritual: dar passagem ao espírito.

Não podemos andar na velocidade imposta pelo mundo digital. A atenção ao conhecimento e ao amor exige um ritmo mais pausado. Com espaço para passar dos sentidos ao espírito.

A leitura implica abrir-se a uma Palavra, a uma mensagem diferente do eu. O mundo interior deve fazer referência a algo além de mim mesmo. Nesse sentido, a oração é possível porque Deus tem uma mensagem, uma Palavra, um diálogo dentro de Si mesmo. E, além disso, enviou essa boa notícia e nos fez participantes dela. Assim, a oração é sempre uma resposta à iniciativa divina, à presença de Deus.

Um filme recente de ficção, que analisa as emoções de uma adolescente, afirma que o motor da sua vida é esta frase: “Você não vale o suficiente!”. Esse pensamento leva a esforçar-se ao máximo, sempre mais, sem nunca estar satisfeito ou contente com o que se faz. A vida cristã é chamada a crescer e sempre podemos melhorar. Mas o esforço não é marcado pelo “você não vale o suficiente”, e sim por “você vale todo o sangue de Cristo”. Ou seja, você tem todo o amor do Pai, e é totalmente livre para responder com amor ao Amor. Essa é a mensagem que Jesus nos dirige. E precisamos ouvi-la: lê-la devagar.

2º “Medita pausadamente estas considerações”

Meditar supõe usar todas as ferramentas interiores: desejo, imaginação, sentidos, inteligência, vontade, coração. Essa mobilização é necessária para aprofundar na fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo.
Mas não se deve esquecer que a meditação não é algo acessível apenas aos superdotados ou àqueles com extraordinária capacidade de concentração: a oração é uma relação sincera de amor. Uma criança pode rezar melhor que um sábio.

E, novamente, pausadamente: sem pressa. Ou seja, sem esperar resultados imediatos. Isso representa um desafio, pois todos esperamos a resposta do WhatsApp, o like do Instagram ou o vídeo do TikTok. E se não chega ou o vídeo trava, que inquietação!

A meditação é algo muito mais desafiador. É uma busca. E não de algo, mas de alguém. Não é simplesmente saber onde está Wally. É encontrar Deus e a nós mesmos. “Queria recomendar para a minha amiga um ponto específico, mas não lembrava o número. E era justamente o que estava escrito no marcador: ‘Que procures Cristo: Que encontres Cristo. Que ames a Cristo’” (n. 382).

O cristão procura compreender o para quê de sua vida. Ou como sugere o Papa Francisco: o para quem da minha vida. E o como a estou vivendo hoje, agora, com o desejo de conhecer e responder ao que o Senhor me pede.

Num primeiro momento, costuma predominar a atividade da inteligência, que tenta aprofundar na verdade cristã e colocar a pessoa diante do mistério de Cristo. Meditar o que se lê, diz o Catecismo, conduz a apropriar-se daquilo confrontando com a própria vida, e passar dos pensamentos à realidade. Com ajuda da humildade e da fé pessoais, descobrem-se e discernem-se os movimentos que agitam o coração.

Nesse passo, é a vontade que costuma intervir mais e com ela toda a parte afetiva do ser humano. A partir da verdade atual da minha vida (o que sinceramente vemos que há de bom e de ruim), procuramos descobrir a vontade de Deus para mim (o que minha vida deve realmente ser) e nos dedicarmos a realizar aquilo que Deus quer e que eu sou.

Esse dedicar-se a realizar aquilo que somos na oração implica, em primeiro lugar, o desejo de mudar e de ser como Deus quer. Depois, a decisão da nossa vontade de nos conformarmos à vontade de Deus para nós. E, em seguida, o propósito, normalmente pequeno, de começar a colocar em prática essa decisão profunda da nossa vontade em um aspecto concreto e pontual da nossa vida.

Tudo isso, e é o mais importante, sabendo quem somos: nossa miséria e nossa grandeza.
Mas sobretudo com quem estamos: Deus que é nosso Pai, Jesus o Filho de Deus e oEspírito Santo, que é o Amor de Deus em nós. Dessa consciência de estarmos diante de Deus surgem os diversos atos de oração: adoração e louvor, arrependimento, ação de graças, súplica.

A oração cristã se aplica a meditar os mistérios da fé, preferencialmente a vida de Jesus Cristo. Mas a reflexão deve ir mais longe: rumo ao conhecimento do amor do Senhor e à união com Ele.

Trata-se de alimentar a inteligência para, a partir dela, aprofundar no conhecimento de si (nossa verdade de ser filho de Deus no meio do mundo) e de Deus. A partir da inteligência, é preciso chegar à vontade: para aceitar e amar essas verdades que vamos descobrindo ou percebendo com maior profundidade, conformando-nos à vontade de Deus na vida cotidiana. Esse exercício contínuo, a partir da inteligência e da vontade, penetra toda a realidade da pessoa: desejos, emoções, anseios, dificuldades etc. E conduz à união cada vez maior da nossa vida com a vida de Deus: o cristão em Deus e Deus no cristão.

Em suma, como nos ensina a experiência dos santos: “Orar é falar com Deus. Mas sobre o quê?” – De quê? D’Ele e de ti: alegrias, tristezas, êxitos e fracassos, ambições nobres, preocupações diárias..., fraquezas!; e ações de graças e pedidos; e Amor e desagravo. Em duas palavras: conhecê-Lo e conhecer-te – ganhar intimidade!” (n. 91.).

A oração é esse falar com Deus sobre toda a nossa vida e sobre a sua Vida; conhecer a si mesmo (nossa verdade de filhos de Deus e nossas circunstâncias pessoais, familiares e sociais: alegrias, tristezas, êxitos e fracassos etc.) e conhecer Deus cada vez com maior profundidade; relacionar-se com Ele sendo cada vez mais conscientes da proximidade de Deus, de que a vida cristã é a vida escondida com Cristo em Deus, de que Deus nos ama e nós podemos amar a Deus.

3º “1) São coisas que te digo ao ouvido, em confidência de amigo, de irmão, de pai. 2) E essas confidências as escuta Deus”.

1) CONFIANÇA

O autor de Caminho, São Josemaria, tem uma presença muito viva de Deus no cotidiano. Deus não vive lá em cima, onde estão as estrelas.

“É preciso convencer-se de que Deus está sempre ao nosso lado. Vivemos como se o Senhor estivesse lá longe, onde brilham as estrelas, e não consideramos que Ele também está sempre ao nosso lado. E Ele está como um Pai amoroso – Ele ama cada um de nós mais do que todas as mães do mundo podem amar seus filhos –, ajudando-nos, inspirando-nos, abençoando-nos... e perdoando-nos” (n. 267).

Com a naturalidade e a simplicidade de uma criança, vive e anima a viver o mistério central do cristianismo: Deus Pai, através da humanidade de Cristo e de Maria, pela ação do Espírito Santo.

Por isso, sua oração e suas palavras são diretas: muito humanas e simples, nada sofisticadas. A vida de cada dia, com muitos episódios normais e cotidianos, mas cheios de Deus.

Por isso, a chave de sua mensagem é CONFIAR em Deus. A fé é acreditar no amor que Deus tem por nós. Bento XVI explica isso citando São João no início da encíclica Deus caritas est: “Nós conhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos nele”.

A oração é a prática dessa fé: a relação amigável, íntima e confiante com Deus. E tem como fruto a confiança em si mesmo e nos outros. E, portanto, viver na verdade. A oração é viver na própria casa, na verdade profunda do coração, no fundo da alma: anseios, sonhos, desejos, afetos, amores. Que hoje estão cobertos e não vêm à luz, por desejos, afetos e misérias mais medíocres e superficiais, mas que impedem alcançar a identidade profunda de cada um. Mergulhar com Deus no próprio coração: “conhecer-Te e conhecer-me” (Santo Agostinho).

2) CONTEMPLAÇÃO: “E essas confidências as escuta Deus”

Viver a partir daí: do coração cheio de fé que leva à adoração e ao louvor, ação de graças, o perdão e arrependimento, súplica por todos e por tudo. Viver como alma contemplativa.

A contemplação é o nível mais profundo da relação com Deus que cristãos devem alcançar. O ápice da oração cristã: rezar (oração vocal), meditar (oração mental) e viver contemplando (presença de Deus contínua).

E, ao mesmo tempo, sua realidade mais simples: olhar para Deus e saber que Ele nos olha, mantendo essa presença intensa de Deus em todo momento e atividade. Mas, como o simples, no âmbito espiritual, é o mais perfeito e rico, não é fácil abarcá-lo em conceitos.

A contemplação é o diálogo do filho com seu Pai Deus.

Um filho que se sabe amado por seu Pai de maneira infinita, e que quer corresponder amando ainda mais. Mas percebendo que o amor para chegar a Deus, à união com Deus, só pode ser um amor sobrenatural, um dom gratuito acima das capacidades humanas. Um amor que é o próprio Espírito-Amor de Deus derramado no coração do cristão. A contemplação é a percepção dessa realidade maravilhosa de ser cristão. Posso amar como Deus porque Deus está em mim. Posso amar como Deus e me unir cada vez mais intimamente a Deus, à sua vontade de Pai, porque cada vez me uno mais profundamente a Cristo, até o ponto de me converter em outro Cristo, no próprio Cristo.

A contemplação é crescimento ou aperfeiçoamento da fé.

A fé nos faz direcionar o pensamento a Deus e descobrir a maravilha de seu ser e de sua presença em nós. A fé é olhar para Deus e pensar Nele continuamente, mantendo uma amizade habitual com Ele, falando com Ele em nossos corações ao longo do dia. Contemplar Deus é descansar no pensamento de Deus esquecendo-se de si mesmo.

“A oração expressa todos os sentimentos do coração”. A contemplação não é uma operação meramente intelectual. O pensamento de Deus leva a amar, esperar, alegrar-se, admirar, honrar, adorar.

Toda uma série de atos que englobam a realidade humana completa. Nesses atos já participamos, de certo modo, da bem-aventurança, porque nosso coração pode descansar e estar satisfeito com a posse de Deus. A contemplação não é sentimento, nem atividade, nem conhecimento: é amor que abarca tudo.

A contemplação cristã é conhecer amando e amar conhecendo em uma compenetração profunda e vital. Olhar-contemplar Deus e saber que Ele nos olha-contempla: saber da presença e proximidade de Deus, que leva a amá-lo, e ao desejo-necessidade de saber e amar mais – ou seja, não apenas em momentos pontuais, mas habitualmente, ao longo de todo o dia – e melhor.

E amar a Deus, mas também ao mundo que Deus ama. Amor a Deus e ao próximo formam uma unidade inseparável. Essa unidade, numa pessoa situada no mundo, implica não apenas amor interior, mas obras de amor, amor manifestado em ações. As obras de uma pessoa guiada por uma inteligência cristã – iluminada pela fé em Cristo, pela maneira como Cristo vê a realidade – são obras que expressam o amor a Deus e aos homens, não estão fora dessa noção de contemplação.

Consequentemente, contemplação e ação se apresentam como atitudes entre as quais não há incompatibilidade, mas sim complementaridade e exigência mútua.

4º “Não te contarei nada de novo. Vou revolver as tuas recordações, para que aflore algum pensamento que te fira...”

CORAÇÃO, FERIDAS DE AMOR

Não se trata de buscar coisas novas fora de nós, mas de mergulhar em nós mesmos porque ali está tudo: Deus, eu e os outros. Para se referir a isso, os místicos (especialistas em oração) falavam da ferida, da ferida de amor.

Caminho às vezes é muito direto e pretende, de certo modo, “ferir”. Veja o que diz Irina (Almaty, Cazaquistão):

“Um dos primeiros livros de São Josemaria que eu li foi Caminho. E minha primeira reação foi sentir medo. Para mim, como filóloga, era estranho ver tantos imperativos diretos: Pensa! Tenta! Age! Sofre! Tem paciência! Trabalha! Faz! Diz! Luta! Experimenta! Não te esqueças!

Além disso, o autor se dirige ao leitor usando o ‘tu’. Isso me parecia muito direto e categórico. E não gostava da forma como as coisas eram ditas, como se fossem jogadas na cara, de modo forte: ‘és covarde’; ‘já é hora de rejeitar essa estranha compaixão que sentes por ti mesmo’; ‘a humilhação e a vergonha’; ‘não te esqueças de que és… o depósito do lixo’; ‘teu maior inimigo és tu mesmo’.

Comecei a pensar e a reler o livro várias vezes; e comecei a sentir como uma mão firme me guiava no caminho, com firmeza, decisão e confiança. O estilo literário da obra já não me parecia tão categórico e duro, mas comecei a pensar que era necessário falar assim com pessoas que querem levar a vida a sério”.

Ferida vem do latim vulnera. Hoje, quando se fala de amor, fala-se muito de “vulnerabilidade”. Ou seja, escolher amar significa escolher tornar-se vulnerável (passível de ser ferido) no mais íntimo e verdadeiro de si mesmo. A oração busca isso: atravessar as camadas mais superficiais da nossa vida até chegar ao coração; e ali, abrir a porta para Jesus, para o Pai, para o Espírito Santo, para que passeiem conosco livremente.

O amor fere porque provoca presença e ausência, alegria e dor. Em alguns momentos estamos muito, muito bem, como nunca. Mas, ao mesmo tempo, estamos muito, muito insatisfeitos, porque desejamos cada vez mais intensamente amar mais e ser mais amados.

No fundo, é na oração que descobrimos quem realmente somos. Nossa indigência (pobreza, miséria, mendicância) e riqueza.

Ao longo da história da salvação, Deus sempre se mostra na indigência ou fraqueza dos homens. Embora pensemos que Deus se manifesta em nossa força, a realidade, como diz o Papa Francisco, é que Deus age até mesmo através de nossa fraqueza, como a Misericórdia que tudo cobre (Cf. Patris corde, 2).

Na verdade, a oração surge da necessidade, da indigência pessoal do cego que quer ver. Não somos cada um de nós cegos, aleijados e surdos para o que é importante?

Dessa necessidade vital, unida ao desejo de felicidade que move nossa existência, nasce a pergunta verdadeira. Uma pergunta que, para superar a aparência da nossa superfície, precisa de pausa, silêncio, recolhimento:

  • Eu tenho tudo o que desejo/quero? Ou me falta o essencial: o amor, a pureza, a entrega etc.?
  • Eu desejo/quero o que tenho? Minha imagem, o sucesso profissional, estes sapatos etc.?
  • Depois, continuar: Como desejar o que vale a pena desejar e não o que é falso? Como ter de verdade o que quero ter e não o que é falso?

Mas justamente, quando chego ao fundo da minha fraqueza, encontro minha riqueza, minha verdade, minha salvação. Só Deus pode me dar isso, só Jesus Cristo pode me salvar.

  • Pode me dar Deus, pode me explicar quem eu sou e pode fazer com que eu viva como sou.

Isso é oração: não é um exercício esquisito, mas buscar com Deus a verdade da vida e amá-la. Mas a verdade profunda, não o supérfluo. Viver a partir do coração.

5º “e assim melhores a tua vida, e entres por caminhos de oração e de Amor. E acabes por ser alma de critério”.

Melhores a tua vida. AÇÃO.

Caminhos de oração e de Amor. AMOR.

Ser alma de critério. PERSONALIDADE. UNIDADE DE VIDA.

Os atos da oração: petição, arrependimento, ação de graças, louvor e adoração.

Como toda conversa, se for verdadeira e autêntica, a oração realiza uma mudança, uma melhora. Pense em conversas que marcaram sua vida: com seu pai ou sua mãe, com um amigo ou amiga, com alguém mais velho ou mais jovem. A mudança ocorre na própria conversa. Também na oração, só que aqui a conversa é com Deus. O pedir perdão de verdade, ou pedir ajuda para nós ou para uma pessoa querida, agradecer pelas grandes coisas da nossa vida e pelas pequenas, reconhecer a grandeza e bondade de Deus… todos esses atos da oração nos preenchem e nos melhoram a partir da nossa verdade mais íntima. E quando algo nos faz bem, gostamos, dispomo-nos a continuar experimentando: seguimos por esse caminho de oração e de Amor.

Desde sua primeira linha até a última, Caminho, trata disso. “Que a tua vida não seja uma vida estéril” (n. 1). Enamora-te e não O deixarás” (n. 999). Viva sua vida ao máximo, desde já. Seja jovem ou idoso, o que importa é o agora, o presente, o hoje. Verdadeiramente: carpe diem! Aproveite ao máximo este momento.

Cristo preenche tudo em suas páginas, pois Cristo é o Caminho do homem; e o fundo do homem – seu coração – se esclarece à luz da Verdade de Cristo e se inflama com o Amor de Cristo. Daí o impulso que o livro provoca para uma vida humana plena, inseparável das exigências – talvez esquecidas ou adormecidas – da vida nova dos filhos de Deus. Vida Sobrenatural, Fé, Caridade, A Virgem Maria, Santa Missa, A Igreja, Oração, Mortificação, Comunhão dos Santos etc.: o genuíno da vocação cristã.

Caminho fala do encontro com o Evangelho, ou seja, com a Vida e a Palavra do Redentor, com o mundo sobrenatural que suavemente, sem estridências, com impensável naturalidade, se faz presente nas coisas normais do dia a dia. O impacto desse espírito de Vida na vida das pessoas faz brotar a reflexão, a experiência, o elogio, o alerta, o fogo da entrega, a frieza da recusa, o compromisso abraçado, o conselho, o louvor a Deus, a manifestação sincera de incapacidade, dificuldade ou miséria, o pedido de ajuda, o ânimo de algumas palavras, o impulso à fidelidade, a abertura de horizontes inesperados…

“Não há outro amor além do Amor!” (n. 417). Esse é o clamor que ressoa em cada ponto de Caminho, e que fere docemente a consciência: o compromisso do Amor. Por meio dele, o coração de Cristo e o do cristão palpitam em uníssono; a liberdade amorosa de Deus e a liberdade agradecida da criatura; a ação do Espírito e a correspondência do cristão à graça.

São Josemaria percebeu a fome tão grande que existe no mundo: fome de sentido e de verdadeira liberdade, fome de purificação interior, fome de compreensão e amizade que se escondem, frequentemente, atrás das fachadas branqueadas de nossas belas sociedades. Viu que sua tarefa era mostrar um caminho para uma felicidade profunda e duradoura – um caminho para Cristo – e semeou a palavra de Deus generosamente. Assim se tornou um mestre espiritual, e esse mestre aconselha o leitor com suas 999 flechas a entrar “por caminhos de oração e de amor” para chegar a ser uma alma “de critério”. Oferece, em outras palavras, um caminho de amor rumo à maturidade cristã que se alcança no trato com Deus.

“Espera tudo de Jesus; tu nada tens, nada vales, nada podes. - Ele agirá, se nEle te abandonares”(n. 731).

São palavras autobiográficas, como comentava anos depois: “O tempo passou, e aquela convicção minha se tornou ainda mais robusta, mais profunda”. A esperança do cristão é luta, e abandono em Deus. Segurança e certeza do fim, junto com a íntima convicção de que é necessário empregar todos os meios ao seu alcance. Em suma, virtude de caminhantes que sabem estar próximos da meta, embora ainda faltem longos trechos a percorrer e muitas batalhas a travar.

    Pablo Martí