Ano Novo com o Papa

Acompanhe as palavras do Santo Padre durante as celebrações de Ano Novo.

Angelus na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus

Maria que coloca-se entre seu Filho Jesus e os homens, na realidade das suas privações, indigências e sofrimentos, especialmente os mais fracos e em dificuldades, foi a tônica da reflexão do Papa Francisco no Angelus do primeiro dia do ano, Solenidade da Mãe de Deus e 51º Dia Mundial da Paz.

Ao dirigir-se aos milhares e fiéis e turistas presentes na Praça São Pedro, o Papa recordou que a Igreja coloca na “primeira página do ano novo que o Senhor nos concede”, “uma estupenda miniatura, a solenidade litúrgica de Maria Santíssima Mãe de Deus”.

Desta forma, convida a fixarmos nela o olhar, “para retomar sob sua materna proteção, a longa jornada ao longo dos caminhos do tempo”.

Francisco observa que o Evangelho do dia nos remete à Belém, com a chegada dos pastores à estrabaria, que falam a Maria e José sobre o anúncio que receberam dos anjos, de que o recém nascido é o Salvador. Todos ficaram maravilhados, mas “Maria conservava todas estas coisas em seu coração”.

Assim, “a Virgem nos faz entender como deve ser acolhido o evento do Natal: não superficialmente, mas no coração. Nos indica o verdadeiro modo de receber o dom de Deus: conservá-lo no coração e meditá-lo. É um convite dirigido a cada um de nós para rezar contemplando e saboreando este dom que é o próprio Jesus ”.

Além de ser Mãe de Jesus, ela é também a sua “primeira discípula”, desta forma, “dilata” a sua maternidade.

Por meio dela, realiza-se o primeiro “sinal milagroso” em Caná, o que “contribui para suscitar a fé dos discípulos”.

“Com a mesma fé” – disse o papa - ela está presente “aos pés da cruz e recebe como filho o apóstolo João” e “após a ressurreição, torna-se mãe orante da Igreja sobre a qual desce com poder o Espírito Santo no dia de Pentecostes”:

Como mãe, Maria desempenha uma função muito especial: coloca-se entre seu Filho Jesus e os homens na realidade das suas privações, na realidade de suas indigências e sofrimentos. Maria intercede, consciente de que enquanto mãe pode, aliás, deve apresentar ao Filho as necessidades dos homens, especialmente os mais fracos e em dificuldades

E é a estas pessoas – recorda o Pontífice - que é dedicado o tema do Dia Mundial da Paz hoje celebrado: “Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz”.

Francisco reitera então seu desejo de fazer-se “voz destes nossos irmãos e irmãs que invocam para o seu futuro um horizonte de paz”, uma paz que é direito de todos, e “muitos deles – observa - estão dispostos a arriscar a vida em uma viagem que em grande parte dos casos é longa e perigosa, a enfrentar dificuldades e sofrimentos”:

Não apaguemos a esperança de seus corações; não sufoquemos as suas expectativas de paz! É importante que da parte de todos, instituições civis, realidades educacionais, assistenciais e eclesiais, exista o esforço de assegurar aos refugiados, aos migrantes, a todos, um futuro de paz.

Que neste ano, pediu o Papa, possamos agir “com generosidade para realizar um mundo mais solidário e acolhedor”, convidando a todos a rezarem nesta intenção, ao mesmo tempo em que confia “a Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa, o ano de 2018 recém iniciado”.

Francisco recordou que os antigos monges russos, místicos, diziam que em tempos de tribulação espiritual, era necessário colocar-se sob o manto da Santa Mãe de Deus. Pensando nas tantas tribulações de hoje, mas sobretudo aos migrantes e refugiados, rezemos como eles nos ensinaram a rezar”:

Sob sua proteção buscamos refúgio, Santa Mãe de Deus: não desprezai as nossas súplicas que passamos por provações, mas livrai-nos de todo perigo, ó Virgem gloriosa e bem-aventurada ”.

Após rezar o Angelus com os fiéis reunidos na Praça São Pedro, o Papa Francisco, no “limiar de 2018”, dirigiu a todos seus “cordiais votos de todo bem pelo novo ano”.

A seguir agradeceu e retribuiu as felicitações recebidas na noite do dia 31 do presidente da República italiana, Sergio Matarella, desejando ao povo italiano “um ano de serenidade e de paz, iluminado pela constante bênção de Deus”.

O Santo Padre então manifestou o seu apreço “pelas múltiplas iniciativas de oração e de ação pela paz, organizadas em todas as partes do mundo por ocasião do Dia Mundial da Paz”, recordando as diversas organizações e entidades envolvidas, com particular referência à Comunidade de Santo Egídio, responsável pela manifestação “Paz em toda a terra” realizada em Roma e em muitos países.

Ao renovar os votos de “um ano de paz na graça do Senhor e com a proteção materna de Maria, a Santa Mãe de Deus”, o Papa Francisco despediu-se pedindo aos presentes para não esquecerem de rezar por ele.

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Homilia do Santo Padre na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus (1º de janeiro de 2018 - 51˚ Dia Mundial da Paz

O Ano tem início sob o nome da Mãe de Deus. Mãe de Deus é o título mais importante de Nossa Senhora. Mas a alguém poderia vir a pergunta: por que dizemos «Mãe de Deus», e não Mãe de Jesus? Alguns, no passado, pediram para nos cingirmos a isto, mas a Igreja afirmou: Maria é Mãe de Deus. Devemos estar-lhe agradecidos, porque, nestas palavras, se encerra uma verdade esplêndida sobre Deus e sobre nós mesmos, ou seja: desde que o Senhor Se encarnou em Maria – desde então e para sempre –, traz a nossa humanidade agarrada a Ele. Já não há Deus sem homem: a carne que Jesus tomou de sua Mãe, continua ainda agora a ser d’Ele e sê-lo-á para sempre. Dizer «Mãe de Deus» lembra-nos isto: Deus está perto da humanidade como uma criança da mãe que a traz no ventre.

A palavra mãe (mater) remete também para a palavra matéria. Em sua Mãe, o Deus do céu, o Deus infinito fez-Se pequenino, fez-Se matéria, não só para estar connosco, mas também para ser como nós. Eis o milagre, eis a novidade: o homem já não está sozinho; nunca mais será órfão, é para sempre filho. O Ano tem início com esta novidade. E nós proclamamo-la dizendo assim: Mãe de Deus! É a alegria de saber que a nossa solidão está vencida. É a maravilha de nos sabermos filhos amados, de sabermos que esta nossa infância nunca mais nos poderá ser tirada. É espelharmo-nos em Deus frágil e menino nos braços da Mãe e vermos que a humanidade é querida e sagrada para o Senhor. Por isso, servir a vida humana é servir a Deus, e toda a vida – desde a vida no ventre da mãe, até à vida envelhecida, atribulada e doente, à vida incómoda e até repugnante – deve ser acolhida, amada e ajudada.

Deixemo-nos agora guiar pelo Evangelho de hoje. Da Mãe de Deus, diz-se apenas uma frase: «guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração» ( Lc 2, 19). Guardava. Simplesmente… guardava; Maria não fala: d’Ela, o Evangelho não refere uma palavra sequer, em toda a narração do Natal. Também nisto a Mãe Se associa ao Filho: Jesus é infante, ou seja, «sem dizer palavra». Ele, o Verbo, a Palavra de Deus que «muitas vezes e de muitos modos falara nos tempos antigos» ( Heb 1, 1), agora, na «plenitude dos tempos» (Gal 4, 4), está mudo. O Deus, na presença de Quem se guarda silêncio, é um menino que não fala. A sua majestade é sem palavras, o seu mistério de amor desvenda-se na pequenez. Esta pequenez silenciosa é a linguagem da sua realeza. A Mãe associa-Se ao Filho e guarda no silêncio.

E o silêncio diz-nos que também nós, se nos quisermos guardar a nós mesmos, precisamos de silêncio. Precisamos de permanecer em silêncio, olhando o presépio. Porque, diante do presépio, nos redescobrimos amados; saboreamos o sentido genuíno da vida. E, olhando em silêncio, deixamos que Jesus fale ao nosso coração: deixamos que a sua pequenez desmantele o nosso orgulho, que a sua pobreza desinquiete as nossas sumptuosidades, que a sua ternura revolva o nosso coração insensível. Reservar cada dia um tempo de silêncio com Deus é guardar a nossa alma; é guardar a nossa liberdade das banalidades corrosivas do consumo e dos aturdimentos da publicidade, da difusão de palavras vazias e das ondas avassaladoras das maledicências e da balbúrdia.

Maria guardava – continua o Evangelho – todas estas coisas, meditando-as. Quais eram estas coisas? Eram alegrias e aflições: por um lado, o nascimento de Jesus, o amor de José, a visita dos pastores, aquela noite de luz; mas, por outro, um futuro incerto, a falta de uma casa, «porque não havia lugar para eles na hospedaria» ( Lc 2, 7), o desconsolo de ver fechar-lhes a porta; a desilusão por fazer Jesus nascer num curral. Esperanças e angústias, luz e trevas: todas estas coisas preenchiam o coração de Maria. E que fez Ela? Meditou-as, isto é, repassou-as com Deus no seu coração. Nada conservou para Si, nada encerrou na solidão nem submergiu na amargura; tudo levou a Deus. Foi assim que guardou. Entregando, guarda-se: não deixando a vida à mercê do medo, do desânimo ou da superstição, não se fechando nem procurando esquecer, mas dialogando tudo com Deus. E Deus, que Se preocupa connosco, vem habitar nas nossas vidas.

Aqui temos os segredos da Mãe de Deus: guardar no silêncio e levar a Deus. Isto realizava-se – conclui o Evangelho – no seu coração. O coração convida a pôr os olhos no centro da pessoa, dos afetos, da vida. Também nós – cristãos em caminho –, ao princípio do Ano, sentimos a necessidade de recomeçar do centro, deixar para trás os pesos do passado e partir do que é importante. Temos hoje diante de nós o ponto de partida: a Mãe de Deus. Pois Maria é como Deus nos quer, como quer a sua Igreja: Mãe terna, humilde, pobre de coisas e rica de amor, livre do pecado, unida a Jesus, que guarda Deus no coração e o próximo na vida. Para recomeçar, ponhamos os olhos na Mãe. No seu coração, bate o coração da Igreja. Para avançar – diz-nos a festa de hoje –, é preciso recuar: recomeçar do presépio, da Mãe que tem Deus nos braços.

A devoção a Maria não é galanteria espiritual, mas uma exigência da vida cristã. Olhando para a Mãe, somos encorajados a deixar tantas bagatelas inúteis e reencontrar aquilo que conta. O dom da Mãe, o dom de cada mãe e cada mulher é tão precioso para a Igreja, que é mãe e mulher. E, enquanto o homem muitas vezes abstrai, afirma e impõe ideias, a mulher, a mãe sabe guardar, fazer a ligação no coração, vivificar. Porque a fé não se pode reduzir apenas a ideia ou a doutrina; precisamos, todos, de um coração de mãe que saiba guardar a ternura de Deus e ouvir as palpitações do homem. A Mãe, autógrafo de Deus sobre a humanidade, guarde este Ano e leve a paz de seu Filho aos corações, aos nossos corações, e ao mundo inteiro. E, como filhos d’Ela, convido-vos a saudá-La hoje, simplesmente, com a saudação que os cristãos de Éfeso pronunciavam diante dos seus Bispos: «Santa Mãe de Deus!» Com todo o coração, digamos três vezes, todos juntos, fixando-A [voltados para a sua imagem posta ao lado do altar]: «Santa Mãe de Deus!

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Primeiras Vésperas e Te Deum de ação de graças pelo ano que passou

“Nesta atmosfera criada pelo Espírito Santo, nós elevamos a Deus a ação de graças pelo ano que termina, reconhecendo que todo o bem é um presente seu".

Ao presidir na Basílica de São Pedro no final da tarde deste 31 de dezembro as primeiras Vésperas da Solenidade da Mãe de Deus, com a adoração ao Santíssimo Sacramento e o canto do Te Deum, o Papa Francisco agradeceu pelo ano que passou, recordando que Maria é “a primeira a experimentar esse sentido de plenitude doado pela presença de Jesus.

«Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho»

“Esta celebração vespertina – disse o Pontífice ao iniciar - respira a atmosfera da plenitude do tempo. Não porque estamos na última noite do ano solar, não é isso, mas porque a fé nos faz contemplar e sentir que Jesus Cristo, Verbo encarnado, deu plenitude ao tempo do mundo e à história humana”.

«Nasceu de uma mulher»

E “a primeira a experimentar esse sentido de plenitude doada pela presença de Jesus foi a “mulher” da qual Ele nasceu. A Mãe do Filho encarnado, Theotokos, Mãe de Deus. Através dela, por assim dizer, brotou a plenitude do tempo: através de seu coração humilde e cheio de fé, através de sua carne toda impregnada do Espírito Santo”.

Dela a Igreja herdou e continuamente herda essa percepção interior da plenitude, que alimenta um sentido de gratidão, como única resposta humana digna do dom imenso de Deus.

Uma gratidão pungente, que, partindo da contemplação daquele Menino envolto em faixas e colocado numa manjedoura, se estende a tudo e a todos, ao mundo inteiro.

É um “obrigado” que reflete a Graça; não vem de nós, mas d'Ele; não vem do eu, mas de Deus, e envolve o eu e o nós.

Nesta atmosfera criada pelo Espírito Santo, nós elevamos a Deus a ação de graças pelo ano que termina, reconhecendo que todo o bem é um presente seu.

Também este tempo do ano de 2017, que Deus nos havia dado íntegro e saudável, nós humanos de muitas maneiras o desperdiçamos e ferimos com obras de morte, com mentiras e injustiças. As guerras são um sinal flagrante desse orgulho persistente e absurdo.

Mas também o são todas as pequenas e grandes ofensas contra a vida, a verdade, a fraternidade, que causam diversas formas de degradação humana, social e ambiental. Por tudo isto queremos e devemos assumir, diante de Deus, dos irmãos e da Criação, a nossa responsabilidade.

Mas nesta noite prevalece a graça de Jesus e seu reflexo em Maria. E prevalece por isto a gratidão que, como Bispo de Roma, sinto na alma pensando nas pessoas que vivem com o coração aberto nesta cidade.

Experimento um sentimento de simpatia e gratidão por todas as pessoas que a cada dia contribuem com pequenos mas preciosos gestos concretos ao bem de Roma: procuram cumprir da melhor maneira o seu dever, deslocam-se no trânsito com critério e prudência, respeitando os lugares públicos e assinalam as coisas que não estão bem, estão atentas às pessoas idosas ou em dificuldades, e assim por diante.

Esses e outros mil comportamentos expressam concretamente o amor pela cidade. Sem discursos, sem publicidade, mas com um estilo de educação cívica praticada no dia-a-dia. E assim, cooperam silenciosamente para o bem comum.

Da mesma forma, sinto em mim uma grande estima pelos pais, os professores e todos os educadores, que com este mesmo estilo, procuram formar as crianças e adolescentes ao sentido cívico, a uma ética da responsabilidade, educando-os para sentirem-se parte, a cuidar, a se interessarem pela realidade que os circunda.

Essas pessoas, mesmo que não sejam notícia, são a maior parte das pessoas que vivem em Roma. E entre elas, muitas se encontram em condições econômicas precárias, e mesmo assim, não ficam lamentando, não cultivam ressentimentos e rancores, mas se esforçam para fazer a cada dia a sua parte a fim de melhorar um pouco as coisas.

Hoje, ao dar graças a Deus, convido todos a manifestar um reconhecimento a todos esses artesãos do bem comum, que amam a sua cidade, não com palavras, mas com os fatos”.