A verdadeira e a falsa oração

Na Audiência dessa quarta-feira, o Papa Francisco ressaltou que "o pior serviço que pode ser prestado, a Deus e também ao homem, é rezar com tédio. Rezar como um Papagaio. Não! Reza-se com o coração".

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje temos que mudar um pouco o modo de realizar esta audiência devido ao coronavírus. Vocês estão distanciados, também protegidos pela máscara e eu estou aqui um pouco afastado e não posso fazer o que faço sempre, aproximar-me de vocês, pois cada vez que me aproximo, vocês se aproximam todos juntos e perde-se a distância e há o perigo de contágio para vocês. Lamento fazer isto, mas é para a segurança de vocês. Em vez de me aproximar de vocês, apertando as mãos e saudando, cumprimentamo-nos de longe, mas saibam que estou perto de todos com o coração. Espero que compreendam por que estou fazendo isto. Depois, enquanto os leitores liam a passagem bíblica, chamou a minha atenção aquele menino ou menina que chorava. E vi a mãe que abraçava e amamentava o bebê e pensei: “É assim que Deus faz conosco, como aquela mãe”. Com quanta ternura segurava o bebê, para o amamentar. Estas são belas imagens. E quando isto acontece na Igreja, quando um bebê chora, sabemos que existe a ternura de uma mãe, como hoje, existe a ternura de uma mãe que é o símbolo da ternura de Deus para conosco. Nunca silenciar uma criança que chora na Igreja, nunca, porque é a voz que atrai a ternura de Deus. Obrigado pelo testemunho.

Hoje completamos a catequese sobre a oração dos Salmos. Em primeiro lugar, notamos que nos Salmos aparece frequentemente uma figura negativa, a do “ímpio”, ou seja, aquele ou aquela que vive como se Deus não existisse. É a pessoa sem qualquer referência ao transcendente, sem freios na sua arrogância, que não teme o julgamento sobre o que pensa e o que faz.

Por esta razão, o Saltério apresenta a oração como a realidade fundamental da vida. A referência ao absoluto e ao transcendente - a que os mestres da ascese denominam “temor sagrado de Deus” - é o que nos torna plenamente humanos, é o limite que nos salva de nós mesmos, impedindo que nos aventuremos nesta vida de modo predatório e voraz. A oração é a salvação do ser humano!

Certamente, existe também uma oração falsa, uma prece feita apenas para sermos admirados pelos outros. Aquele ou aqueles que vão à missa apenas para mostrar que são católicos ou para exibir o último modelo que compraram, ou para fazer uma boa figura social. Esses vão a uma oração falsa. Jesus advertiu fortemente a este respeito (cf. Mt 6, 5-6; Lc 9, 14). Mas quando o verdadeiro espírito de oração é acolhido com sinceridade e entra no coração, então faz-nos contemplar a realidade com o olhar do próprio Deus.

Quando rezamos, tudo adquire “profundidade”. Isto é curioso na oração, talvez comecemos por uma coisa sutil, mas na oração essa coisa adquire espessura, adquire peso, como se Deus a tomasse nas Suas mãos e a transformasse. O pior serviço que pode ser prestado, a Deus e também ao homem, é rezar com tédio, como se fosse um hábito. Rezar como papagaios. Não, reza-se com o coração. A oração é o centro da vida. Se houver oração, o irmão, a irmã, até o inimigo, torna- se importante. Um antigo ditado dos primeiros monges cristãos reza: “Abençoado é o monge que, depois de Deus, considera todos os homens como Deus” (Evágrio Pôntico, Tratado sobre a Oração, n. 123). Quem adora Deus, ama os seus filhos. Quem respeita Deus, respeita os seres humanos.

Quem adora Deus, ama os seus filhos. Quem respeita Deus, respeita os seres humanos

Por esta razão, a oração não é um calmante para aliviar as ansiedades da vida; ou, de qualquer forma, uma prece deste tipo certamente não é cristã. Ao contrário, a oração responsabiliza cada um de nós. Vemos isto claramente no “Pai-Nosso”, que Jesus ensinou aos seus discípulos.

Para aprender este modo de rezar, o Saltério é uma grande escola. Vimos que os Salmos nem sempre usam palavras requintadas e gentis, e muitas vezes têm as cicatrizes da existência. No entanto, todas estas orações foram utilizadas primeiro no Templo de Jerusalém e depois nas sinagogas; até as mais íntimas e pessoais. Assim se expressa o Catecismo da Igreja Católica: “As expressões multiformes da oração dos salmos tomam forma, ao mesmo tempo, na liturgia do templo e no coração do homem” (n. 2588). E deste modo a oração pessoal inspira-se e alimenta-se primeiro daquela do povo de Israel e depois daquela do povo da Igreja.

Inclusive os salmos na primeira pessoa do singular, que confidenciam os pensamentos e os problemas mais íntimos de um indivíduo, são patrimônio coletivo, a ponto de serem recitados por todos e para todos. A oração dos cristãos tem esta “respiração”, esta “tensão” espiritual que mantém unidos o templo e o mundo. A prece pode começar na penumbra de uma nave, mas depois acaba a sua corrida pelas ruas da cidade. E vice-versa, pode germinar durante os afazeres diários e encontrar o seu cumprimento na liturgia. As portas das igrejas não são barreiras, mas “membranas” permeáveis, disponíveis para acolher o clamor de todos.

O mundo está sempre presente na oração do Saltério. Os Salmos, por exemplo, dão voz à promessa divina de salvação dos mais frágeis: “Por causa da aflição dos humildes e dos gemidos dos pobres, levantar-me-ei - diz o Senhor - para lhes dar a salvação que desejam” (12 [11], 6). Ou alertam para o perigo das riquezas mundanas, porque “o homem que vive na opulência e não reflete é semelhante ao gado que se abate” (48, 21). Ou, ainda, abrem o horizonte ao olhar de Deus sobre a história: “O Senhor desfaz os planos das nações pagãs, reduz a nada os projetos dos povos. Só os desígnios do Senhor permanecem eternamente, os pensamentos do seu coração por todas as gerações” (33, 10-11).

espera sempre por nós porque nos ama primeiro, ele olha para nós primeiro, ele compreende-nos primeiro

Em síntese, onde está Deus, deve estar também o homem. A Sagrada Escritura é categórica: “Mas amamos, porque Deus nos amou primeiro” - Ele está sempre à nossa frente. Ele espera sempre por nós porque nos ama primeiro, ele olha para nós primeiro, ele compreende-nos primeiro. Ele espera sempre por nós - “Se alguém disser: 'Amo a Deus', mas odeia o seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. - Se rezas muitos terços por dia mas depois falas mal de outros, e depois sentes rancor interior, ódio contra o próximo, isto é puro artifício, não é verdadeiro. - De Deus recebemos este mandamento: aquele que amar a Deus, ame também ao seu irmão” (1 Jo 4, 19-21). A Escritura admite o caso de uma pessoa que, mesmo procurando sinceramente a Deus, nunca consegue encontrá-lo; mas afirma também que nunca se pode negar as lágrimas dos pobres, sob pena de não encontrar a Deus. Deus não suporta o “ateísmo” daqueles que negam a imagem divina impressa em cada ser humano. Aquele ateísmo cotidiano: acredito em Deus, mas com os outros mantenho a minha distância e permito-me odiar os outros. Isto é ateísmo prático. Deixar de reconhecer a pessoa humana como imagem de Deus é um sacrilégio, uma abominação, é a pior ofensa que se pode levar ao templo e ao altar.

Estimados irmãos e irmãs, que a oração dos Salmos nos ajude a não cair na tentação da “impiedade”, ou seja, de viver, e talvez até de rezar como se Deus não existisse, como se os pobres não existissem.