Bíblia de Navarra é apresentada depois de 33 anos de trabalho

Em 1971, a Universidade de Navarra (UN) iniciou uma enorme tarefa que concluiu 33 anos depois, em 2004, graças ao trabalho de mais de 20 pessoas: uma edição em espanhol da Bíblia, traduzida diretamente dos idiomas originais: hebraico, aramaico e grego.

Ontem foi apresentado na Associação de Imprensa de Madri o quinto volume – o Novo Testamento –, que encerra muitos anos de trabalho. O texto, rejuvenescido pela nova versão espanhola, foi completado com uma grande quantidade de comentários que são uma espécie de apanhado de quase 2.000 anos de interpretações. As mais de 3000 citações de santos, autores espirituais e do Magistério da Igreja recordam como foram lidas as passagens da Bíblia ao longo do tempo.

Essa espécie de biografia do livro dos livros que é a chamada “Bíblia de Navarra” foi inclusive um pouco mais ampliada. Cada passagem traduzida é acompanhada ao pé da página com o correspondente fragmento da Neovulgata, a versão em latim da Bíblia que a Igreja adotou como oficial no Concílio Vaticano II, nos fins dos anos 70, e que atualizava a Vulgata, traduzida também ao latim por São Jerônimo no século IV.

Onde estão os textos?

Para esta nova versão em espanhol, o grupo de pesquisadores da Faculdade de Teologia da UN decidiu começar o caminho pelo princípio, buscando as versões originais dos textos. Mesmo que não fosse tão simples. Como explica Juan Chapa, membro do conselho de redação da Bíblia de Navarra, “não se tem nenhum texto original tal como saiu da pena dos autores”. Conservam-se, unicamente, cópias desses originais, “algumas em papiro, que era o material em que se escreviam os livros na antiguidade, e outras, posteriores, em pele, em pergaminho”.

Os papiros mais antigos, alguns do século I a.C., conservam-se em Qumran, no Mar Morto. São textos pertencentes ao Antigo Testamento escritos sobretudo em hebraico, ainda que também haja alguns em aramaico. Entre eles se podem encontrar, por exemplo, duas versões completas do livro de Isaías. O resto são fragmentos, alguns muito amplos, dos demais livros do Antigo Testamento, exceto o de Ester.

Em Qumran, os papiros são guardados protegidos em vitrines, motivo pelo qual os pesquisadores trabalham sobre edições críticas desses textos, como as que são editadas no Stuttgart Bibel Wissenschaft. O Novo Testamento

Mas isso é só o Antigo Testamento. As versões que se conservam no Novo são de datas mais próximas aos fatos que narram. Na biblioteca John Rylands de Manchester se conserva, por exemplo, o chamado papiro Rylands, o mais antigo, vários fragmentos do Evangelho de São João, de uma cópia feita em 125 d.C., cerca de 30 ou 40 anos depois do original.

Além disso, conservam-se manuscritos de outros fragmentos do Novo Testamento dos séculos II, III e IV. Todos os originais dessa parte que inclui o quinto volume da Bíblia de Navarra estão em grego, enquanto que a maioria dos textos do Antigo Testamento está em hebraico, ainda que também haja alguns em aramaico e em grego.

Como queriam partir dos papiros e pergaminhos mais próximos aos originais, os pesquisadores da UN começaram a aprender estas línguas. Francisco Varo, membro do conselho de redação, passou inclusive sete verões em Israel, onde o hebraico foi ressuscitado depois de ter estado morto por uns 1.800 anos. “O hebraico que se fala agora ali é parecido ao bíblico. Comecei a estudá-lo, com o aramaico, na Universidade de Salamanca, mas lá se estuda como o latim: serve para traduzir, mas não dá fluência. Por isso fui a Israel. Em aramaico há poucos capítulos, de maneira que não houve maiores problemas”. Em outro caso, poderia ter ido à Síria: o siríaco se parece com o aramaico bíblico.

Melões e Melancias

Estas visitas, somadas às compras feitas nos mercados locais, lhe permitiram não cometer alguns erros que têm sido herdados nas sucessivas versões da Bíblia em espanhol. Há uma passagem do livro dos Números em que os israelitas se queixam a Moisés, que os está tirando do Egito, pela comida: as panelas de peixe, os alhos e as melancias. “Quando eu estava traduzindo – conta Varo – acabava de ter passado o verão por lá, onde fazia as compras, e por isso não olhei o dicionário e traduzi ‘melancias’. Na revisão, tiraram ‘melancias’ e puseram ‘melões’, porque todas as bíblias põem ‘melões’”. Porém, no final deixaram ‘melancias’, que é o correto, o que dão no mercado ao se dizer a palavra hebraica correspondente.

Além da tradução, os pesquisadores dão importância aos comentários, mais de 2.500 páginas manuscritas. A versão inglesa feita com eles vendeu já mais de meio milhão de cópias nos EUA, Irlanda e Austrália. Uma versão à altura do que, na apresentação de ontem, o catedrático emérito de Filologia Clássica, Antonio Fontán, disse que era “a obra literária mais importante da História universal”.

    Gaceta de los Negocios - David Álvarez